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A economia é das loiras

North mais não faz do que exprimir o pensamento do americano branco comum. Para ele, o paradigma de economia aberta e eficiente no mundo latino-americano não é o Brasil, não é o Chile, não é o México, não é a Argentina. É a Cuba de Batista, fervilhante de

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Há dois domínios onde as loiras são imbatíveis – o cinema e a economia. Na sétima arte, o imaginário masculino glorificou-as. Na economia, os mercados tomaram-nas como best practices. Ai de quem se desviar das regras eficientes e sonsas das praças financeiras anglo-saxónicas!

A todo o suspeito de pactuar com heresias de tez morena, supostamente aventureiras e canhestras, está reservada a sorte das bruxas. Este anátema generalizou-se nos últimos vinte anos, ao ponto de toda a história da humanidade estar a ser revista à luz do protestantismo loiro de capa rigorosa e diáfana.

A mais recente entrevista do norte-americano Douglass North, prémio Nobel da Economia em 1993, à revista brasileira “Veja”, é reveladora da conta em que o pensamento estado-unidense nos tem, a nós e a todos os que tiveram o infortúnio de não nascerem loiros.

Curiosamente, o oportunismo merco-protestante encontra eco nas profundezas traumáticas das ex-colónias ibéricas. Do Brasil a Timor, das Filipinas à Argentina, a corrente revisionista conquista novos adeptos, carentes de símbolos setentrionais e de novos agentes de negócio, loiros e pragmáticos.

O raciocínio de Douglass North parte de duas premissas, ambas duvidosas. A primeira é que, ao longo da história, só os anglo-saxões souberam estabelecer mercados e instituições eficientes. A segunda é que o território dos Estados Unidos é o lugar, quase sobrenatural, onde a competência loira encontrou as melhores condições para se exprimir. O silogismo é óbvio – só os países que souberem copiar o modelo dos Estados Unidos terão sucesso.

O pretensiosismo de North chega ao ponto de dar como exemplo de bom funcionamento das “instituições” as regras dos tempos do faroeste, onde havia “leis sofisticadas que asseguravam a liberdade religiosa, o habeas-corpus e o direito à propriedade privada”. Suspeito que o homem nunca teve tempo para ver um western.

Atente-se na tese colonial do laureado North: “Os países da América Latina importaram o seu modelo de Portugal e da Espanha e por isso largaram em desvantagem. A Península Ibérica coleccionava instituições ineficientes, sem calibre nem maturidade para estimular o crescimento económico. Já os americanos foram fartamente influenciados pela Inglaterra e, sob a carga genética das instituições inglesas, tiveram como fonte um sistema bem mais moderno”. Seja. Mas se assim é, por que razão as coisas não deram certo na Índia? É aqui que Douglass North finalmente se revela: “Os Estados Unidos foram um caso de sucesso porque os ingleses conseguiram controlar a imensa população indígena local. Colocaram os índios em reservas com o objectivo de os isolar, além de terem dizimado uma parte deles. É feio? Claro. No entanto, é um capítulo da história dos Estados Unidos que ajuda a entender por que razão o ponto de partida dos americanos foi muito melhor do que o de outros países”.

Nunca se tinha ouvido a um prémio Nobel afirmações desta natureza. Foi o 11 de Setembro e a ascensão dos “neo-conservadores” que veio dar gás a perspectivas da história económica como a de North. Para que o homem possa manter a sua actividade intelectual fervilhante, aqui vão duas sugestões para futuros temas de investigação: a razão pela qual os fantásticos genes ingleses não conseguiram fazer do Reino Unido mais do que uma nação mediana no contexto europeu e, não menos aliciante, a prova da correlação entre eficiência económica (colonial ou neo-colonial) e grau de extermínio das populações nativas. Teríamos um sério candidato ao prémio Ignóbil.

Em boa verdade, North mais não faz do que exprimir o pensamento do americano branco comum. Para ele, o paradigma de economia aberta e eficiente no mundo latino-americano não é o Brasil, não é o Chile, não é o México, não é a Argentina. É a Cuba de Batista, fervilhante de negócios e de instituições “credíveis” sedeadas em Miami.

Face aos complexos coloniais do mundo lusófono, Douglass North tem todas as condições para realizar uma tournée de sucesso pelos Brasis e Áfricas. De regresso aos States, ainda poderia realizar mais um espectáculo em Lisboa subordinado ao tema “A influência determinante dos vikings nas boas práticas lusitanas”. À falta de Taça América, não seria um óptimo produto substituto? Economista e professor do ISEG

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