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Balada de Lisboa

A má conduta de muitos taxistas, e em particular dos que servem o aeroporto, é há muito conhecida de todos, público em geral, polícia, câmara municipal, Antral.

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Todos reconhecem o quanto o seu comportamento prejudica o turismo, já que é uma primeira impressão que atira Portugal para o terceiro mundo da Europa.

Chego de Nova Iorque cedo pela manhã no feriado do primeiro de Maio. A aproximação faz-se pelo extenso areal da Costa da Caparica que do ar e ainda de uma altura considerável parece belo e convidativo. Mas a ilusão não dura muito. Logo a seguir vem a extrema desorganização urbana de Almada, com as suas vias ziguezagueantes, farrapos de verde sujo, buracos escuros e edifícios por toda a parte que mais parecem dentes na boca de um desdentado. Mas não é isso que mais impressiona. Na Ponte 25 de Abril, nas grandes avenidas estruturantes, primeiro a que se desenha junto ao rio, mais à frente a da República e já com o avião todo a tremer, quase não passam carros. Lisboa continua a dormir quando o sol já vai alto e quente.

Para quem vem do bulício de uma cidade que nunca pára, onde se come a qualquer hora e de dia e noite se ouvem, como música de fundo de uma série policial, as sirenes dos carros dos bombeiros e da polícia, o contraste é flagrante. É de facto um mudar de tempo e modo de vida. Um regresso à aldeia.

No aeroporto espero pela bagagem para além do razoável, a caixa de Multibanco não tem dinheiro e os jornais que queria comprar também já esgotaram.

Sigo para a bicha dos táxis. Calha-me um Mercedes muito velho, preto e verde. O que se segue é verdade, não é literatura. Atravessamos Lisboa vazia a alta velocidade, com o motor a rugir, guinadas e travagens bruscas, muita turbulência no banco de trás que me transforma num boneco inseguro. O motorista fala ao telemóvel e por duas vezes passamos com o sinal vermelho, para terminar em apoteose quando percebo que o taxímetro não foi accionado e me pede dezasseis euros por uma viagem que custa normalmente metade. Justifica-se o homem, com aquela esperteza saloia dos pequenos aldrabões, que é feriado, como se isso quisesse dizer alguma coisa. Sendo eu, pelo menos pela língua, claramente português imagino o que ele pediria a um estrangeiro menos avisado com os costumes locais.

Ainda a desfazer a mala imagino quanto não perde o próprio turismo com uma tal recepção aos que visitam a cidade. Quanto dinheiro não é preciso gastar em publicidade, enganosa como é evidente, em folclore e fado, em folhetos e diversões, para tentar recuperar de uma primeira imagem tão desagradável. Afinal é a marca de uma capital de medíocres facínoras, conivência e irresponsabilidade das autoridades que fica. Pois os taxistas não são os únicos, durante o tempo de uma estadia, a tentar ludibriar por todos os meios o turista acidental.

É claro que facínoras existem em todos os lugares. Mas nas cidades mais bem organizadas os poderes públicos criaram mecanismos para reduzir ao mínimo a sua actividade. Em Nova Iorque, por exemplo, e no ramo do transporte particular para ficarmos por aí, quando se apanha um táxi no aeroporto recebe-se de um polícia, destacado para o efeito, um papel com o valor exacto a pagar. No interior do táxi repete-se a informação tarifária em letras bem legíveis e um dístico apresenta o nome e fotografia do condutor e um número de telefone gratuito para se reclamar qualquer prática menos conveniente. Aí o combate ao terrorismo taxista é levado muito a sério. E dá frutos. Só mesmo um imbecil pode ser enganado.

Mas por cá nunca parece existir vontade de resolver os assuntos. A má conduta de muitos taxistas, e em particular dos que servem o aeroporto, é há muito conhecida de todos, público em geral, polícia, câmara municipal, Antral. Todos reconhecem o quanto o seu comportamento prejudica o turismo, já que é uma primeira impressão que atira Portugal para o terceiro mundo da Europa. E no entanto nada de concreto e radical se faz. Desde logo a Câmara de Lisboa que emite as licenças tem a responsabilidade de garantir a qualidade e honestidade do serviço. Sob pena de se tornar conivente dessa rede de pequenas e grandes corrupções que de forma tão evidente minam qualquer possibilidade de evolução e desenvolvimento do país.

Bem sei que para a maioria da população portuguesa que vive na miséria, nunca anda de avião ou mesmo de táxi, estes problemas tipicamente burgueses da gente como eu, não dizem nada. E só o lamento por isso também. Mas no fundo, como dizia o poeta, isto anda tudo ligado. A extrema pobreza em que vive o povo tem o equivalente na miséria moral e incompetência das instituições públicas.

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