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Opinião
28 de Junho de 2005 às 13:59

A esperança, o medo e a crise

A crise é um facto concreto, grave, pode mesmo ter resultados trágicos na vida das pessoas. Mas também é uma bela desculpa. Serve, como tal, essencialmente, aos incompetentes e aos covardes.

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A edição de ontem do «Público» revela-nos, através de uma sondagem da Universidade Católica, o tamanho do pessimismo português actual (36 por cento acredita que no ano que vem as coisas estarão piores). É número que varia consoante as circunstâncias, mas cujas variações nunca chegaram a desmentir a constância do pessimismo que nos é atribuído, como um dado do carácter nacional.

André Comte-Sponville (o filósofo mais simples que já me foi dado a ler) escreveu um livrinho chamado «A Felicidade Desesperadamente» em que, depois de citar Woody Allen (»eu seria tão feliz se fosse feliz») diz que «estamos separados da felicidade pela própria esperança que a persegue» e que «só teremos felicidade na proporção da desesperança que seremos capazes de atravessar».

Estaremos, então, com o nosso famoso e atávico pessimismo, no caminho da sabedoria sponvilliana? Não. É em desesperança e não em pessimismo que nos fala o filósofo. O pessimismo é uma das formas possíveis da esperança - e não apenas porque a expressão de pessimismo muitas vezes revela, isso sim, a esperança quase supersticiosa de que os piores prognósticos deixem de se realizar cada vez que são enunciados, mas muito simplesmente porque esperar o pior também é esperar. E o que Sponville nos propõe é que não esperemos.

Tornamo-nos, então, monges budistas? Não necessariamente. Pessoalmente, não tenho nenhuma vocação para a vida monástica, e não deixo de ter algum receio de que, despido de esperança, me veja tomado de imobilismo. Mas a verdade é que o «seria tão feliz se fosse feliz» também é potencialmente imobilizador - tanto quanto o «para quê fazer se não vai dar certo mesmo?».

É de economia que estou a falar. A crise é grave e o imobilismo o seu pior efeito. Muito do que acontece (e do que deixa de acontecer) na economia depende da postura que os agentes económicos assumem na vida (é de filosofia que estou a falar) - e mais dependerá da postura assumida por aqueles de quem depende a vida económica de uma empresa ou de um país. Um gestor não tem direito à irresponsabilidade, à inconsequência, à candura dos idiotas, mas também não tem direito ao medo, à paralisia, ao pessimismo dos covardes. Que não espere! Eis o que de melhor se pode esperar de um gestor. Ou, pelo menos, que não se deixe conduzir pela esperança nem paralisar pela sua variante negativa - o pessimismo.

A crise é um facto concreto, grave, pode mesmo ter resultados trágicos na vida das pessoas. Mas também é uma bela desculpa. Serve, como tal, essencialmente, aos incompetentes e aos covardes - sendo estes últimos bastante mais perniciosos do que os primeiros (e, claro, não são duas características excludentes). Um dos passos fundamentais para se superar a crise é não fazermos nem permitirmos que façam dela a desculpa para todos os medos e preguiças e, para isso, às vezes, é preciso perspectivar menos, dedicarmo-nos a fazer o dia-a-dia como deve ser, sem medo nem esperança, ou melhor, sem medo porque sem esperança.

PS: Carros, rua!

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