Opinião
Ameno comentário sobre a fome,a miséria e a pobreza
Não vejo um resquício de generosidade, uma minúscula fatia de sensibilidade humana nas últimas declarações do eng.º Francisco Van Zeller, patrão dos patrões da CIP. Pesarosamente o escrevo. O senhor surgia como um avô bondoso, voz limpa e...
Não vejo um resquício de generosidade, uma minúscula fatia de sensibilidade humana nas últimas declarações do eng.º Francisco Van Zeller, patrão dos patrões da CIP. Pesarosamente o escrevo. O senhor surgia como um avô bondoso, voz limpa e pausada, voz sorridente se assim me posso exprimir. Agora, não. Parece outro homem. Até perdeu a dignidade do porte, Deus lhe perdoe. O eng.º Van Zeller opõe-se a quase tudo, menos aos interesses da classe que representa.
Opôs-se a que o novo Governo fizesse acordos com a Esquerda. Não se opôs a que os assinasse com o CDS. Vivemos num regime constitucional, republicano, cuja natureza exige a separação do poder económico do poder político. Às vezes, é verdade, o poder político volteia às cegas e recebe mais ordens do que toma decisões. Essa circunstância explica a desagregação da virtude e já chegámos a desinteressar-nos de discutir os princípios da liberdade e da democracia.
Notoriamente, o eng. Van Zeller aproveita-se deste vazio cívico, desta ausência ideológica e cultural para opinar sobre o que não deve, esquecendo-se do recato a que as suas nobres funções o devem obrigar.
Agora, opõe-se a que haja o menor aumento nos ordenados de quem trabalha. Quem trabalha que se aguente, dando continuidade a esse defeito nativo, à nossa vocação lacrimejante de sermos vítimas. Há dois milhões de portugueses na faixa da miséria: a expressão pobreza é um eufemismo apressadamente lançado à circulação quotidiana por políticos de baixa estirpe.
Conheço algumas famílias, e haverá certamente mais, cujos pais trabalham e os ordenados que recebem não chegam para as três refeições diárias. Acaso o deseje, sr. eng.º Van Zeller, acompanhá-lo-ei numa visita guiada aos redutos da miséria. Mas pode ir à Caritas, ou às outras várias organizações não governamentais (os Governos não se metem nisto) que socorrem milhares e milhares de portugueses.
António Perez Metello não ocultou, na TVI, a indignação que lhe causaram as ingerências dos patrões: ele não nomeou o engenheiro; disse: "o patronato", mas ferrou em público a indignidade. Os aumentos almejados são tão mínimos, tão escassos, tão módicos que qualquer objecção que se lhes faça soa a infâmia.
O eng.º Francisco Van Zeller, muito caritativo e assaz preocupado, manifestou a sua intensa solidariedade para com as pequenas e médias empresas, coitadas!, na síntese do opinante, que ficariam completamente desguarnecidas e até, talvez, tivessem de encerrar as portas. Ó eng. Van Zeller, ó eng.º Van Zeller, isso não são argumentos, são esconderijos esburacados de quem é, apenas e somente, o que sempre foi. Parece mal disfarçar-se com a capa da bondade quando está a defender o absolutamente indefensável.
Em 1845, Garrett escreveu, nas "Viagens na Minha Terra", o que custava um rico a um país: a ruína no trabalho, a dissolução moral, a miséria mais escanzelada. Garrett não era comunista.
Seria, agora, acusado dessa nefasta maldade. Só três anos depois de Garrett ter escrito aquela obra-prima, exactamente em 1848, é que foi editado o "Manifesto do Partido Comunista", de Marx e Engels. Será difícil admitir que o grande escritor tenha, por absurda antecipação, tomado as teses do "Manifesto" antes de ele ser publicado.
O eng.º Van Zeller foge à ideia que de ele fazia. O "bonhomme", elevado e atento, dissolveu-se a si mesmo. O patronato português, geralmente, é de um reaccionarismo bolorento. Além de demonstrar uma ignorância e uma incultura atrozes. Dir-me-ão: para ser bom empreendedor não é preciso saber quantos cantos tem "Os Lusíadas." Não é preciso, mas ajuda. O dr. Cavaco, por exemplo, não sabe. "Ao menos que sejam virtuosos os que não são instruídos", escreveu Ramalho Ortigão. A verdade é que nem isso. A virtude implica a consciência do que cada um de nós tem do dever e da honra. Ora, quem vive num plano alto da sociedade possui a responsabilidade ética de zelar e defender os interesses dos mais desprotegidos. Tirar-lhes o pouco que estes têm, compromete, inteiramente, quem o pratica.
Nenhum destes patrões conhecidos domina, pela admiração, as nossas curiosidades. O ressentimento é natural que nasça naqueles que sobrevivem nos tormentos das dificuldades e sabem que há "gestores" a auferir, mensalmente, vinte mil, trinta mil e dez mil euros, a beneficiarem de bónus vultuosíssimos e a pavonearem-se nos campos de golfe e nas festanças do jet-set (como é feia, aquela gente!).
Naturalmente, declarações deste jazes e estilo causam, naqueles que existem na miséria e no sofrimento, a maior das indignações. Homens e mulheres que trabalharam uma vida inteira e vivem em tugúrios, comem mal ou não comem, vêem-se impossibilitados de mandar os filhos para os estudos, esses homens e essas mulheres, muitos e muitos milhares, sentem-se ofendidos quando conhecem que há "gestores" com reformas de três mil e seiscentos contos mensais (moeda antiga) depois de seis meses de "funções" administrativas.
b.bastos@netcabo.pt
Opôs-se a que o novo Governo fizesse acordos com a Esquerda. Não se opôs a que os assinasse com o CDS. Vivemos num regime constitucional, republicano, cuja natureza exige a separação do poder económico do poder político. Às vezes, é verdade, o poder político volteia às cegas e recebe mais ordens do que toma decisões. Essa circunstância explica a desagregação da virtude e já chegámos a desinteressar-nos de discutir os princípios da liberdade e da democracia.
Agora, opõe-se a que haja o menor aumento nos ordenados de quem trabalha. Quem trabalha que se aguente, dando continuidade a esse defeito nativo, à nossa vocação lacrimejante de sermos vítimas. Há dois milhões de portugueses na faixa da miséria: a expressão pobreza é um eufemismo apressadamente lançado à circulação quotidiana por políticos de baixa estirpe.
Conheço algumas famílias, e haverá certamente mais, cujos pais trabalham e os ordenados que recebem não chegam para as três refeições diárias. Acaso o deseje, sr. eng.º Van Zeller, acompanhá-lo-ei numa visita guiada aos redutos da miséria. Mas pode ir à Caritas, ou às outras várias organizações não governamentais (os Governos não se metem nisto) que socorrem milhares e milhares de portugueses.
António Perez Metello não ocultou, na TVI, a indignação que lhe causaram as ingerências dos patrões: ele não nomeou o engenheiro; disse: "o patronato", mas ferrou em público a indignidade. Os aumentos almejados são tão mínimos, tão escassos, tão módicos que qualquer objecção que se lhes faça soa a infâmia.
O eng.º Francisco Van Zeller, muito caritativo e assaz preocupado, manifestou a sua intensa solidariedade para com as pequenas e médias empresas, coitadas!, na síntese do opinante, que ficariam completamente desguarnecidas e até, talvez, tivessem de encerrar as portas. Ó eng. Van Zeller, ó eng.º Van Zeller, isso não são argumentos, são esconderijos esburacados de quem é, apenas e somente, o que sempre foi. Parece mal disfarçar-se com a capa da bondade quando está a defender o absolutamente indefensável.
Em 1845, Garrett escreveu, nas "Viagens na Minha Terra", o que custava um rico a um país: a ruína no trabalho, a dissolução moral, a miséria mais escanzelada. Garrett não era comunista.
Seria, agora, acusado dessa nefasta maldade. Só três anos depois de Garrett ter escrito aquela obra-prima, exactamente em 1848, é que foi editado o "Manifesto do Partido Comunista", de Marx e Engels. Será difícil admitir que o grande escritor tenha, por absurda antecipação, tomado as teses do "Manifesto" antes de ele ser publicado.
O eng.º Van Zeller foge à ideia que de ele fazia. O "bonhomme", elevado e atento, dissolveu-se a si mesmo. O patronato português, geralmente, é de um reaccionarismo bolorento. Além de demonstrar uma ignorância e uma incultura atrozes. Dir-me-ão: para ser bom empreendedor não é preciso saber quantos cantos tem "Os Lusíadas." Não é preciso, mas ajuda. O dr. Cavaco, por exemplo, não sabe. "Ao menos que sejam virtuosos os que não são instruídos", escreveu Ramalho Ortigão. A verdade é que nem isso. A virtude implica a consciência do que cada um de nós tem do dever e da honra. Ora, quem vive num plano alto da sociedade possui a responsabilidade ética de zelar e defender os interesses dos mais desprotegidos. Tirar-lhes o pouco que estes têm, compromete, inteiramente, quem o pratica.
Nenhum destes patrões conhecidos domina, pela admiração, as nossas curiosidades. O ressentimento é natural que nasça naqueles que sobrevivem nos tormentos das dificuldades e sabem que há "gestores" a auferir, mensalmente, vinte mil, trinta mil e dez mil euros, a beneficiarem de bónus vultuosíssimos e a pavonearem-se nos campos de golfe e nas festanças do jet-set (como é feia, aquela gente!).
Naturalmente, declarações deste jazes e estilo causam, naqueles que existem na miséria e no sofrimento, a maior das indignações. Homens e mulheres que trabalharam uma vida inteira e vivem em tugúrios, comem mal ou não comem, vêem-se impossibilitados de mandar os filhos para os estudos, esses homens e essas mulheres, muitos e muitos milhares, sentem-se ofendidos quando conhecem que há "gestores" com reformas de três mil e seiscentos contos mensais (moeda antiga) depois de seis meses de "funções" administrativas.
b.bastos@netcabo.pt
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