Opinião
As verdades do general
O general Garcia Leandro fez-se porta-voz da indignação na sociedade portuguesa, e não só escreveu, no “Expresso”, um artigo sobre esse sobressalto social, como repetiu o conteúdo na SIC-Notícias, adicionando o pressuposto de que bastariam dois anos de mã
Após esse período de tempo, então, a tropa restituiria aos civis o comando da nau. Dias mais tarde, em entrevista ao “Correio da Manhã”, o preocupado combatente foi mais longe e discreteou sobre a natureza do regime e as ambiguidades dos partidos da “alternância.”
Independentemente de se considerar inapropriada a afirmação acerca da intervenção militar, ela não deixa de constituir uma grave advertência. E faz-se eco do cansaço de parte substancial da população, desmoralizada com a corrupção a todos os níveis, os altíssimos vencimentos de gestores, as reformas sumptuosas de meia dúzia de privilegiados, as deficiências da Justiça, o descalabro na Educação, o desemprego galopante, a mentira com carta de alforria.
O general Leandro vai apaziguando os ânimos. Apesar de ser frequentemente incitado a encabeçar “um movimento de indignação” (eufemismo de “golpe de Estado armado”), acrescenta que já não é tempo de revoltas de generais e de cardeais. A frase é curiosamente instrutiva, a merecer uma daquelas “análises” históricas do excelso Rui Ramos, tão propenso às estratégias de apreciação quanto aos sainetes de estilo. Quem são essas figuras da “elite portuguesa” aprovadoras do putschismo? Na entrevista ao “Correio da Manhã” o general nada diz, porque também se lhe não pergunta. Ninguém, aliás, no poder, na hierarquia, nos partidos o interrogou sobre.
Acredita, piamente, ser “uma questão de tempo para acontecer uma implosão partidária.” E afiança: “Enquanto nós temos, de modo bem definido e delimitado, as áreas do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista, julgo que o PS é muito grande, e que dentro dele há mais do que um partido. Há um partido claramente socialista e republicano, em que estão os doutores Manuel Alegre e João Soares. Depois, há uma área maior, que é o partido social-democrata.” Infere-se, desta reflexão, que os sociais-democratas do PS não são republicanos, e que os republicanos, no PS, constituem minoria. Quanto ao PSD, sua estrutura ideológica e prática política, o general é omisso.
Há, na amena bondade deste homem, que muitos consideram “ingénuo”, algumas confusões de índole ideológica, como aquela que o impele a qualificar António José Seguro como detentor de “grande sentido de Estado”, pormenor inobservável à vista desarmada. Seguro é um produto típico dessas estranhas agremiações designadas por “jotas”, de onde têm saído numerosos carreiristas da ociosidade. Aprendeu a astúcia de se comprometer muito pouco com pouquíssimas coisas. Há anos, declarou, bocejante, ao “Expresso”, estar cansado da política – mas totalmente disponível para ser deputado no Parlamento Europeu. Para onde, aliás, foi, com os vencimentos, as mordomias e as prerrogativas correspondentes. Como a quase totalidade dos “socialistas” do PS, estaria muito melhor no PSD. Aliás, penso que ambos os partidos se deveriam unir, tantas são as semelhanças nos interesses, tantos são os laços ideológicos e tão iguais as apetências de poder.
As avaliações do general, por vastas, teriam de conter algumas evidências, por poucas. Assim, quando fala nas iniquidades gritantes na sociedade portuguesa, e aponta quase todas aquelas que nos ferem, repete as críticas gerais e as cada vez mais acentuadas desconfianças dos cidadãos para com os “políticos”. O País está numa espécie de transe, que conduzirá, inevitavelmente, para grandes convulsões sociais, de resultados imprevisíveis. Na terça-feira última, em entrevista a Ana Lourenço, SIC-Notícias, Manuel Carvalho da Silva foi muito claro, ao não relativizar a vulnerabilidade dos contextos políticos nacionais. Não há perigo de “implosão dos partidos”, como prevê o general Garcia Leandro; mas sim a pulverização do projecto de Estado Social, com consequências nefastas para a colectividade.
A ascensão neoliberal, com o seu avatar pós-moderno da década de 80, procurou referir novos conceitos e novas categorias paradigmáticos. O breviário possuía o odor a mofo das águas-furtadas. E o resultado está à vista: as desigualdades atingem níveis insuportáveis, as tensões internacionais entram no território do paroxismo, os valores são tidos como arcaicos e as armadilhas têm capturado os próprios armadilhadores. A crise geral do capitalismo reflecte a crise geral da Esquerda. E a questão já não é, somente, “política”, mas, sobretudo “ideológica”.
APOSTILA 1 – Corre, na Internet, uma informação sobre os vencimentos, as mordomias, as pensões de reforma dos administradores do Banco de Portugal. O regabofe parece estar instalado, sem remissão e com agravo. O “bloco central de interesses” funciona com a “regra” e com a “personalização”, deixando-nos presos e reduzidos ao maquinal papel de assistentes perplexos. Evidentemente, estas deformidades no tecido moral e social português põem em causa os fundamentos da democracia, resumida, cada vez mais, a uma única dimensão.
APOSTILA 2 - Que é feito de Rui Araújo, o excelente jornalista, cuja última ocupação foi a de provedor do leitor, no “Público”? Está na lista dos desempregados? Não tem lugar nas Redacções? Araújo, que não conheço pessoalmente, mas cuja actividade tenho seguido, ao longo dos anos, com admiração e respeito, possui muito mais qualidade profissional, moral e ética do que muitos dos autoproclamados gurus da Imprensa, que por aí bolçam sentenças, num idioma periclitante. Até agora, Rui Araújo recebeu nove importantes prémios de jornalismo de investigação, é autor de notáveis reportagens e, em Paris, repórter da RTP, foi o primeiro a noticiar a morte de Roland Barthes. Repito: que é feito de Rui Araújo?