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Baptista Bastos - Cronista b.bastos@netcabo.pt 25 de Março de 2011 às 12:19

A questão do poder

A queda do Governo não é uma hecatombe: é, apenas, um percalço esperado.

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Mas alguns enigmas subsistem. Porque motivo José Sócrates decidiu não dizer ao dr. Cavaco, ao Parlamento, aos parceiros sociais e, talvez, até a alguns membros do Executivo, que ia a Berlim, apresentar um esboço do PEC? Desejava provocar um conflito institucional? Um medir de forças em horas de desespero? Um querer dizer quem manda aqui sou eu? A desculpa é coxa: fora assim porque se tratava de um mero problema de governação.

Todas as hipóteses estão em aberto. Um outro facto se ergue: Sócrates é muito querido pelos seus pares, e as quezílias e intrigas no seu partido são comuns a todos os outros. O problema do poder nada ter a ver com carácter ou com decência. Se a História é uma deusa cega, a política não é propriamente companheira da moral.

As cinco horas parlamentares que antecederam a saída de Sócrates foram uma maçadoria sem nome nem elevação. Nada foi dito que suscitasse um mínimo de atenção e de cuidado. Queriam despedir Sócrates de qualquer maneira. Isso foi feito. Seria isso que Sócrates preparou?

Outro episódio singular foi a escolha de Manuela Ferreira Leite para representar o PSD na hora do adeus. Pedro Passos Coelho quis exprimir um sinal de apaziguamento para aquela que o desprezara a tal ponto que o impedira de ser deputado? Ou a mansuetude habitual de Miguel Macedo não se adequava ao momento beligerante, e entendeu-se que seria mais curial a presença de um rottweiler? A designação de Manuela Ferreira Leite, por surpreendente, devido aos motivos apontados, não deixa de se sustentar numa certa lógica. Ela infunde receio; ela diz sempre: "Como eu avisei…"; ela é a chefe-de-fila de uma certa facção no PSD que execra Passos, e este, assim, talvez tivesse como objectivo neutralizá-la e, quem sabe?, dar-lhe "visibilidade" para novos voos.

Repensemos: o escancarar da crise foi, acaso, precipitada. Pedro Passos Coelho não faz estremecer de emoção os eventuais eleitores. Falta-lhe qualquer coisa de empolgante, além de que, até agora, nada disse de significativo que configure uma doutrina original, um programa de acção, um projecto iluminador. As sondagens expressam bem o sentimento que percorre o português médio. Depois, ele não pode fazer melhor e mais depressa do que praticou José Sócrates. E este, no seu partido, parece estar firme como cimento armado. Além de que as sondagens não lhe são totalmente desfavoráveis. Quem o poderá, casualmente, substituir? António José Seguro? Um moço velho, funesto e indolente. Francisco Assis? António Costa? Só para as calendas. Sócrates já ameaçou que vai recandidatar-se. E Sócrates é como Manuela Ferreira Leite: mete medo.

Fala-se em coligações. Paulo Portas, azougado, diz que está "disponível." Passos recomenda-lhe calma. Sabe muito bem, e têm-no ensinado, que percorre um terreno cheio de armadilhas e pejado de inimigos, que lhe não perdoam a demora em chegar ao poder. Estamos, pois, nós, portugueses atrapalhados, metidos numa camisa de onze varas. Até quando?

Na morte de Artur Agostinho
Estivera com ele, há pouco tempo, na homenagem que a RTP e o João Paulo Diniz lhe prestaram, por ocasião dos seus 90 anos. Éramos amigos e eu gostava muito do carácter jovial deste homem atento, cuidadoso e camarada. Nos dias imediatos ao 25 de Abril montaram-lhe uma infâmia, que cedo se espalhou como todas as infâmias. Coloquei-me a seu lado, e escrevi-lhe uma carta de apoio, incitando-o a defender-se com todas as forças de que dispusesse. Contaria sempre com minha amizade. E, num programa de Júlio Isidro (outro excelente profissional e homem de bem) declarei a minha indignação e a minha estima pelo caluniado. Alguns daqueles que o Artur Agostinho tinha protegido e ajudado, foram os primeiros a abandoná-lo. O costume. Alguns deles ouvi-os a prestar lacrimosas e hipócritas reverências. O costume. Tinha eu 18 anos quando, pel' "O Século" escrevi a reportagem da Volta a Portugal em bicicleta. Na véspera, regressara da Bélgica, onde fora narrar a Exposição de Bruxelas. Naqueles tempos era assim que se fazia. Vai ali, escreve rápido e bem e volta depressa. O rude ofício de repórter ensinava-nos a olhar e a amar as coisas e os homens. Eu, de bicicletas, só sabia andar nelas. O Artur Agostinho tomou o tira-picos sob a sua camaradagem protectora e orientou-me como se escrevia acerca do magno acontecimento. A Volta foi uma das maiores reportagens da minha vida. E o Artur Agostinho o meu ensinador inesquecível.


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