Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
27 de Junho de 2007 às 13:59

Blair das Arábias

O barão Michael Abraham Levy termina hoje as funções de enviado especial do primeiro-ministro do Reino Unido para o Médio Oriente e o deputado trabalhista por Sedgefield, Anthony Charles Lynton Blair, prepara-se para assumir o cargo de enviado especial do

  • ...

O barão Michael Abraham Levy termina hoje as funções de enviado especial do primeiro-ministro do Reino Unido para o Médio Oriente e o deputado trabalhista por Sedgefield, Anthony Charles Lynton Blair, prepara-se para assumir o cargo de enviado especial do Quarteto, o grupo negocial USA-UE-Rússia-ONU para a desordem israelo-palestiniana.

Nada consta de útil quanto aos cinco anos de pretensa mediação levantina do empresário milionário da música pop britânica, líder da comunidade judaica em terras de Isabel II, angariador de fundos e influências por conta dos trabalhistas, elevado por Blair à Câmara dos Lordes em 1997, que continua a contas com a justiça por alegadas vendas de títulos nobiliárquicos em prol de sustento ao governo e ao partido.

Muito consta, por outro lado, da maquinação da futura encarnação de Tony Blair fruto de meses de congeminações em Washington que desconcertaram as chancelarias.

Desde que a nomeação de Blair começou a ser ventilada na semana passada por Condoleezza Rice passaram off the record para a imprensa votos de consternação da parte do ministro dos negócios estrangeiros alemão Frank-Walter Steinmeier que presentemente lidera a representação europeia no Quarteto.

Reticências sérias chegaram também a público por via do denodado Javier Solana e o chefe da diplomacia russa Sergei Lavrov, após manifestar umas quantas objecções, optou por deixar correr o marfim. Gordon Brown fechou-se em copas e o secretário-geral da ONU Ban Ki Moon viu-se reduzido à sua impotência que começa a tornar-se preocupante.

UM MEDIADOR DESCONCERTANTE

O Quarteto foi criado em 2002 na sequência da declaração de Junho de George W. Bush a favor da criação de um estado palestiniano independente que oferecesse garantias de segurança a Israel.

Em Abril de 2003, o Quarteto apresentou um plano: o Roteiro de Paz. Visava uma solução final e compreensiva do conflito israelo-palestiniano a concretizar-se em 2005. O objectivo passava pelo estabelecimento de um estado palestiniano democrático e independente e acordos de paz entre Israel e todos os estados árabes.

Mahamoud Abbas tornou-se, em Março de 2003, primeiro-ministro de Yasser Arafat e o Quarteto apostou na institucionalização de um estado palestiniano. Na expectativa da retirada unilateral israelita de Gaza, concretizada em Agosto de 2005, o Quarteto nomeou, logo em Maio, o seu primeiro enviado especial: o antigo presidente do Banco Mundial, o australiano naturalizado norte-americano James Wolfensohn.

O enviado nem um ano esteve no cargo. Wolfensohn demitiu-se em Abril de 2006, argumentando ser impossível instituir um estado palestiniano devido à vitória eleitoral do Hamas em Janeiro desse ano, aos crescentes conflitos políticos entre os palestinianos e às obstruções de Israel.

Agora, o Quarteto não tem plano para relançar negociações e surge Blair por pressão de Bush.

A credibilidade como mediador levantino do político que esta quarta-feira deixa a chefia do governo de Londres é quase nula. Blair foi com Bush o impulsionador da ocupação falhada no Iraque. No Verão do ano passado alinhou com Washington para atrasar uma trégua na guerra do Líbano de modo a dar tempo a Israel para tentar vencer o Hizballah.

Não se vê que confiança Blair possa inspirar a palestinianos e aos estados árabes que são parte fundamental das negociações por mais que algum cínico avente que as possíveis conivências de Blair com as luvas pagas pela BAE Systems para venda de caças Eurofigher Typhoon à Arábia Saudita possam abrir portas em Riade.

Israel tem, por sua vez, certas reservas porque Blair se opôs à expansão dos colonatos judeus na Cisjordânia, mas, ainda assim, o primeiro-ministro Ehud Olmert vê com bons olhos a chegada de Blair às cercanias de Gaza.

As pretensões israelitas de ocupação de territórios na Cisjordânia, contestadas por americanos, europeus, russos e a ONU, levantarão sempre questões delicadas seja quem for o mediador e não será por minudências que o governo de Telavive recusará um putativo mediador relativamente compreensivo.

A AMBIÇÃO QUE TUDO CEGA

No seio do Quarteto, a situação é igualmente complicada. A Rússia não tem confiança num chefe de governo que fez frente a Vladimir Putin e as tentativas frustradas de Moscovo para levar o Hamas a dialogar seriamente com Israel deixaram um amargo de boca ao Kremlin.

Na União Europeia, Javier Solana verá a sua posição de mediador über alles comprometida com eventuais iniciativas paralelas de Blair e a maior parte dos estados membros duvidam da viabilidade de uma opção sustentada por Washington de apoio declarado à Fatah da Cisjordânia para isolar e levar à bancarrota o Hamas em Gaza.

O sucessor Gordon Brown tem o mesmo problema, mas, pelos vistos, ninguém quer de momento opor-se a Bush. Boa parte dos parceiros europeus e a Rússia não parecem, aliás, alimentar qualquer esperança para próximos êxitos diplomáticos e preferem que outros se queimem em negociações condenadas ao fracasso.

Tony Blair sai do governo com apenas 54 anos e tem compreensivelmente grandes ambições. O diálogo inter-religioso e civilizacional constam dos planos de um anglicano de simpatias católicas, o aquecimento global e suas consequências são motivação cara a político com um mínimo de discernimento, o desenvolvimento de África é outra questão a motivar iniciativas de estadista na reserva planetária.

Agora, o avatar de enviado especial para o Médio Oriente por parte do Quarteto redunda num convite envenenado que russos e boa parte da burocracia e dos governos da União Europeia deixam sobrar para um político ambicioso que invoca o êxito negocial na Irlanda do Norte como exemplo para o Levante.

O mais extraordinário é que o próprio Blair, já para não falar de Bush que é caso à parte, continua completamente cego quanto às nefastas consequências da invasão do Iraque para a sua credibilidade de estratego.

O Médio Oriente, a Palestina e Israel, desorientam notoriamente até os políticos mais dotados, sobretudo, quando a folia do spin, do virar o bico ao prego, consumem vocações.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio