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28 de Julho de 2011 às 11:07

O valor acrescentado do terceiro sector

Nos dias que correm, não será irrealista considerar que uma prestação de serviços de caridade é alheia ao negócio de uma empresa e, como tal, tributável?

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A natureza universal de um imposto como o IVA gera por vezes manifestações espontâneas de indignação colectiva, quando é aplicado cegamente a realidades que parecem não merecer tributação. É o caso das chamadas telefónicas cujo custo reverte para causas sociais. Chamadas de (e com imposto sobre o) valor acrescentado.

Outro exemplo, divulgado na comunicação social há uns tempos atrás, é o da intenção (pelos vistos entretanto abandonada) de tributar as ofertas de refeições de alguns restaurantes a pessoas carenciadas.

Numa altura em que as instituições de solidariedade social, agentes do denominado Terceiro Sector, reivindicam alterações fiscais para tentar sobreviver em tempos conturbados, como por exemplo a possibilidade de reembolso do IVA suportado (à semelhança do que acontece em vários países da UE), os ecos de injustiça fiscal sobre os actos de caridade fazem-se já ouvir para além do círculo das IPSS.

No que respeita apenas ao IVA (injustiças envolvendo outros impostos ocupariam várias páginas), uma das injustiças que se verificam prende-se com o facto de, à semelhança das ofertas de bens, também as prestações de serviços gratuitas serem tributadas.
Efectivamente, o Código do IVA prevê como tributáveis as prestações de serviços realizadas para fins alheios às actividades da empresa.

No entanto, o legislador permitiu que determinados donativos de bens a entidades que os destinem a pessoas carenciadas sejam isentos de IVA sem prejuízo do direito à dedução. Esqueceram-se os serviços. O que, convenhamos, não faz qualquer sentido.

Se eu produzo bens posso ser solidário sem encargos fiscais, mas se prestar serviços (por exemplo, de restauração), serei tributado como se os tivesse a cobrar.

A tributação destas operações assenta na natureza de um imposto geral sobre o consumo, seja este oneroso ou gratuito. Para além disso, permitir que as operações gratuitas escapassem à tributação seria abrir a porta à fraude.

À semelhança do exemplo dos restaurantes, existem mais campanhas similares, envolvendo empresas e associações empresariais, cujos projectos podem estar comprometidos caso a lei não seja alterada… ou caso a interpretação que dela se faz não seja diferente. Menos técnica, mais sensata.

De facto, uma alteração legislativa que isente os serviços solidários sem comprometer o direito a deduzir é fundamental, mas enquanto não surge, a prática dos intérpretes deve ser socialmente consciente. Uma prática fiscal tecnocrata dificilmente cumprirá o fito de qualquer sistema fiscal: financiar o Estado para que este cumpra as funções a que se propõe.

Assim, nos dias que correm, em que conceitos como a sustentabilidade e responsabilidade sociais fazem parte da estratégia e ditam a imagem pública das grandes organizações, não será irrealista considerar que uma prestação de serviços de caridade é alheia ao negócio de uma empresa e como tal tributável?

Sem prejuízo do objectivo último da acção (auxiliar quem precisa), a publicidade positiva e os benefícios de mercado que daí resultam para quem participa neste tipo de acções, são vantagens que permitirão facturar mais no futuro e entregar mais IVA ao Estado.

Pelo menos enquanto o Programa de Governo não conhecer concretização legislativa no sentido de "garantir que a fiscalidade das Misericórdias e IPSS não se transforme num obstáculo intransponível à acção de instituições sem finalidade lucrativa", a interpretação mais consentânea com a realidade e menos autista socialmente terá de considerar que uma prestação de serviços de solidariedade social não é alheia à actividade de uma empresa e, assim, não é sujeita a IVA.

Concretizar esse objectivo não passa apenas por alterar o enquadramento fiscal dessas entidades, mas também por alterações legislativas que não onerem (antes incentivem) a actuação solidária de entidades privadas que com elas colaboram, fomentando a actuação meritória do Terceiro Sector.





TOME NOTA

1. O Código do IVA tributa serviços gratuitos. Os serviços que consubstanciem actos de caridade são, por definição, gratuitos, e são como tal tributados.
2. O Programa de Governo dá atenção a estas questões, prometendo garantir que a fiscalidade não será impedimento a acções solidárias. Mas, enquanto não há alterações legislativas, em última análise, o bom senso dos intérpretes da Lei deve imperar.
3. É essencial entender que o envolvimento social das empresas não é alheio aos seus objectivos de mercado. Se assim não for, seguindo o Código do IVA à letra, a solidariedade será sujeita a imposto.


* www.pwc.com/pt
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