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03 de Dezembro de 2007 às 13:59

Da Regulação Económica Independente e as Comunicações

As independent authorities tiveram, assim, em grande parte, na sua génese, a preocupação do Congresso retirar à esfera de acção do presidente americano que, em tese, corporizava uma intervenção “interessada” e com uma “agenda” eleitoralista, um conjunto d

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1. A regulação independente surgiu nos Estados Unidos há mais de um século, com o intuito de evitar as ingerências do executivo, dominado por preocupações essencialmente políticas, na regulação das actividades económicas.

As independent authorities tiveram, assim, em grande parte, na sua génese, a preocupação do Congresso retirar à esfera de acção do presidente americano que, em tese, corporizava uma intervenção “interessada” e com uma “agenda” eleitoralista, um conjunto de competências na área da regulação económica, as quais que confiaram a agências independentes. Foi, assim, a regulação independente o resultado de uma fricção entre o poder legislativo e o executivo, e uma engenhosa invenção do primeiro numa busca de equilíbrios que fascinaria Montesquieu.

Em Portugal, a génese é diversa e recente e, em certa medida, ainda não totalmente assimilada.

A regulação económica independente é ainda um conceito algo artificial no nosso país, refém por muitos anos de um modelo económico excessivamente dirigista, que atravessou parte significativa do século XX português.

Com efeito, a ideia de uma intervenção desapaixonada na economia, movida essencialmente por critérios técnicos, e tendo por objectivo garantir um mercado concorrencial, apenas muito recentemente começou “fazer escola” no nosso país.
 
Se hoje em dia os media se comovem com o anúncio de medidas dos reguladores e florescem os seminários e os debates acalorados nesta área e até prolifera honesta obra académica sobre o tema, é porque finalmente descansam em relativa paz nos livros de história económica o período de condicionamento industrial da nossa pré-democracia e o pós 11 de Março, com as suas nacionalizações e saneamentos.

Aos anos já volvidos desde estes períodos – cujos efeitos ainda poluem, em certa medida, o mercado – aliou-se o processo de progressiva liberalização da economia e de privatização do sector empresarial do Estado, que criaram o contexto necessário para o aparecimento da regulação económica independente. Neste contexto, é fundamental dar o devido destaque ao direito comunitário, que em virtude do (à época) ambicioso programa do Mercado Interno, introduziu em Portugal a progressiva liberalização do mercado e a sujeição às regras da concorrência das empresas a que eram concedidos direitos especiais ou exclusivos.

2. A reforma do Quadro Regulatório das Comunicações Electrónicas, recentemente divulgada pela Comissão Europeia, inclui, entre os seus objectivos primordiais, o reforço da independência das Autoridades Reguladoras Nacionais, ou ARN (em Portugal, o ICP-ANACOM).

No entanto, e em geral, as propostas adoptadas nesta área – e que adiante se enunciam sumariamente – não carecerão de ser adoptadas em Portugal. Em matéria de independência foi o legislador português particularmente generoso, tendo dotado o regulador das comunicações de um conjunto de garantias que não apenas o protegem da interferência do poder político como também lhe permitem evitar a sua “captura” pelas empresas por ele reguladas.

Entre as medidas propostas pela Comissão constam a alteração da chamada Directiva Quadro (2002/21/CE) em ordem a impor aos Estados-membros a obrigação de assegurarem que as respectivas ARN exercem os seus poderes com independência, imparcialidade e transparência, e que estas não aceitam instruções de terceiros quanto ao exercício das missões que lhes são confiadas por lei. Em paralelo, deve também ser garantido que as ARN sejam dotadas de recursos humanos e financeiros adequados, que lhes permitam o exercício das missões que lhes estão confiadas por lei.

Por ser turno, é também imposto aos Estados-membros garantir que os presidentes das Autoridades Independentes apenas possam ser demitidos caso deixem de cumprir os requisitos legais para o exercício do seu mandato ou em caso de falta grave por estes comprovadamente cometida.

Tudo isto já se encontra, hoje em dia, consagrado na lei portuguesa, nos estatutos ICP-ANACOM, o que não deve deixar de ser saudado.

Cabe, porém destacar, a título de excepção, uma novidade muito nórdica introduzida pela reforma. A Comissão pretende que a decisão de exoneração do presidente seja fundamentada, e que a mesma seja publicada no momento em que produz efeitos. Deste modo, passará a ser sujeita ao escrutínio da opinião pública a exoneração do presidente que, em Portugal, apenas poderá ser decidida por resolução do Conselho de Ministros.

A independência das ARN tem um contraponto na sua sujeição à lei e aos tribunais. A este título, a proposta da Comissão estabelece que deve ser garantido que os órgãos de controlo das decisões das ARN (que poderão ser tribunais) devem ter a experiência necessária para lhes permitir levar a cabo as suas funções, devendo ser assegurado que o mérito da causa é tido efectivamente em conta, de modo a que tal mecanismo de controlo seja eficaz.

Esta proposta suscita-nos algumas interrogações.

Com efeito, é de admitir que o controle jurisdicional de decisões muitas vezes complexas, repletas de análises técnicas/económicas e, não raro, com um grande grau de discricionariedade, limite em grande medida o âmbito da sua apreciação pelos tribunais. Vendo-se obrigados a assimilar matérias que não dominam necessariamente, poderão os tribunais ter dificuldade em apreciar a justeza das soluções consagradas, e tenderem a refugiar-se num controle meramente formal das decisões.

A este título, de referir que a Lei das Comunicações Electrónicas, Lei n.º5/2004, de 10 de Fevereiro, procura resolver este problema ao impor a “intervenção obrigatória de três peritos, designados por cada uma das Partes e o terceiro pelo tribunal, para apreciação do mérito da decisão”.

Esta solução será adoptada nos processos que corram os seus termos nos tribunais administrativos, competentes para o controle jurisdicional de medidas do ICP-ANACOM adoptadas fora de processos contra-ordenacionais.

Afigura-se-nos, no entanto, uma solução estranha e anómala em que é enxertada uma espécie de arbitragem num processo judicial. Ao invés, crê-se que teria sido preferível assegurar um investimento adequado na formação de um corpo de juizes, familiarizados com o quadro legal das comunicações e com a realidade do mercado e preparados para julgarem as decisões do regulador sectorial.

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