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26 de Janeiro de 2011 às 11:25

A ilusão da paz

A Fatah, de Mahmoud Abbas, e Israel estão enredados numa teia de ilusões sobre negociações de paz e a divulgação de documentos secretos pela Al Jazeera apenas veio confirmar a inviabilidade de qualquer acordo.

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Os documentos relativos a propostas palestinianas apresentadas ao longo da última década não contêm qualquer revelação significativa, mas embaraçam a Fatah ao contradizerem as posições públicas assumidas pela liderança da Autoridade Palestiniana acantonada na Cisjordânia.

Os líderes palestinianos não tomaram até agora iniciativas para preparar a sua opinião pública para eventuais concessões territoriais e sobre retorno de refugiados.

Tal como sucessivos governos israelitas, os negociadores palestinianos assumem que um acordo final, com apoio de Washington, seria apresentado como um documento não sujeito a discussão e meramente passível de ratificação por via parlamentar ou através de referendo.

A fuga de informações sobre propostas ou consensos pontuais acarreta necessariamente a mobilização de todos os opositores às inevitáveis cedências num acordo de paz e um avolumar das críticas à forma como são conduzidas as negociações.

Muitas cedências, imensa intransigência
Os documentos publicitados pela cadeia do Qatar e o diário londrino "The Guardian" foram obtidos com toda a probabilidade junto de antigos colaboradores da Unidade de Apoio às Negociações, criada em 1999 com juristas palestinianos formados no estrangeiro para assessorar juridicamente a Organização de Libertação da Palestina e o seu principal negociador, Saeb Erekat.

As concessões palestinianas referenciadas nos documentos fazem cair por terra as pretensões israelitas de que não conta com um parceiro negocial e demonstram que em 2008 e 2009 a Fatah se mostrou disposta a aceitar a maior parte dos colonatos judaicos em Jerusalém Oriental e a soberania israelita sobre os bairros judeu e parte do bairro arménio da Cidade Velha.

No final de Outubro de 2009, já depois da queda do governo de Ehud Olmert e do retorno ao poder em Março de Benjamin Netanyahu, o principal negociador palestiniano propõe mesmo a título particular aos mediadores norte-americanos a hipótese de uma comissão internacional supervisionar os lugares santos da Esplanada das Mesquitas/Monte do Templo, tal como admitiria a possibilidade de um estado palestiniano desmilitarizado.

Das actas e comunicações relativas às conversações fica também clara que o governo de Olmert aventou trocas territoriais que lhe permitissem manter os colonatos na Cisjordânia de Gush Etzion, Maale Adumin, Givat Zeev e Ariel, além de permutas de população, que acabarem por ser rejeitadas pela parte palestiniana.

Abbas e Erekat concederam, entretanto, no retorno simbólico de mais de 5 milhões de refugiados e seus descendentes das guerras de 1948 e 1967.

Os números avançados para um retorno simbólico, em regra entre 10 mil a 15 mil pessoas, referidos nestes documentos confirmam relatos avançados por outras fontes.

Relevantes são, no entanto, diversas declarações de Erekat rejeitando peremptoriamente que os refugiados palestinianos em estados árabes, designadamente no Líbano e na Jordânia, pudessem vir a participar num referendo sobre a ratificação de um eventual acordo de paz.

Para a liderança da Fatah, ainda antes de perder o controlo de Gaza para o Hamas, em 2007, qualquer hipótese de referendo seria limitada aos palestinianos da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Gaza.

Esta é, juntamente com as negociações sobre os lugares santos de Jerusalém/Al Quds, uma das questões mais controversas em que a retórica oficial da Fatah entra em completa contradição com a realidade das negociações diplomáticas.

A eventualidade de um estado palestiniano desmilitarizado foi de igual forma considerada por Erekat em contactos com os mediadores de Washington em 2009 numa fase em que o colapso negocial atingira um ponto de não retorno que as posteriores tentativas da Administração Obama não conseguiram desbloquear.

O Estado fantasma
Mais documentação irá nos próximos dias aportar novos dados quanto à conivência da Fatah com Israel no combate aos islamitas do Hamas, mas o essencial da controvérsia mostra claramente que, ante sucessivos governos israelitas que nunca abandonaram uma política expansionista na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, a estratégia de concessões esteve desde sempre condenada ao fracasso.

Habbas, cuja mandato presidencial terminou em Janeiro de 2009 e tem sido prorrogado entre grande disputa jurídica, está agora confinado a uma estratégia de alcance limitado.

O primeiro-ministro Salam Fayyad prossegue, por um lado, uma política de consolidação de estruturas administrativas e de promoção económica na Cisjordânia que até agora registou alguns êxitos, sobretudo na criação de emprego, mas dependente da ajuda internacional e do interesse securitário de Israel.

A nível diplomático, a Autoridade Palestiniana tenta obter um reconhecimento diplomático internacional no quadro das linhas de fronteira de 1967 que, mesmo redundando numa proclamação de independência, em nada alterará as realidades no terreno.
Para Israel, o "status quo" serve perfeitamente e a consolidação dos colonatos assume um carácter irreversível.

O efeito perverso
Enquanto as relações de força não se alterarem em Israel, não há possibilidade de retomar negociações e a crise de legitimidade da Autoridade Palestiniana, reduzida a um controlo limitado de 40% da Cisjordânia e confrontada com uma alternativa islamita em Gaza, inviabiliza conversações.

Por fim, quando nova ronda de crises e confrontos obrigar ao retomar de negociações, sobrará um efeito perverso da publicação da documentação palestiniana sobre uma década de conversações falhadas.

Todos os negociadores palestinianos terão de assumir que a parte israelita irá exigir como ponto de partida negocial as maiores cedências que a Fatah admitiu em vão ao longo da última década.


Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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