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04 de Março de 2010 às 12:14

A Comissão Europeia e os automóveis - a sequela

Precisamente numa altura em que se discutem os elevados custos para o País da má produção legislativa, a Comissão Europeia volta a instar Portugal para alterar um dos seus diplomas legais. Se, após um longo esticar de corda entre...

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Precisamente numa altura em que se discutem os elevados custos para o País da má produção legislativa, a Comissão Europeia volta a instar Portugal para alterar um dos seus diplomas legais.

Se, após um longo esticar de corda entre Portugal e o organismo presidido por Durão Barroso, a proposta de Orçamento de Estado para 2010 promete finalmente acabar com a incidência do IVA sobre o Imposto Sobre Veículos ("ISV"), eis que agora a Comissão decide apontar baterias ao Imposto Único de Circulação ("IUC").

Ambos os diplomas foram introduzidos pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, que procedeu à reforma da tributação automóvel, substituindo quer o Imposto Automóvel, quer o Imposto Municipal sobre Veículos, pelo ISV e pelo IUC, respectivamente.

O Código do IUC passou assim a regular o pagamento do que até então era comummente conhecido como o "selo automóvel", importante fonte de receita para os municípios, estabelecendo critérios de tributação "verdes", ou seja, afectando as taxas aplicáveis aos níveis de emissão de CO2, o que, em muitos casos, aumentou a carga fiscal incidente sobre os veículos.

Ora, se relativamente à opção ambientalmente responsável a Comissão congratula Portugal, o mesmo já não acontece quanto ao critério de aplicação da nova lei, que entrou em vigor a 1 de Julho de 2007, aplicando os novos métodos de tributação apenas aos veículos matriculados em Portugal a partir dessa data, permanecendo os que tenham matrículas anteriores sujeitos a um regime de tributação semelhante ao predecessor que, em muitos casos, se revela menos oneroso.

Assim, entende a Comissão que a opção pela data da matrícula em território nacional pode gerar distorções na tributação, ao beneficiar a compra de automóveis usados portugueses, em detrimento de aquisição de veículos usados provenientes de outros Estados Membros.
A título de exemplo:
• Queremos hoje um carro de determinada marca, modelo e características, fabricado em 2005;
• Temos uma oferta de um stand português e outra de um stand alemão;
• A taxa de IUC aplicável, determinada com base nos novos critérios de tributação, é superior à taxa de IUC determinada com base nos critérios aplicáveis a matrículas anteriores a 2007;
• Ao comprar o carro ao stand português não lhe é atribuída nova matrícula, logo a tributação será à taxa mais favorável;
• Ao comprar ao stand alemão, terá de ser atribuída nova matrícula, logo a tributação será à taxa mais onerosa.

Presumindo que todas as outras variáveis de escolha são idênticas, optaríamos sempre pela oferta do stand português, i.e. em qualquer caso o stand alemão tem sempre de compensar (nas suas condições comerciais) esta penalização em IUC. Logo, fica numa posição concorrêncial desfavorável face ao stand nacional.

Esta circunstância, de acordo com a posição da Comissão, viola o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (antigo artigo 90.º do Tratado da Comunidade Europeia), onde é referido que "nenhum Estado-membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares".

O Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou, de resto, sobre cenários semelhantes, tendo condenado peremptoriamente o Estado prevaricador (a título de exemplo, veja-se o Acórdão Krawczynski de 17 de Julho de 2008, contra a Administração Fiscal polaca).

Assim, para além de ter de alterar o Código dos IUC, eliminando esta discriminação, o Estado português poderá ter de reembolsar contribuintes lesados por esta situação.

Em termos práticos, estaremos a falar de valores irrisórios quando isolados, mas que podem constituir, no seu todo, uma boa dor de cabeça para o Estado Português.

Resta saber quantos dos portugueses que compraram carros nos outros Estados Membros e pagaram mais imposto se darão ao trabalho de reclamar o imposto pago em excesso.

Por outro lado, olhando para o tempo que demora a ser seguida a instrução da Comissão relativamente ao IVA sobre o ISV, resta saber se quando o Código dos IUC for alterado ainda haverá carros anteriores a 2007 a serem importados para outro fim que não para exposição em museus.


Senior Tax Consultant





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