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19 de Novembro de 2007 às 13:59

A Reforma do Quadro Regulatório das Comunicações

Em 13 de Novembro de 2007 foi finalmente divulgado pela Comissão Europeia, com a pompa dos grandes acontecimentos, o novo pacote europeu das comunicações electrónicas. Na sessão organizada para o efeito em Bruxelas, o Presidente Durão Barroso referiu que

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1. Em 13 de Novembro de 2007 foi finalmente divulgado pela Comissão Europeia, com a pompa dos grandes acontecimentos, o novo pacote europeu das comunicações electrónicas. Na sessão organizada para o efeito em Bruxelas, o Presidente Durão Barroso referiu que o “mercado único sem fronteiras dos operadores e consumidores europeus de telecomunicações deixa, a partir de hoje, de ser um mero sonho”.

O optimismo destas palavras, que é de saudar, dificilmente porém terá expressão prática nos anos mais próximos. Na verdade, o mercado europeu irá continuar a estar fragmentado em vinte e sete mercados nacionais. No entanto, é de reconhecer que este novo pacote vindo de Bruxelas – apesar de toda a controvérsia já gerada – revela ambição e voluntarismo e parece conter as bases para garantir o progressivo esbater das fronteiras e o fortalecimento da concorrência no sector.

Recorde-se que o processo de liberalização do mercado das telecomunicações leva já 20 anos. O seu início pode ser datado da publicação do Livro Verde de 1987, o primeiro instrumento em que a Comissão enuncia uma estratégia global tendente à liberalização do sector das telecomunicações como resposta aos desenvolvimentos que nesta área se registavam nos Estados Unidos e Japão. Desde então, a Europa trilhou um caminho sem precedentes com resultados extraordinários. Para Portugal, o saldo foi largamente positivo e muito embora o último ano tenha sido fértil na demonstração das fragilidades que o mercado ainda revela, podemos dizer que sem a pressão externa da Europa não teríamos certamente hoje em dia, enquanto cidadãos e consumidores, o leque variado de serviços de comunicações de qualidade de que dispomos.

2. As medidas agora adoptadas seguem esse trilho de duas décadas, aprofundando-o.

A título introdutório, de referir que o novo pacote é composto essencialmente por um conjunto de propostas de Directiva que vão ser sujeitas ao processo de co-decisão, envolvendo a intervenção do Parlamento Europeu e do Conselho de Ministros. Tal significa que os textos agora publicados (que serão objecto de uma primeira leitura no Conselho no final de Novembro) irão sofrer ainda alterações no âmbito do processo legislativo comunitário, cujo alcance não é possível determinar.

Por seu turno, embora a Comissão preveja que a sua transposição para o ordenamento dos Estados-membros ocorra até ao final de 2009, haverá certamente derrapagens (veja-se que em Portugal o último pacote de 2002 foi transposto com largos meses de atraso). Por isso, os seus efeitos práticos apenas começarão a fazer-se sentir dentro de sensivelmente três anos.

3. No entanto, haverá uma honrosa excepção na área da concorrência. Entre as medidas do pacote, consta uma proposta de recomendação da Comissão que esta conta adoptar de imediato. Essa proposta, que atribui poderes reforçados à Comissão, reduz para 7 os actuais 18 mercados (em Portugal 19) que são objecto de uma periódica análise por parte dos reguladores nacionais em ordem à aferição da existência de poder de mercado significativo (“PMS”) e à imposição de obrigações em matéria de acesso e interligação. Muito embora a proposta de recomendação ressalve as análises de mercado já concluídas e as medidas aí impostas, as análises que vierem a ocorrer futuramente ir-se-ão reger pela recomendação, isto é, terão por objecto, em princípio, um núcleo reduzido de 7 mercados, onde a Comissão entende não existir concorrência efectiva.

No entanto, em circunstâncias especiais, os reguladores nacionais podem, mesmo assim, aplicar medidas em matéria de acesso e interligação nos outros dez mercados que ficam de fora. Tais medidas ficam condicionadas ao preenchimento de três requisitos cumulativos – o chamado “teste dos três requisitos” – a saber, (i) a presença de barreiras estruturais à entrada de novos operadores, (ii) a existência de barreiras regulatórias à entrada e, bem assim, (iii) a insusceptibilidade do Direito da Concorrência resolver as falhas de mercado provocadas pelas barreiras indicadas em (i) e (ii).

Em suma, ainda que a tendência revelada por esta proposta de recomendação seja a de simplificar e diminuir o peso dos procedimentos de análise de mercados levados a cargo pelos reguladores, estes podem, mesmo assim, reverter ao sistema anterior se o mercado revelar problemas estruturais (e.g. custos afundados incomportáveis para novos operadores) e regulatórios (e.g. a prestação de serviços depender da atribuição de espectro), não sendo os mesmos susceptíveis de resolução através dos instrumentos jusconcorrenciais.

A este título, antecipa-se que o novo sistema introduzido pela aludida proposta irá agudizar em Portugal o problema das fronteiras entre a actuação do regulador sectorial (ANACOM) e da Autoridade da Concorrência. Irá também, nas áreas que deixem de estar sob a “jurisdição” do regulador sectorial, reforçar o âmbito de actuação e o poder da Autoridade da Concorrência, cujo interesse pelo mercado das comunicações é bem conhecido.

Enfim, resta ainda uma interrogação no que toca ao mercado móvel. Há mais de um ano que se aguarda uma decisão da ANACOM no âmbito da análise relativa ao mercado do acesso e originação em redes móveis (Mercado 15). Recorde-se que existem alguns indícios de que a ANACOM pretende impor obrigações aos três operadores GSM/UMTS em matéria de acesso, tendo em vista facilitar o aparecimento de operadores móveis virtuais (MVNOs), entre outros. Ora, o projecto de recomendação da Comissão “elimina” o Mercado 15, isto é, tal mercado não faz parte da lista de 7 que têm de ser objecto de uma análise. Isto significa que será mais difícil à ANACOM impor medidas neste mercado, embora não impossível.

4. Em matéria de espectro radioeléctrico, a Comissão adoptou uma comunicação em que espelha aquelas que considera serem as grandes linhas da sua actuação futura tendo em vista promover o investimento em novas infra-estruturas e garantir o acesso de todos os cidadãos à banda larga. O ênfase desta comunicação é colocado na necessidade de um bom aproveitamento do chamado “dividendo digital” que será criado quando até 2012 ocorrer a passagem da actual televisão analógica para a televisão digital terrestre, a qual, mercê da sua eficiência, requer muito menores quantidades de espectro.

A Comissão antecipa que o espectro remanescente (“dividendo digital”) possa, após 2012, vir a ser usado para múltiplos serviços, como a banda larga sem fios, outros serviços de canais digitais terrestres e a Mobile TV. No entanto, é fundamental que o mercado continue a ser auscultado sobre este assunto. De notar, também, que em Portugal (e depois de uma tentativa falhada) o procedimento relativo à televisão digital terrestre já está em marcha, sendo expectável a sua conclusão durante o primeiro trimestre de 2008.

5. No que toca à separação funcional, a Comissão propõe uma alteração à Directiva 2002/19/CE (Acesso) de modo a que sejam atribuídos os poderes necessários aos reguladores sectoriais em ordem a habilitá-los a impor aquela separação. Recorde-se que a separação funcional, na sua expressão mínima, consiste numa gestão autónoma dos negócios grossista (de rede) e retalhista de um operador, tendo como modelo a unidade de negócio Openreach do Grupo BT. Apesar da controvérsia gerada e de não ter colhido o entusiasmo unânime da Comissão, a separação funcional poderá, em princípio, vir a constar do leque dos poderes dos reguladores europeus e ser aplicada, se estes assim entenderem, aos operadores históricos.

6. Por seu turno, levantou enorme celeuma a criação de uma nova Autoridade Europeia do Mercado das Telecomunicações, contra a qual reagiram naturalmente muitos reguladores nacionais e a imprensa britânica. A Autoridade terá competências essencialmente nas áreas da coordenação da actividade regulatória nos Estados Membros (incluindo as análises de mercado acima referidas e as medidas impostas nesse âmbito), e da promoção de serviços transfonteiriços que usem o espectro radioeléctrico e recursos de numeração, entre outros.

7. Por último, de destacar a existência de uma série de propostas em matéria de protecção do consumidor, luta anti-spam, reforço da segurança das comunicações e reforço da independência dos reguladores, cuja análise será deixada para outra oportunidade.

Concluindo, dir-se-á que, apesar das medidas já enunciadas e que são de louvar, ainda será necessário continuar a sonhar com o mercado único das telecomunicações mais alguns (bons) anos.

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