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A dolorosa transformação estrutural da China

As cidades vão ser um ingrediente fundamental no sucesso económico chinês de longo prazo. A urbanização deve começar a acelerar agora e prolongar-se durante os próximos 10-15 anos.

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Há mais de um ano que as manchetes dos jornais por todo mundo têm apontado para o abrandamento económico da China. Mas um olhar mais próximo para as dinâmicas das regiões chinesas mostra uma história diferente – uma que é menos sobre desaceleração e mais sobre uma mudança na marcha.

 

De acordo com o gabinete nacional de estatística da China, a província de Shanxi, rica em recursos, sofreu um abrandamento económico, mas as províncias do sudoeste, Chongqing e Guizhou, tiveram um crescimento vibrante. Hebei e outras três províncias do nordeste estão a sentir os efeitos da recessão, mas as economias fortemente industrializadas de Tianjin, Shandong e Jiangsu estão a crescer.

 

Depois da crise financeira de 2008, quando o abrandamento económico se tornou na "nova normalidade" para muitos países, a China começou a acelerar o seu equilíbrio económico através da mudança nos motores do crescimento, passando da produção para as exportações, dos bens e serviços para o consumo interno.

 

Esta transição tem implicações de grande alcance para as dinâmicas futuras da economia chinesa. Com a anterior estratégia exportadora, a principal prioridade do Governo era integrar a produção interna na cadeia produtiva mundial. Contudo, agora, o objectivo do Governo é ter uma economia que vá ao encontro da procura diversificada dos consumidores domésticos. Os sectores industriais que estão ligados de forma mais próxima a esta procura estão a registar uma expansão rápida.

 

Antes, as actividades económicas que estão agora a crescer não eram categorizadas como indústrias produtivas, mas sim como "serviços". Mas os serviços não existem no vazio. Todos os negócios precisam de produtos manufacturados, transportes, tecnologias de informação e comunicação, logística, imóveis, finanças, seguros entre outras coisas. Assim, a procura por novos serviços tem um efeito de círculo virtuoso em termos de investimento de capital em infraestruturas e equipamentos. Ao contrário do que diz o senso comum, o crescimento dos serviços na China para ir ao encontro da procura doméstica não significa o fim da produção e do investimento de capital, muito menos do crescimento económico.

 

O sector dos serviços está numa posição em que pode compensar em grande parte o crescimento perdido devido à menor produção dos ramos produtivos que estão orientados para as exportações. O sistema de transportes da China, as tecnologias de informação e comunicação, as finanças, os seguros, o imobiliário, a educação e o sector dos cuidados de saúde há muito que têm uma produtividade laboral baixa, o que significa que têm espaço para acelerar.

 

De acordo com um documento dos economistas Jong-Wha Lee e Warwick J. McKibbin, o crescimento da produtividade no sector dos serviços na Ásia "eventualmente vai beneficiar todos os sectores e contribuir para um crescimento sustentado e equilibrado das economias asiáticas". Analisando as tendências de desenvolvimento económico da Coreia do Sul, os autores descobriram que o valor médio acrescentado por trabalhador dos transportes, imobiliário e tecnologias de informação e comunicação é agora mais elevado do que o valor médio dos trabalhadores da indústria. Os autores apontam ainda que dinâmicas semelhantes têm lugar nos Estados Unidos, Japão e China.     

 

Estas conclusões sugerem que o rápido desenvolvimento da economia de serviços da China pode reverter a redução do crescimento, com origem externa, que se verifica desde 2008. Mas, como mostraram as transições de modelos de crescimento assentes nas exportações para modelos baseados na procura interna do Japão e da Coreia do Sul, as mudanças estruturais são um processo lento e doloroso.

 

A China está a meio desse processo e tem de ter cuidado para não enfraquecer as fontes de crescimento existentes ou cair numa armadilha estrutural em que os próprios custos da transição eliminem os novos ganhos. Não é um bom sinal que os elevados custos em muitas províncias chinesas tenham estado a sobrecarregar o crescimento global.

 

Isto sugere que mudanças fundamentais estão pela frente, apesar do potencial económico significativo dos consumidores chineses. Para começar, o desenvolvimento económico baseado na procura doméstica diversificada é mais complicado do que o desenvolvimento impulsionado pelas exportações porque estes novos sectores dependem mais de serviços financeiros sofisticados, um acesso ao mercado livre e equitativo, funcionários com um nível de educação mais elevado e um maior investimento em investigação e desenvolvimento.

 

Em resultado disso, os novos negócios que estão a surgir, fruto da mudança para um novo modelo de crescimento, estão a exigir muito mais do actual sistema de governação económica da China do que aquilo que este pode suportar. Mais reformas estruturais iriam fazer com que a solução para este problema ficasse mais próxima, mas iriam exigir também que os líderes chineses tomassem decisões políticas difíceis que não iriam agradar a todos.

 

Outro desafio é a baixa taxa de urbanização da China, que continua atrasada mesmo depois de 25 anos de crescimento assente nas exportações. Cada um dos principais componentes de uma economia de serviços a crescer – tecnologias de informação e comunicação, finanças, seguros, transportes e imobiliário – precisam de outros para prosperar, e as cidades estão a juntá-los – um fenómeno de externalidades em rede. Infelizmente, na China perdura o sistema que divide as regiões urbanas das regiões rurais e isto, em conjunto com um fraco planeamento, deu origem a comunidades metropolitanas fragmentadas e dispersas que não têm redes diversificadas que, de outra maneira, teriam ajudado a impulsionar a produtividade.

 

As cidades vão ser um ingrediente fundamental no sucesso económico chinês de longo prazo. A urbanização deve começar a acelerar agora e prolongar-se durante os próximos 10-15 anos graças à expansão das áreas metropolitanas orientadas para as necessidades de crescimento económico baseado nos serviços. Se a China conseguir colocar-se à altura deste desafio, vai estar bem posicionada para enfrentar os obstáculos que tem pelo caminho para ser considerada como um país de elevados rendimentos.

 

Zhang Jun é professor de Economia e director do Centro chinês para Estudos Económicos da Universidade de Fudan.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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