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05 de Julho de 2006 às 13:59

Azambuja: Algumas reflexões

As notícias recentes relativamente ao possível (e próximo) encerramento da fábrica da Opel na Azambuja merecem-nos algumas reflexões.

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Uma primeira reflexão tem a ver com a necessidade de compreender que as deslocações transfronteiriças das capacidades produtivas e, consequentemente, as movimentações de capital associadas estão no cerne das economias modernas e são a resposta dos sistemas produtivos à busca incessante, por parte de cada um de nós, como consumidor, do melhor valor para o seu dinheiro (»best value for money»).

Não podemos ter, simultaneamente, uma dinâmica permanente favorável do lado dos preços (baixa inflação) sem a correspondente dinâmica do lado do sistema produtivo (procura da melhor combinação de factores). Por outras palavras, um sistema económico estático, imutável, será incapaz de gerar uma dinâmica de preços favorável ao consumidor. Ou seja, as modernas economias de mercado, abertas ao mundo e baseadas na liberdade de escolha dos consumidores, são lugares cada vez mais perigosos e menos adequados para quem aspira a um projecto de vida calma, sem preocupações de eficiência produtiva. Uma segunda reflexão tem a ver com o nosso ponto de vista sobre as movimentações internacionais dos capitais, consideradas como IDE virtuoso, quando se trata de «entrada» de capitais associada a criação de empresas e de emprego em Portugal e como uma condenável fuga de capitais e criminosa destruição de emprego e de capacidades produtivas quando as empresas saem do nosso país. Ora, o capital estrangeiro que entra em Portugal, «fugiu» de qualquer outra região onde deixou desemprego e capacidades produtivas destruídas, mas nem por isso deixa de ser considerado por nós como «virtuoso» e extremamente desejado. E quando sai do nosso país vai criar capacidade produtiva e empregos noutras regiões carenciadas, mas nem por isso deixa de ser considerado criminoso e objecto de condenação veemente. Será que a diferença entre a «virtude» e o «vicio» é apenas uma questão de ponto de vista? Uma terceira reflexão tem a ver com o facto de hoje não ser suficiente para uma região dominar os factores de competitividade para ser próspera e ter os empregos que necessita para a sua população. Uma estratégia inadequada de um grande grupo centrado numa actividade, como é a GM, pode destruir o tecido social de regiões que investiram fortemente na sua capacidade para ser competitivas exactamente nos factores requeridos por essa actividade e que, de repente, se encontram confrontados com um caminho sem regresso. Isto é, nas modernas economias globais, o «logo se vê» paga-se, mais tarde ou mais cedo, muito caro. Uma quarta reflexão refere-se ao facto de começar a ser já evidente que após um ciclo longo de cerca de trinta anos, a indústria de montagem de automóveis, no nosso país, como motor de desenvolvimento, tem os dias contados. Estratégias de optimização da cadeia produtiva, como em Palmela, possibilitarão prolongar por ainda mais alguns anos a actividade (desde que virada para áreas de nicho), pela capacidade para extrair valor a partir da exploração de sinergias e eficiências ao longo da cadeia produtiva e dos seus pontos de articulação. Mas será sempre uma actividade de carácter marginal, relativamente ao mercado europeu.

Nestes termos, que futuro para uma indústria de componentes, importante criadora de emprego no nosso país, e que tem vivido muito centrada no mercado interno? A procura de mercados externos tem um limite natural, no entanto ainda distante, mas que deriva do facto de o modelo de eficiência produtiva que se impôs nesta indústria se basear na optimização da cadeia de valor com base na proximidade entre a linha de montagem e os fornecedores de componentes, ou seja, uma dinâmica cujos focos dinamizadores se localizarão, cada vez mais, fora do nosso país. Urge, portanto, procurar alternativas, mover-nos para novas áreas de actividade. A economia portuguesa tem de encontrar novas oportunidades em sectores de actividade «alinhados» com os seus factores de competitividade. É neste contexto que o sector aeronáutico se perfila como a «migração» natural da actividade industrial portuguesa, em busca de novos motores melhor adaptados ao seu padrão de especialização. Mas não há milagres, nem o mercado, só por si, será capaz de «guiar», e muito menos «impulsionar» as empresas portuguesas para o interior desta grande «reserva potencial» de criação de valor que aguarda, intacta, a possibilidade de ser explorada. Existem condições para «localizar», em Portugal, sem custos significativos, a procura estruturante capaz de criar uma dinâmica de mercado sustentável, necessária para viabilizar a cadeia de valor, fabrico de componentes e de sistemas, a montante da actividade final de fabrico e montagem de aeronaves. Mais uma vez a política económica tem um papel a desempenhar. A cadeia de valor do sector automóvel não nasceu do nada nem foi uma criação natural das forças do mercado. Também a cadeia de valor do sector aeronáutico, o chamado «cluster» aeronáutico, só poderá nascer de uma atitude política deliberada que crie as condições para que as PME’s portuguesas vençam as barreiras à entrada no sector, nomeadamente a aquisição de tecnologia e a certificação. Atenção, no entanto, porque a janela de oportunidade é estreita e não permanecerá acessível por um período muito mais longo. As hesitações não podem prolongar-se, já que o Futuro não fica eternamente à nossa espera.

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