Opinião
A vitória triste, comovente e contestada de Prodi
O triunfo do centro-esquerda foi precisamente o contrário da declaração de vitória de Prodi. Foi uma vitória triste, comovente e contestada e confronta-se com a ameaça de Berlusconi que conseguiu galvanizar metade do eleitorado e, definitivamente, anda po
Bernardo Provenzano, o chefe supremo da Cosa Nostra não votou e acabou preso nos arredores de Corleone, depois de quatro décadas em fuga, na manhã em que Romano Prodi viu, enfim, confirmada a sua vitória de Pirro e a bolsa de Milão em queda poupava as acções da Mediaset de Berlusconi com os investidores confiantes na impossibilidade de reformas na legislação dos media.
A detenção do capo di tutti i capi irá chamar a atenção para os negócios do submundo que movimentam anualmente mais de 20 mil milhões de euros, sobretudo, por conta da Mafia siciliana, da Camorra napolitana, da ‘Ndrangheta calabresa e da Sacra Corona Unida de Puglia.
Foi tema ausente da campanha eleitoral e quedou-se como matéria relegada para as eleições regionais sicilianas do próximo mês. O deixar cair a bandeira da luta contra o crime organizado surgiu como mais um sintoma da tradicional incapacidade do centro-esquerda em mobilizar apoiantes no Mezzogiorno.
Com um terço da população italiana o Sul pobre pouco vislumbra ganhar com um governo Prodi tanto mais que entre as promessas eleitorais de L’Unione figura a anulação do projecto de construção da ponte de Messina, ligando a península à Sicília, orçado em mais de 4,7 mil milhões de euros.
A primeira reacção dos investidores ao apostarem Mediaset evidenciou, por seu turno, a ideia de que a coligação de Prodi terá dificuldades em rever a situação no sector dos media e, sobretudo, revogar a Lei Gasparri, aprovada há dois anos, que favorece a concentração empresarial no sector. Poderá vir a mostrar-se uma aposta equivocada porque esta é uma das iniciativas consensuais entre os parceiros de L’Unione que necessitam urgentemente de fazer dissipar as dúvidas sobre a consistência da coligação.
Primeiros passos
O primeiro passo será a eleição no próximo mês do sucessor do presidente Carlo Ciampi e logo aqui se dará a ver o peso relativo dos partidos da coligação, quais os potenciais trânsfugas no Senado e na Câmara de Deputados e como irão votar os sete senadores vitalícios.
Os principais partidos de L’Unione não conseguiram reforçar as suas posições e os maiores ganhos foram para as formações mais pequenas da coligação, enquanto Berlusconi conseguiu manter a liderança da Forza Itália no bloco de cento-direita.
Os Democratas de Esquerda, herdeiros do antigo Partido Comunista e convertidos a variantes da social-democracia, mantêm-se como a principal força do centro-esquerda. Os católicos centristas do Partido Margarida confirmaram a sua posição como segunda força política de L’Unione. A Refundação Comunista, de Fausto Bertinotti, manteve peso suficiente para bloquear os projectos de reforma mais controversos como sejam as promessas de liberalização dos serviços públicos, apesar de aderir formalmente ao programa comum. Finalmente, as franjas mais radicais da coligação tiveram resultados expressivos para fazerem valer as promessas de legalização das uniões de facto e complicarem a concretização do único projecto de grandes obras públicas que Prodi aprova: o comboio de alta velocidade Turim-Lyon.
Prodi não lidera qualquer partido e só pode contar com a sua perspicácia política e capacidade negocial. Por sinal, tais qualidades não se contam entre as suas maiores virtudes conforme mostrou durante os cinco anos em que presidiu à Comissão Europeia.
A prioridade ao combate à evasão fiscal faz consenso, mas encontrará resistências se atendermos às estimativas que identificam 13 por cento dos italianos em situação de fuga aos impostos. As expectativas de Prodi em arrecadar só aqui pelo menos 30 mil milhões de euros para os cofres do estado são, no mínimo, demasiado optimistas.
O plano de reforma fiscal, por sua vez, prevê reduções de cinco pontos percentuais nos descontos salariais para a segurança social no primeiro ano de governo e parece ser consensual no seio da coligação, mas a diminuição de receitas que implica, orçada em 10 mil milhões de euros, poderá não ser compensada pelo aumento de impostos sucessórios e sobre os rendimentos de capital que eventualmente arrecadaria 7 mil milhões de euros.
O pacote fiscal por diversas vezes alterado depois da adopção do programa comum do centro-esquerda não chega, mesmo nas contas do professor Prodi, para equilibrar as finanças públicas no início da legislatura e as negociações sobre o plano económico a quatro anos, a adoptar em Junho, e o orçamento, a apresentar em Setembro, prometem dificuldades acrescidas, tanto mais que a aplicação em rigor do compromisso eleitoral de L’Unione implicaria gastos anuais na ordem dos 20 mil milhões de euros.
Constrangimentos implacáveis
Os constrangimentos financeiros são implacáveis. O défice orçamental cifrou-se, em 2005, em 4,1 por cento do PIB e as previsões para este ano apontam para um aumento de 3,8 por cento. A dívida pública representava, por seu turno, no ano passado, 106,4 por cento PIB. Nem a alienação de património, contestada no seio da coligação de centro-esquerda, poderá inverter a curto prazo a tendência para agravamento dos défices e conter o aumento da dívida pública.
Os efeitos da revogação da lei Baggi, adoptada há três anos para facilitar contratos a prazo, serão problemáticos e dificilmente melhorarão a competitividade laboral que, nas estimativas do World Economic Forum, coloca a Itália em 47º lugar, bem abaixo de Portugal que, no ano de 2005, ficou em 22º na listagem de 117 países.
Mas, o grande drama será estimular uma economia anémica, não competitiva, à excepção de escasso número de grandes empresas como a Fiat ou a Pirelli, sem agravar ainda mais o défice das finanças públicas. Do sector de serviços à banca a Itália está em desvantagem face aos concorrentes europeus e a especialização industrial em sectores sujeitos a forte concorrência internacional não a favorece.
O eventual empurrão que a recuperação da procura na União Europeia possa dar propiciará quando muito, na previsão do Fundo Monetário Internacional, um crescimento da economia italiana de 1,3 por cento em 2006, depois de se ter quedado por uma média de 0,6 por cento nos anos de governo Berlusconi.
O professor Prodi tem, pois, pela frente tarefa difícil e diz contar com o cavalheirismo dos parceiros de coligação para cumprir um mandato de cinco anos. É pedir demais.
O triunfo do centro-esquerda foi precisamente o contrário da declaração de vitória de Prodi. Foi uma vitória triste, comovente e contestada e confronta-se com a ameaça de Berlusconi que conseguiu galvanizar metade do eleitorado e, definitivamente, anda por aí.