Opinião
João Borges de Assunção - Professor | Católica Lisbon School of Business & Economics | Universidade Católica Portuguesa
jba@ucp.pt
04 de Maio de 2009 às 13:00
A vez dos pequenos
Todas as crises revelam fragilidades escondidas e abrem novas oportunidades. A natureza do debate mediático, e mesmo académico, tende a colocar os analistas na pele dos governantes,
Todas as crises revelam fragilidades escondidas e abrem novas oportunidades. A natureza do debate mediático, e mesmo académico, tende a colocar os analistas na pele dos governantes, respondendo explicitamente àquilo que as autoridades políticas e monetárias devem ou não fazer. Porém, a maior parte da mudança durante as crises ocorre a um nível mais micro, através da mudança do comportamento de milhões de pessoas individuais e de milhares de empresas.
Algumas expressões ganharam espaço na comunicação social, como por exemplo "too big too fail" (demasiado grande para falir). Este conceito, como muitos outros, tem duas faces. A primeira, e mais óbvia, é a de que determinadas instituições são demasiado grandes para irem à falência, pelos custos que a sua queda criaria no resto da sociedade. Assim, os governos vêem legitimadas as suas intervenções neste tipo de instituições. Há um argumento racional de curto prazo que sugere que os benefícios das intervenções são superiores aos seus custos. A empresa que, na actual conjuntura, ficou conhecida por ser grande demais para falir foi a AIG, que até há bem poucos meses era quase desconhecida do cidadão comum e que agora é objecto de acesa discussão pública e política em muitas das suas decisões.
A segunda face do conceito "too big too fail" é porém mais subtil. Se os gestores, accionistas, credores, trabalhadores e clientes desconfiam que o governo considera uma empresa demasiado grande para falir isso condiciona de forma determinante o seu comportamento. Em particular, e em termos genéricos, vão tomar mais riscos, vão fazer mais exigências e irão fazer menos cedências em qualquer processo negocial. Ora esta alteração comportamental na ecologia de uma empresa demasiado grande para falir tem consequências muita negativas para o resto da sociedade. Em particular os interesses associados à empresa demasiado grande vão exercer uma chantagem destruidora de riqueza perante o resto da sociedade.
A actual crise veio dar expressão concreta a esta ideia, que até agora tinha apenas um carácter académico, e tem trazido para o debate a importância de, na regulação económica, se ter em consideração, pela negativa, a dimensão das empresas. Por exemplo, no actual debate sobre a reestruturação do sector financeiro americano está em cima da mesa a possibilidade de forçar as maiores instituições a alienar activos até ao ponto delas não serem demasiado grandes para que, caso colapsem, coloquem em risco o resto da economia.
As empresas de menor dimensão mostram-se assim como um exemplo mais útil para a sociedade. É fácil que os governantes se deslumbrem com a dimensão e poder das maiores empresas, e considerem que se as suas políticas forem bem aceites por estas está aberto o caminho a um rápido crescimento económico com elevada criação de emprego de qualidade e bem remunerado. Porém, é nas empresas sem risco sistémico que os incentivos à maximização de valor se manifestam com maior probabilidade de não ter quaisquer externalidades negativas sobre o resto da economia.
Acresce que, durante as crises económicas, há uma enorme alteração no comportamento estratégico das empresas, e a maior parte da acção ocorre nas empresas de dimensão média ou pequena. Muitas das empresas mais admiradas e estudadas nas escolas de gestão como a Dell e a Southwest nasceram e prosperaram em períodos de turbulência económica, pois foi nos períodos recessivos que encontraram os seus rivais mais enfraquecidos.
Assim, enquanto a atenção mediática e política na maioria dos países desenvolvidos se centra nas grandes instituições, a maior parte da acção empresarial que conta para o futuro económico dos países ocorre a um nível mais micro em empresas de menor dimensão e visibilidade. È nestas empresas que há maior flexibilidade. É nestas que há maior reflexão estratégica. E é também nestas que há mais inovação quer de produtos quer de processos. A adaptação da estratégia das empresas às condições concretas do mercado bem como a eliminação de ineficiências ocorre de uma forma bem mais célere nas empresas de menor dimensão onde há menos rotinas burocráticas a cumprir.
É possível assim ter uma dose moderada de optimismo sobre o futuro. Em larga medida porque se pode confiar que há muitos actores económicos de pequena dimensão a tomarem boas decisões de investimento, que criarão riqueza sem prejudicar ninguém.
Tal como em recessões anteriores é a vez dos pequenos nos salvarem da crise.
Professor da Universidade Católica Portuguesa
jba@fcee.ucp.pt
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Algumas expressões ganharam espaço na comunicação social, como por exemplo "too big too fail" (demasiado grande para falir). Este conceito, como muitos outros, tem duas faces. A primeira, e mais óbvia, é a de que determinadas instituições são demasiado grandes para irem à falência, pelos custos que a sua queda criaria no resto da sociedade. Assim, os governos vêem legitimadas as suas intervenções neste tipo de instituições. Há um argumento racional de curto prazo que sugere que os benefícios das intervenções são superiores aos seus custos. A empresa que, na actual conjuntura, ficou conhecida por ser grande demais para falir foi a AIG, que até há bem poucos meses era quase desconhecida do cidadão comum e que agora é objecto de acesa discussão pública e política em muitas das suas decisões.
A actual crise veio dar expressão concreta a esta ideia, que até agora tinha apenas um carácter académico, e tem trazido para o debate a importância de, na regulação económica, se ter em consideração, pela negativa, a dimensão das empresas. Por exemplo, no actual debate sobre a reestruturação do sector financeiro americano está em cima da mesa a possibilidade de forçar as maiores instituições a alienar activos até ao ponto delas não serem demasiado grandes para que, caso colapsem, coloquem em risco o resto da economia.
As empresas de menor dimensão mostram-se assim como um exemplo mais útil para a sociedade. É fácil que os governantes se deslumbrem com a dimensão e poder das maiores empresas, e considerem que se as suas políticas forem bem aceites por estas está aberto o caminho a um rápido crescimento económico com elevada criação de emprego de qualidade e bem remunerado. Porém, é nas empresas sem risco sistémico que os incentivos à maximização de valor se manifestam com maior probabilidade de não ter quaisquer externalidades negativas sobre o resto da economia.
Acresce que, durante as crises económicas, há uma enorme alteração no comportamento estratégico das empresas, e a maior parte da acção ocorre nas empresas de dimensão média ou pequena. Muitas das empresas mais admiradas e estudadas nas escolas de gestão como a Dell e a Southwest nasceram e prosperaram em períodos de turbulência económica, pois foi nos períodos recessivos que encontraram os seus rivais mais enfraquecidos.
Assim, enquanto a atenção mediática e política na maioria dos países desenvolvidos se centra nas grandes instituições, a maior parte da acção empresarial que conta para o futuro económico dos países ocorre a um nível mais micro em empresas de menor dimensão e visibilidade. È nestas empresas que há maior flexibilidade. É nestas que há maior reflexão estratégica. E é também nestas que há mais inovação quer de produtos quer de processos. A adaptação da estratégia das empresas às condições concretas do mercado bem como a eliminação de ineficiências ocorre de uma forma bem mais célere nas empresas de menor dimensão onde há menos rotinas burocráticas a cumprir.
É possível assim ter uma dose moderada de optimismo sobre o futuro. Em larga medida porque se pode confiar que há muitos actores económicos de pequena dimensão a tomarem boas decisões de investimento, que criarão riqueza sem prejudicar ninguém.
Tal como em recessões anteriores é a vez dos pequenos nos salvarem da crise.
Professor da Universidade Católica Portuguesa
jba@fcee.ucp.pt
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