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19 de Dezembro de 2008 às 13:00

Aníbal e os elefantes

Li ontem num jornal que a líder do PSD terá dito no Conselho Nacional do Partido, realizado esta semana, que sozinha não consegue dar a vitória ao PSD nas eleições de 2009.

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Li ontem num jornal que a líder do PSD terá dito no Conselho Nacional do Partido, realizado esta semana, que sozinha não consegue dar a vitória ao PSD nas eleições de 2009. Confesso que num primeiro momento não compreendi o verdadeiro alcance desta afirmação, pois pareceu-me uma evidência do mais puro e simples - quem no seu perfeito juízo acreditaria que a Dr.ª Ferreira Leite daria sozinha a vitória ao seu partido nas eleições do próximo ano? Já não seria nada mau se lhe desse a vitória acompanhada!

Foi, porém, numa segunda reflexão que me dei conta do verdadeiro alcance desta afirmação, e do erro em que os nossos analistas políticos têm laborado. Com efeito, estes últimos, quiçá distraídos com a riqueza e exuberância da política portuguesa, interpretaram esta notável declaração em dois sentidos diferentes e antagónicos: uns, que a Doutora já está convencida que vai perder as eleições, e que portanto isto seria uma confissão antecipada da derrota e o preparar do Partido para uma situação dolorosa. Outros, que dada a situação interna do Partido se tratou de um apelo, ou mesmo de um desafio, à união interna contra um poderoso inimigo externo.
Devo dizer-vos, meus queridos leitores, que depois de pensar maduramente sobre o assunto e de ter relido, à luz destas singelas palavras da Doutora, o que foi recentemente dito por notáveis do PSD como o Eng.º Ângelo Correia ou o Dr. Filipe Menezes, estou absolutamente convencido que nem uns nem outros têm razão. A nossa Doutora não tem seguramente dúvidas que não é com a ajuda do PSD que ela ganhará as eleições de 2009; o que ela sabe é que para ganhar as eleições precisa da ajuda do PS - ou pelo menos de uma parte dele.

Não que isto seja pedir algo extraordinário. Ainda a semana passada o Governo - e o PS como partido que o suporta - tiveram uma importante vitória no Parlamento com o "chumbo" do projecto de Lei do PP para suspender a avaliação dos professores que só foi possível graças à ajuda do PSD. Porque não esperar agora o que seria da mais elementar justiça, uma ajudinha do PS ao PSD, reciprocidade oblige?

Os exemplos históricos de situações deste tipo são muitos e variados. No Japão do Imperador Ta Ky Etu, e no que consistiu uma notável experiência democrática , a oposição ganhou as eleições provinciais em Honde He Hisso depois de o governador Tró Ka Tudo ter feito o discurso errado num comício. Com efeito, o governador, conhecido pela sua falta de habilidade política, fez uma inflamada intervenção em favor dos pés descalços, no que constituía uma alusão à defesa dos pobres. Infelizmente, esta província japonesa era reputada pela manufactura de sapatos, que empregava uma extensa maioria da população local. Consta que os manifestantes, em sinal de protesto, se terão descalçado e atirado os sapatos a Tró Ka Tudo, prática que subsistiu até aos nossos dias.

Mas o exemplo mais marcante é o do Império Romano de 220 a. C., quando o Questor Muitus Itontus defendeu que se deveria fazer face a Aníbal, que marchava contra Roma com os seus elefantes, com um exército de ratos. Os romanos perderam um tempo precioso para a preparação dos seus exércitos a caçar ratos, que depois levaram de navio para o norte da Península. Infelizmente, ao atracarem os navios foram tomados de assalto por gatos, o que levou à fuga dos ratos e deixou os romanos desarmados. Este episódio menos conhecido da Segunda Guerra Púnica está na raiz da vitória cartaginesa na Batalha de Canas (localidade que não deve ser confundida com Canas de Senhorim) e constitui a origem de expressão ainda hoje muito em voga na política: "és um homem ou és um rato?" Mas, mais importante, este erro notável de um homem do status quo foi responsável pela mudança política que se deu em Roma e abriu as Portas (com P grande) àquilo que veio a ser o Império Romano, e ilustra bem como numa vitória podemos ser ajudados pelo adversário.

Que lições podemos daqui tirar para a actual política situação portuguesa? Deve a Dr.ª Ferreira Leite confiar em que, perante a ineficácia completa da oposição em combater o Governo, que a via é a de esperar uma ajuda da oposição interna? Vejamos.

No PS hoje, como nos tempos de Aníbal, os elefantes avançam e posicionam-se. Alguns não sobreviverão à travessia dos Alpes, mas outros chegarão a Canas. O PSD vai reunindo ratos - daqui até 2009 alguns abandonarão o navio, mas outros ficarão por aí. Os outros partidos organizam-se em dois blocos: uns rezam para que apareçam alguns gatos - pretos, de preferência, que dão mais azar; outros tentam convencer que são uns rotweilers, bons para espantar os gatos. Mas a grande conclusão é só uma: qualquer que seja o resultado das eleições, vamos ficar entregues à bicharada.


Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico o que acha de a líder do PSD ter dito que sozinha não ganharia as eleições, Frederico respondeu: "É bem capaz de ter razão. Mas mais vale só que mal acompanhada!"

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