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A culpa é dos parafusos

Há um instituto que descura pontes comparadas a Lego e cujas fragilidades estruturais só se descobrem após a derrocada. E, no fim, o presidente pede desculpas e diz que os seus profissionais são competentes. E pronto. Palmadinha nas costas e o problema es

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O senhor Ribeiro dos Santos é um perfeito desconhecido para a esmagadora maioria das pessoas que lhe pagam o ordenado. É um gestor público de topo e preside ao organismo que tem a obrigação de construir, conservar e explorar toda a rede rodoviária que não foi concessionada a privados.

Portanto, é o senhor Ribeiro dos Santos que deveria dar uma resposta cabal à queda de uma ponte pedonal no IC-19, que liga Lisboa e Sintra. Tratando-se somente de uma das estradas mais congestionadas do país e da Europa, foi por pura sorte e felicidade que esta derrocada não teve consequências mais trágicas. No entanto, fez-nos recordar Entre-os-Rios, as promessas de então, as garantias que mais nenhuma ponte voltava a cair por desleixo humano.

O senhor Ribeiro dos Santos percebeu imediatamente a gravidade da situação e nomeou uma comissão de inquérito, para apurar as causas e identificar os responsáveis. A partir daqui, tudo fica surrealista. Uma história à portuguesa. Séria. Por isso, se alguém se rir só pode ser dos nervos.

Pois, em síntese, a comissão de inquérito diz o seguinte: não encontra uma explicação, muito menos responsáveis. Havia uns probleminhas: a estrutura de betão apresentava “defeitos de fabrico”; não havia conservação; os parafusos que ligavam a plataforma aos pilares tinham partido ou estavam corroídos. E um pequeno pormenor: todas estas deficiências de estrutura só podiam ser identificadas depois da ponte cair, porque havia uma argamassa em cima dos ditos parafusos.

A comissão era técnica, mas o seu porta-voz criativo. Comparou a ponte a um Lego e que a queda até pode ter sido desencadeada pelo bater das asas de uma borboleta.

Pois bem, e perante isto o que decidiu fazer o senhor Ribeiro dos Santos? Assumiu as responsabilidades do Instituto de Estradas de Portugal. E então?...então, nada. Nem isto é motivo para apresentar a demissão ao ministro. Nem o ministro considera que há razões para o demitir.

Isto, apesar de essa mesma ponte ter estado pouco tempo antes, na madrugada e manhã de domingo, encerrada para reparar “o desalinhamento das vigas” que suportavam a plataforma pedonal. Apesar de um fiscal do IEP ter ordenado a reabertura ao trânsito, garantindo as condições de segurança. Apesar destas obras terem sido realizadas “apenas” dois meses depois do embate de uma viatura que, de tão violento, provocou o tal “desalinhamento das vigas”. E isto, apesar de garantir que são feitas “inspecções periódicas e contínuas” às pontes pedonais, ter sido só agora que o IEP do senhor Ribeiro dos Santos ter iniciado um programa de fiscalização a mais de duas dezenas de passagens superiores idênticas.

Ou seja. O senhor Ribeiro dos Santos gere um instituto público que não conserva pontes descritas como peças de Lego. O senhor Ribeiro dos Santos preside uma estrutura que nem sequer sabe, ou pelo menos não alerta (qual das duas a mais grave), que há pontes cujas fragilidades estruturais só se descobrem após a derrocada. E, no fim disto, pede desculpas e diz que todos os seus profissionais são competentes.

E pronto. Palmadinha nas costas e o problema está resolvido. Ainda bem que é uma forma de estar nacional. Porque senão parecia mesmo que estavam a gozar da nossa cara.

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