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A Ilha do Tesouro

Diz-se que são o berço da democracia e os autores do texto constitucional mais antigo, genuíno e singelo, a Magna Carta do Príncipe João.

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Diz-se que são o berço da democracia e os autores do texto constitucional mais antigo, genuíno e singelo, a Magna Carta do Príncipe João. Diz-se que os seus piratas eram os mais elegantes da história das conquistas marítimas. Diz-se que souberam replicar como ninguém as suas virtuosas instituições no Novo Mundo, através de eficazes limpezas étnicas (como Douglass North, prémio Nobel da Economia em 1993, friamente sustentou). Diz-se que nos salvaram de Napoleão (devemos agradecer-lhes?) e de Hitler. Diz-se que foram os progenitores da teoria económica, a partir das teses de Adam Smith e David Ricardo. Diz-se que são europeus. Em boa verdade, no que hoje ainda se distinguem é na finança. E de espírito europeu pouco mais se vislumbra do que a Ryder Cup, onde detêm o maior número de tacos.

David Cameron, o mais vulgar dos primeiros-ministros britânicos do pós-guerra, veio convenientemente lembrar-nos do verdadeiro "ethos" britânico - sentem-se anglo-saxões, convencidos da sua superioridade moral e institucional sobre os restantes povos e que é um favor que nos fazem o facto de pertencerem à União Europeia. "Eu sei que a senhora anda extremamente frustrada" - atirou recentemente o neo-berlusconiano Cameron, sem modos nem "fair-play", a uma deputada do seu próprio partido na Câmara dos Comuns. OK, David, cá estaremos para ver a vossa trajectória e para sermos solidários, tontos que somos, no dia em que se esgotarem os argumentos "triple-A" que a complacência das agências de "rating" e dos agentes especulativos sempre vos reservaram. Não fora a relevância histórica de Londres como capital das transacções financeiras, e o Reino Unido já teria conhecido um destino bem amargo.

Num percurso em tudo semelhante ao da maioria das economias periféricas, a produção industrial do Reino Unido caiu acentuadamente, em termos relativos, nos últimos 30 anos. Hoje, o sector secundário não representa mais de 14% do produto britânico, enquanto o peso do petróleo do mar do Norte - cuja descoberta não se ficou certamente a dever à proclamada superioridade das instituições e dos manuais de economia - se aproxima dos 8%. De verdadeiramente relevante, restam os sectores automóvel e aero-espacial, na sua maioria detidos por grupos económicos estrangeiros. O resultado desta desindustrialização tem-se traduzido em défices crónicos da balança de transacções correntes e numa progressiva degradação das contas públicas.

É na época Thatcher que o Reino Unido opta por libertar-se progressivamente da "ferrugem" e abraçar o ilusório conceito de "economia de serviços" (por que Cavaco Silva se deixou igualmente deslumbrar), tão caro aos ternos listados da "City". Hoje, o sector terciário representa 76% do PIB britânico (sem o "brent" do Mar do Norte ultrapassaria os 80%!), 40% dos quais provindos da banca e do sector financeiro. No espaço europeu, só o Luxemburgo apresenta rácios superiores. Em contraponto, a Suíça, tantas vezes referida como uma mera plataforma de jogos de intermediação e paraíso de contas bancárias, é somente o país do mundo com o maior PIB industrial "per capita".

Não espanta, pois, que perante um sistema financeiro global onde o valor diário das transacções cambiais é mais de 20 vezes (não, não é engano, são mesmo vinte vezes) superior à riqueza produzida no planeta e onde a praça londrina detém a parte de leão, a velha Albion se sinta ameaçada por ideias que possam por em perigo o (seu) sistema. Falar do regresso às taxas de câmbio fixas, à aplicação de uma taxa Tobin ou a outras medidas que tenham como propósito aliviar a economia europeia dos jogos perversos dos agentes financeiros e da sua lógica especulativa, é falar do diabo. David Cameron é um fraco primeiro-ministro, mas percebe o óbvio. Combater o euro e promover a virtude das "instituições" britânicas é o que lhe resta para manter o Reino Unido à tona. E a Europa à toa.




Economista; Professor do ISEG
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