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Blindagens

O recente episódio da OPA da PT suscitou um tratamento nos meios de comunicação social que, no essencial, abordou os acontecimentos como uma mera disputa entre dois campos, ambos legítimos e sujeitos a regras equitativas. Os dois grupos teriam lutado com

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No entanto, as questões importantes que aquela disputa levanta – e que deveriam estar a ser seriamente debatidas – têm, incompreensivelmente, sido quase esquecidas. Na verdade, mais do que uma batalha corrente pelo controle de uma empresa, o episódio revela uma obstrução clara à normal mobilidade do capital. Os factos sugerem que se sublinhem dois aspectos de que haverá que cuidar:

– A existência no país de uma situação em que estão em causa as mais elementares regras da democracia accionista;

– A permanência no sector de uma estrutura de mercado altamente protegida, praticando preços inaceitavelmente elevados e indutora de restrições à inovação tecnológica.

Como se pode reparar na tabela, a situação de domínio protegido de que goza a PT tem, naturalmente, conduzido à formação de preços extremamente elevados. Tomemos, a título de exemplo, e por ser uma variável muito significativa, os preços das chamadas internacionais na União Europeia a 15. Estes são, em Portugal, 65% acima da média dos praticados nos país da União Europeia. A quota de mercado da PT no sector das chamadas fixas internacionais é a mais elevada entre todos os países (cerca de 82%).

Naturalmente que esta situação de domínio e protecção, para além de gerar preços elevados, não é propícia à inovação tecnológica. Podemos verificar, na tabela referida, que a parte das tecnologias de comunicação, no conjunto das actividades de inovação dos sectores das altas tecnologias, representa apenas 24% o que constitui cerca de metade da média da União Europeia a 15.

O resultado da operação indicia que continuarão as dificuldades para a acentuação da queda dos preços e das inovações tecnológicas no sector e para a melhoria das regras de governação societária.

O facto essencial não foi a disputa entre grupos empresariais mas, antes, a manifestação de vontade e de concepção dos poderes públicos relativamente ao sistema de governação societária e à estrutura de mercado do sector das telecomunicações.

Não se trata, portanto, de nos colocarmos do lado de um dos campos da disputa, mesmo que seja claro que a vitória do lado derrotado teria representado um nítido avanço, quer para o sector em particular, quer, em geral, para o sistema de governação societário. (Na verdade, não deve esquecer-se que, logo no início da operação, foi evidente a tentativa da SONAE de sedução do Governo, com a promessa de manutenção dos seus poderes na PT, quiçá mesmo em posição reforçada.)

A evolução na União Europeia no sentido de instituir a democracia accionista tem sido lenta, e há ainda um longo caminho a percorrer, mas é nessa direcção que se caminha apesar da pouca visibilidade mediática que dos sinais que realmente existem.

Os poderes especiais dos Estados está, há muito, na mira apertada das instituições europeias, com especial destaque para o vigor das interpretações e decisões do Tribunal de Justiça; este tem esticado até ao limite as possibilidades das regras emitidas pelos órgãos legislativos.

Mesmo os poderes especiais ou blindagens envolvendo apenas capitais privados não estão fora do âmbito da acção dos órgãos da União Europeia; também neste caso, o Tribunal de Justiça tem vindo, ainda que sob a tímida legislação existente, a desenvolver uma jurisprudência cujo sentido e consequências não oferecem dúvidas. Nesse sentido, o episódio da OPA da PT e as acções dos vários protagonistas do campo vencedor representam mais uma dispensável resistência à inevitável mudança que aí vem.

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