Opinião
A última barata e o próximo terrorista
O debitar a confirmação oficial do extermínio da última barata em Hohhot, capital da Região Autónoma Chinesa da Mongólia Interior, informação veiculada pela Agência Nova China, a par, provavelmente, das notícias sobre os esforços envergonhados de Carlos M
O debitar a confirmação oficial do extermínio da última barata em Hohhot, capital da Região Autónoma Chinesa da Mongólia Interior, informação veiculada pela Agência Nova China, a par, provavelmente, das notícias sobre os esforços envergonhados de Carlos Melancia para se insinuar às boas sortes da geomância chinesa, com a erecção da estátua de uma carpa frente ao Palácio do Governador em Macau, contam-se entre alguns dos momentos mais excêntricos que me calharam em sorte como jornalista no final dos anos 80.
Depois, claro, outras ocasiões vieram, desde, em longas entrevistas com Mikhail Gorbachev, o ex-secretário-geral, conceder a sua surpresa quanto à virulência dos movimentos nacionalistas, admitir uma ignorância genérica sobre o estado da União Soviética ao ascender ao poder em 1985, desconhecendo até o proveito das colheitas agrícolas num estado que se confrontava com o triste dilema de uma agricultura fruste e fustigada pelas rotineiras quatro estações do ano.
Muito estranha foi, também, uma tumultuosa conversa nos jardins do palácio presidencial de Jacarta com Jusuf Habibie que acusava Kofi Annan de não ter respeitado um alegado acordo para adiar por três dias a divulgação do resultado do referendo de 30 de Agosto de 1999 de modo a permitir a declaração do estado de emergência em Timor-Leste e a substituição das unidades militares estacionadas na província por "tropas disciplinadas".
Dizendo-se traído e humilhado pelos seus generais, em particular por Zacky Anwar Makarim, chefe dos serviços secretos indonésios em Timor, e pelo ministro da Defesa e chefe de estado-maior das forças armadas, Wiranto, o presidente indonésio jurava que se necessário fosse apelaria ao povo para se erguer contra os militares golpistas.
Entretanto, Timor ardia e intrigantes indefinições que alimentavam, então, a crescente suspeita de que as autoridades portugueses também não estavam preparadas para o pior cenário vieram a confirmar-se preto no branco ao ler anos depois o depoimento de Ana Gomes no seu blogue "Causa Nossa".
A antiga embaixadora revelaria, a 29 de Dezembro de 2004, ter partido "para Jacarta em Janeiro de 1999 com três meses adiantados de ajudas de custo no bolso, sem fundos para funcionamento dos serviços e sem qualquer fundo para uma emergência, que só no auge da crise de Setembro de 1999 foi disponibilizado (depois do embaixador da Holanda me emprestar dinheiro para pagar – adiantado – o avião que evacuou os jornalistas portugueses atacados no famigerado Hotel Makhota)".
Pequenos e diminutos pormenores
Por tanta coisa vista e contada, chega uma altura em que se olha necessariamente, a considerável distância, os pequenos e diminutos pormenores.
É significativa, por exemplo, a notícia de que a maioria dos multimilionários da China seja descendente directa de altos responsáveis do Partido Comunista Chinês. É uma especificidade do modelo chinês que passa em claro à maioria dos políticos que buscam a boa vontade de Pequim.
Teríamos, a crer no Chief Executive China Online, um total de 2.932 filhos de dirigentes comunistas entre 3.320 possuidores de pecúlios acima dos 100 milhões de yuan, ou seja gente empreendedora com fortunas acima de 12 milhões de euros.
Acontece, também, que ainda esta semana o presidente da Câmara de Xangai, Han Zheng, anunciou ter recuperado cerca de 990 milhões de euros de fundos desviados do fundo de pensões do município, pondo assim fim a uma purga política ao mais alto nível que se arrastava há meses.
As preocupações de Condoleezza Rice
Pormenor por pormenor podemos assinalar aquilo que aventou, esta semana, em entrevista ao Der Spielgel o antigo chefe de operações da CIA na Europa.
Tyler Drumheller afirmou ao semanário de Hamburgo que em tempos teve de informar a secretária de estado Condoleezza Rice acerca de uma operação de extradição extrajudicial.
O ipsis verbis é confrangedor: "A sua preocupação principal não tinha a ver com o acerto ou erro da operação. O que lhe importava era o que o presidente poderia vir a pensar disso."
Acha, então, o ex-responsável da CIA que "isto não é a forma correcta de conduzir operações clandestinas".
Concisa conclusão de Drumheller que confessa, igualmente, ter chegado a pensar que a CIA tinha entregue o discurso errado a Collin Powell quando o então secretário de estado tentou convencer, em Fevereiro de 2003, o Conselho de Segurança da ONU da existência de armas de destruição maciça no Iraque, apesar das reticências dos serviços secretos norte-americanos sobre tais alegações.
As tiradas de Ségolène Royal
Que mais entre as coisas de nada?
Ségolène Royal continua a perder-se sem tento na língua cada vez que se pronuncia sobre questões internacionais. Ainda antes de ter sido nomeada candidata presidencial Royal dizia, a 6 de Novembro, que o Irão, estado signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, não tinha direito a desenvolver projectos nucleares civis. A 23 de Janeiro haveria de repetir a mesma inanidade e dois dias depois revelava em entrevista radiofónica desconhecer quantos submarinos equipados com mísseis nucleares intercontinentais constam do arsenal francês.
O mês já tinha, aliás, começado mal quando na sua primeira visita à China a candidata achou por bem louvar a rapidez da justiça chinesa. Dezembro não fora melhor com uma sucessão de declarações contraditórias acerca dos voos militares israelitas sobre o Líbano, a indiferença ante declarações de um deputado do Hizballah sobre o carácter nazi da política israelita e a afirmação de que a barreira de protecção/muro de separação erigida por Telavive na Cisjordânia se justificaria caso houvesse "um bom entendimento" entre árabes e judeus.
Ségolène voltaria a 22 deste mês a criar a confusão com o governo canadiano ao louvar "a soberania e a liberdade do Quebeque" para acabar enredada às mãos de um humorista numa tirada equívoca sobre a independência da Córsega.
Os sucessivos deslizes da candidata socialista não são meros sobressaltos de percurso malevolamente aproveitados pelos apoiantes de Nicolas Sarkozy. Acabam por revelar uma franca falta de preparação e ignorância dificilmente admissíveis numa candidata ao Eliseu.
Sunita, xiita? Who cares?!!
Por sinal, do outro lado do Atlântico, também abundam excentricidades perigosas. Silvestre Reyes, o novo presidente do comité da Câmara de Representantes que supervisiona os serviços de informação e espionagem dos Estados Unidos, revelou recentemente uma ignorância assombrosa em matéria de alto risco.
Este democrata do Texas está na Câmara de Representantes há dez anos e tem servido nos comités que controlam as forças armadas e os serviços de informação. Combateu no Vietname e como congressista fez parte de delegações em visita a países tão inóspitos quanto o Iraque e a Coreia do Norte. Seria de esperar encontrar aqui um homem sabedor. Pura ilusão!
Em entrevista a uma das revistas de referências de Washington, "Congressional Quarterly", Reyes afirmou que a Al Qaeda de Bin Laden é "provavelmente uma organização predominantemente xiita" O congressista não se saiu muito melhor quando lhe perguntaram o que pensava do movimento xiita libanês Hizballah. Também não sabia se eram sunitas ou xiitas. Lá confessou que é preciso fazer um esforço pois as questões são complexas, concedendo que pessoalmente tinha dificuldade em enquadrar as coisas.
Nessa entrevista de Dezembro, Reyes admitia, ainda, reforçar a título excepcional o contingente militar no Iraque com mais "vinte ou trinta mil homens" por um período que poderia ir de dois a seis meses. Este mês ainda antes de acompanhar Nancy Pelosi numa viagem ao Iraque, Paquistão e Afeganistão, já considera inviável o envio de mais tropas, afirmando que o êxito do esforço de guerra "depende do governo iraquiano e que os Estados Unidos devem responsabilizar o governo iraquiano pelas suas acções".
Silvestre Reyes não é caso único. Também o veterano e muito influente senador republicano Trent Lott depois de um encontro em Setembro com o presidente Bush já confessara não perceber porque é que xiitas e sunitas se andavam a matar uns aos outros. O senador republicano, outro devotado especialista em matérias militares e de segurança, admitiu mesmo que não conseguia distinguir xiitas e sunitas, parecia-lhe tudo a mesma gente. Pode, assim, imaginar-se o que terá sido a conversa na Casa Branca.
É o que temos: ao mais alto nível de responsabilidade grassa uma ignorância atroz e criminosa que costuma revelar-se em imensos pormenores e explica muito desvario político e estratégico.
Não é por acaso que ainda hoje se conta a história de um aristocrático diplomata da velha Europa que um dia confessou o maior dos segredos à sua herdeira: "a política, filha, é feita tantas vezes por gente tão ignorante que o melhor é guardarmos segredo disso".
Era o segredo que o aristocrata tinha para contar acerca dos meandros do poder no Ancien Régime, mas que actualmente já não é possível esconder.