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A Oeste nada de novo

As notícias da cimeira europeia foram uma espécie de chá de hipericão para os nossos espíritos hipertensos. Teremos mais disciplina financeira, mais meios monetários, directos ou indirectos, e um esboço de ímpeto federal.

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Mas continuou a faltar Europa em matérias essenciais, a começar na esfera económica - em que se traduziu a vontade de combater a recessão e promover o crescimento na União? E, na financeira, onde ficaram as anunciadas medidas de higiene e harmonização fiscal? Em nada. O saldo, como nas medicinas alternativas, é chocho - ficámos obrigados a inscrever na lei um tecto para o défice orçamental e a aceitar sanções semi-automáticas em caso de incumprimento. Para todos? Não. A Ilha fica de fora.

A Europa ainda não se compenetrou de que padece de uma maleita grave – o declínio do seu poderio económico em detrimento de regiões do globo onde as condições de vida da população roçam a indigência quando comparadas com as do Velho Continente. É justo que chineses e indianos aspirem a um bem-estar que lhes escapou durante muitas décadas, mas que cumpram então regras semelhantes às nossas. Acontece que são as corporações ocidentais quem mais tira partido da discrepância de factores, a bem dos seus accionistas. A Europa que se dane. Se assim é, cumpriria à União levar por diante um projecto de revitalização do espaço europeu, elevando os seus padrões de qualidade e exigência em todos os domínios da actividade económica e social, promovendo o emprego, a iniciativa e o ambiente. Sobre estas questões, certamente menores para os espíritos liberais que governam a Europa, uma vez mais, zero.

Da anunciada harmonização e esterilização dos sistemas fiscais, duas vezes nada. Manteremos discrepâncias à razão de 1 para 3 na tributação das sociedades e a assobiar para o lado no que respeita aos paraísos fiscais. Entendo bem a revolta da Madeira quando vê, num ápice, fugir centenas de empresas que a sua Zona Franca tinha captado – gerando cerca de dois milhares de empregos e uns cem milhões de euros de receita fiscal por ano -, a bem daquela obsessão tonta pela postura exemplar, num país que não é exemplo de nada. A Holanda, a Áustria, a Suíça, a Irlanda, o Luxemburgo, Malta, Chipre, Mónaco, Jersey e Gibraltar (Reino Unido), Liechenstein e Andorra agradecem reconhecidamente.

Uma vez mais, a Europa eximiu-se de castigar as agências de notação, quando tinha uma oportunidade de oiro para tal. Há como que um sentimento conformista, masoquista até, em relação a estas entidades venais, incompetentes e opacas, que repetidamente fustigam a Europa e as suas perspectivas de recuperação económica. Bem sabemos que as Moody’s da vida não singraram sozinhas e muito menos por mérito próprio. Pelo contrário, são fruto da externalização das actividades tradicionais da banca, que assim viram uma forma de reduzirem custos e de avaliarem riscos com um simples clique de rato. Quando os scorings eram primordialmente assegurados por departamentos internos das instituições financeiras, as agências valiam pouco. Hoje dominam as agendas da política. Se assim é, bem poderia ter sido decidido que a gestão dos défices orçamentais e das punições por incumprimento ficasse a cargo da Standard & Poors, assessorada pela Goldman & Sachs. Sempre se poupavam uns cobres.

Para a cínica Albion, as decisões tomadas no Conselho Europeu são música celestial. Com uma economia doente e uma City viciada em ganhos especulativos, o Reino Unido quer projectar-se como uma espécie de Suiça atlântica, esterlinamente imune aos efeitos de um euro incerto. Beneficiando da liberdade de circulação de capitais na União Europeia e de um estatuto autonómico ad hoc para o que lhe convém, Cameron viu reconhecido de mão-beijada o lugar geométrico que os britânicos sempre julgaram merecer, o de cavaleiros impantes de um tabuleiro onde só as casas do ágio, das competições da UEFA e das férias balneares low cost interessam. Alguém terá de dizer, antes cedo que tarde, a estes bretões que o Velho Continente é capaz de sobreviver sem eles. Veremos como eles sobreviverão sem nós.


PS - Estou bem ciente de que, se um dia tivermos de aderir à zona dólar, conjuntamente com o Reino Unido, terei de engolir as palavras azedas que nesta coluna escrevi contra os nossos "aliados" anglo-saxões.
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