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30 de Abril de 2008 às 13:59

A estratégia assustadora de McCain

Filho e neto de almirantes, piloto da Marinha, prisioneiro no Vietname, John McCain afirma “odiar a guerra” e estar disposto a promover a democracia através da “defesa das regras da sociedade internacional civilizada e da criação de novas instituições int

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A declaração consta do discurso pronunciado a 26 de Março, em Los Angeles, ante o World Affairs Council, e sustenta as teses do candidato republicano sobre a “liderança norte-americana” num mundo com múltiplos centros de poder democráticos, da Índia à União Europeia, e onde cresce a influência de estados como a Rússia e a China.

A explanação sistemática dos objectivos de política externa de McCain foi inicialmente ofuscada pela disputa entre os candidatos democráticos, mas à medida que tem vindo a aumentar a real possibilidade de uma vitória republicana na eleição presidencial de Novembro cresce também a perplexidade sobre o discernimento estratégico do senador do Arizona.

A liga McCain

McCain considera que o diálogo com os parceiros democráticos dos Estados Unidos obriga Washington a adoptar um comportamento de acordo com os valores constitucionais e, consequentemente, o repúdio pela “tortura ou tratamento desumano de suspeitos terroristas detidos”.

O fecho da prisão de Guantánamo e a negociação com estados aliados de “um novo entendimento internacional” sobre o estatuto de “detidos perigosos” é o corolário desta louvável posição de princípio.

Uma velha instituição internacional como as Nações Unidas não colhe, no entanto, referências de McCain que defende o reforço das “alianças globais” de Washington como “o núcleo de um novo pacto global – A Liga das Democracias”.

A Liga é definida por McCain como o conjunto de “mais de uma centena de nações democráticas” capazes de “promover os nossos valores e defender os nossos interesses comuns”.

Outra declaração de princípio de McCain acerca da participação norte-americana em negociações para estabelecer um sistema pós-Quioto, global e “economicamente responsável”, de controlo das emissões de gases com efeito de estufa é suficientemente genérica para permitir qualquer tipo de entendimento.

O acordo de comércio livre estabelecido em 1994 entre os Estados Unidos, Canadá e México é, por seu turno, apontado por McCain como exemplo a seguir para a prosperidade da América Central e do Sul e aqui o senador faz bem melhor figura do que os candidatos democráticos.

Cuba não foi referida na alocução de Los Angeles, mas o candidato afirmou noutras ocasiões considerar impossível alterar a actual “política de contenção” antes da realização na ilha de eleições livres e da libertação dos presos políticos.

Para McCain o bloqueio a Cuba é, aliás, um exemplo de estratégia política de sucesso porque permitiu eliminar a influência de Havana na América Latina e em África.

Transparência e respeito pela legalidade são, noutra frente, duas condições essenciais para o progresso dos estados africanos, segundo McCain que promete prosseguir o apoio de Washington no combate à SIDA e à erradicação da malária num continente onde o imprescindível auxílio externo privilegiará países amigos.

Contra russos e chineses

A estratégia global de McCain passa essencialmente pela ideia de excluir a Rússia do G8 que passaria a incorporar o Brasil e a Índia.

A par desta proposta o candidato republicano defende o alargamento da NATO a todos os estados democráticos contra os perigos de “uma Rússia revanchista”.

A China é, por sua vez, considerada “um desafio central” e por ser um estado não-democrático Washington terá de basear a sua relação com Pequim em “interesses partilhados pontuais”.

McCain exige um comportamento “mais responsável” por parte da China e que Pequim abandone tentativas de entendimentos regionais e acordos económicos para excluir os Estados Unidos da Ásia.

O défice comercial com Pequim e os investimentos chineses em títulos do tesouro dos Estados Unidos não mereceram particular atenção a McCain que ignorou, igualmente, qualquer perspectiva de reforma de instituições como o Banco Mundial ou FMI.

Apesar de excluir Moscovo e Pequim da sua Liga das Democracias e do G8, o senador, que se apresenta como “um idealista realista”, crê poder contar com a cooperação russa e chinesa para “deter e reverter a proliferação nuclear” e, até, reduzir os arsenais existentes.

Em Los Angeles McCain não sentiu necessidade de elaborar sobre as declarações sucessivas em que tem reservado para os Estados Unidos o direito de desenvolver novos sistemas anti-mísseis, incluindo a componente militar espacial, face à ameaça de estados-párias como a Coreia do Norte e de competidores estratégicos como a Rússia e a China.

Nem autocratas, nem realismo

O programa nuclear militar do Irão, apontado por McCain como um risco intolerável que poderá justificar um eventual ataque militar, será eliminado graças aos esforços da “comunidade internacional” na versão estratégica apresentada na Califórnia.

A “ameaça do terrorismo radical islamita”, tido como a mais perigosa pelo risco de implicar armas de destruição maciça, obriga, por sua vez, a uma “estratégia agressiva de confronto e eliminação onde quer que os terroristas tentem operar” McCain reconhece que, além do recurso à força militar, será imperativo ganhar o apoio da maioria moderada dos fiéis muçulmanos e criar “estruturas internacionais para uma paz durável”.

Para precisar a sua ideia, McCain afirma que a ordem e estabilidade no Grande Médio Oriente não serão asseguradas por “autocracias ultrapassadas”, como, por exemplo, a família real saudita, os generais paquistaneses ou os líderes do Egipto, ainda que admita como indesejável “actuar de forma precipitada ou exigir mudança imediata” para reformar tais regimes.

O candidato republicano ignorou o conflito israelo-palestiniano na alocução de Los Angeles, mas é conhecida a sua ambiguidade nesta questão de forma a manter em aberto todas as opções negociais, incluindo a possibilidade de propor concessões territoriais do estado judeu para avançar conversações de paz que excluam o Hamas.

No arco que vai do Médio Oriente ao Sudeste asiático, passando pela Ásia Central e o subcontinente indiano, McCain identifica como “pilares para a construção de uma paz segura” estados democráticos como a Turquia, Israel, a Índia e a Indonésia.

O Iraque e o Afeganistão surgem, entretanto, como elementos centrais para “o triunfo da tolerância religiosa”, implicando a prossecução de um esforço de guerra que tem por objectivo a criação de “estados democráticos pacíficos, estáveis e prósperos que não representem uma ameaça para os vizinhos e contribuam para a derrota dos terroristas”.

Incoerente e assustador

O roteiro de McCain é assustador na sua incoerência, total falta de realismo e subestimação de condicionantes económicas e financeiras. 

Mais do que uma mescla de velhos filões do realismo republicano em matéria de relações internacionais, partilhado por alguns conselheiros de McCain como Henry Kissinger ou Richard Armitage, o que se vislumbra nas intenções estratégicas do candidato é uma tónica intervencionista e de confronto marcada pela ideologia neoconservadora de William Kristol ou Robert Kagan.

John McCain, caso venha a ser eleito presidente, será submetido de imediato a tamanho duche frio de exigências e aflições que nem vislumbre de Liga das Democracias ou refundação do G8 se salvarão.

Ainda antes que Pequim ou Moscovo pressionem o eventual presidente republicano, a apreensão de aliados em Berlim, Tóquio ou Riade será tal que ou McCain arrepia caminho ou condenará os Estados Unidos a um intervencionismo voluntarista capaz das maiores desgraças.

É preocupante o estado de espírito que anima McCain na sua pretensão de reformar o mundo.

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