Opinião
A caça mundial aos saldos
Poucas eleições recentes chamaram tanto a atenção mundial como as de 17 de Junho na Grécia. Agora que o partido de centro-direita Nova Democracia, que obteve o maior número de votos, formou uma coligação governamental com o partido de centro-esquerda Pasok e com a Esquerda Democrática, a principal questão para a administração do primeiro-ministro Antonis Samaras é se consegue implementar as medidas de austeridade acordadas com os parceiros da Zona Euro em troca da continuação do apoio por parte do Fundo Monetário Internacional e da União Europeia.
A situação continua perigosa – e não apenas para a Grécia. Espanha e Itália deparam-se com a amortização sucessiva das suas obrigações soberanas, mês após mês, como um tsunami imparável, o que garante uma agitação contínua na Europa e fora dela.
Atendendo à ameaça global colocada pelas crises da banca e da crise soberana na Europa, as medidas destinadas a reforçar o sistema bancário europeu e a incentivar uma integração orçamental ganharam alguma dinâmica na recente cimeira do G-20 em Los Cabos, México. A declaração final da cimeira estipulou que os países com significativos recursos financeiros estão preparados para dar um estímulo económico se o crescimento ficar debilitado.
Um resultado desta promessa é que os compromissos de reforço da capacidade de financiamento do FMI atingiram já os 456 mil milhões de dólares. Esses compromissos juntam-se aos 430 mil milhões de dólares de incremento do Fundo Monetário Internacional que foram anunciados em Abril, pelo que o FMI dispõe de arsenal financeiro suficiente para actuar em qualquer crise – isto se o dinheiro prometido na cimeira do G-20 for de facto entregue.
Os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que são todos membros do G-20, representam actualmente 43% da população mundial e 18% da sua economia. A sua parte de "responsabilidade internacional" foi revelada na recente cimeira: contribuições para o FMI de 43 mil milhões de dólares por parte da China, 10 mil milhões por parte do Brasil, Rússia e Índia e dois mil milhões por parte da África do Sul. O México, que foi o anfitrião da cimeira, também se comprometeu com 10 mil milhões de dólares.
Esta cooperação internacional renovada visa, é claro, proteger o sistema financeiro mundial. Mas contribuir com dinheiro significa também que se tem uma palavra a dizer, e os BRICS – o que não é de surpreender – insistem para que o FMI reformule o seu sistema de votação e propõem cada vez mais swaps de divisas aos países economicamente fragilizados.
No entanto, vários países estão também a endurecer as suas próprias posições, sem tomarem em consideração o impacto das suas acções sobre o sistema financeiro internacional. O mais activo desses países é, naturalmente, a China, que pode recorrer às suas imensas e crescentes reservas, no valor de 3,3 biliões de dólares, para defender os seus interesses em todas as regiões do planeta.
A título de exemplo, se bem que a China pouco tenha feito para melhorar o balanço do governo grego, a sua abordagem activa perante a crise chamou a atenção. O primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, visitou a Grécia em Outubro de 2010 e concordou em reforçar a cooperação entre a China e a Grécia, durante um encontro com o então primeiro-ministro George Papandreou – um apoio oportuno que o fragilizado governo grego gostou muito de receber.
Mas a forma do apoio chinês à Grécia deverá beneficiar muito mais a China do que a Grécia, no longo prazo. Com efeito, num editorial publicado a 15 de Junho, o "China Daily" descreveu a Grécia como uma "porta de entrada" da China na Europa. A China Ocean Shipping Company (COSCO) já conseguiu obter uma licença de exploração de 35 anos para operar no segundo cais do porto de Piraeus, um dos mais activos do mundo, por 3,5 mil milhões de dólares, e comprou um espaço de descarregamento de camiões, bem como um centro de empacotamento, nos arredores de Piraeus. A empresa manifestou também a intenção de adquirir 23% da Autoridade Portuária de Piraeus e prevê alugar, ou comprar, portos na ilha de Creta.
Além disso, apesar de a oferta da COSCO pelo Terminal de Contentores de Tessalónica ter esbarrado na oposição local, os investidores chineses estão em negociações com o governo grego para adquirirem uma participação durante 20 anos (2026-2046) no Aeroporto Internacional de Atenas, por 500 milhões de dólares.
Para a Grécia, que continua mergulhada numa crise orçamental e numa severa recessão, a China poderá parecer um cavaleiro branco, mas esta situação foi também uma oportunidade perfeita para a China "ir aos saldos" em todo o mundo. Por isso, em vez de recorrer às suas vastas reservas de moeda estrangeira para impulsionar o sistema internacional, a China está a comprar activos estratégicos baratos.
Consideremos o caso da Islândia, que foi bastante castigada na sequência do colapso do Lehman Brothers, em Setembro de 2008. Uma enorme embaixada da China foi construída em Reiquejavique, com vista a melhorar a percepção da China sobre desenvolvimentos futuros no Oceano Ártico. E as compras de terras por parte de empresas chinesas na Islândia foram de tal forma extensas que criaram alguma paranóia local, com alguns dos planos de investimento a serem bloqueados devido ao receio de que pudessem ser uma ponte para uma presença militar chinesa.
Durante quase uma década, muitos se questionaram sobre como é que a China utilizaria as suas vastas reservas de divisa externa, e especialmente se conseguiria desafiar a supremacia do dólar. Parece agora evidente que a China pretende usar as suas reservas de moeda estrangeira no reforço da sua própria estratégia geopolítica mundial, e não no reforço do sistema internacional que lhe permitiu viver uma expansão económica durante 30 anos.
À medida que os governos e populações de todo o mundo se vão apercebendo da influência que a China consegue comprar graças ao seu dinheiro, será inevitável uma reacção anti-chinesa? Ou alguns países ficaram tão assustados com a crise financeira que não se importam com a origem da próxima esmola? O tempo o dirá, mas o perigo de a desmedida ambição chinesa começar a estender-se às finanças mundiais está bem patente.
Yuriko Koike foi ministra nipónica da Defesa e conselheira de Segurança Nacional do Japão.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro
Atendendo à ameaça global colocada pelas crises da banca e da crise soberana na Europa, as medidas destinadas a reforçar o sistema bancário europeu e a incentivar uma integração orçamental ganharam alguma dinâmica na recente cimeira do G-20 em Los Cabos, México. A declaração final da cimeira estipulou que os países com significativos recursos financeiros estão preparados para dar um estímulo económico se o crescimento ficar debilitado.
Os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que são todos membros do G-20, representam actualmente 43% da população mundial e 18% da sua economia. A sua parte de "responsabilidade internacional" foi revelada na recente cimeira: contribuições para o FMI de 43 mil milhões de dólares por parte da China, 10 mil milhões por parte do Brasil, Rússia e Índia e dois mil milhões por parte da África do Sul. O México, que foi o anfitrião da cimeira, também se comprometeu com 10 mil milhões de dólares.
Esta cooperação internacional renovada visa, é claro, proteger o sistema financeiro mundial. Mas contribuir com dinheiro significa também que se tem uma palavra a dizer, e os BRICS – o que não é de surpreender – insistem para que o FMI reformule o seu sistema de votação e propõem cada vez mais swaps de divisas aos países economicamente fragilizados.
No entanto, vários países estão também a endurecer as suas próprias posições, sem tomarem em consideração o impacto das suas acções sobre o sistema financeiro internacional. O mais activo desses países é, naturalmente, a China, que pode recorrer às suas imensas e crescentes reservas, no valor de 3,3 biliões de dólares, para defender os seus interesses em todas as regiões do planeta.
A título de exemplo, se bem que a China pouco tenha feito para melhorar o balanço do governo grego, a sua abordagem activa perante a crise chamou a atenção. O primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, visitou a Grécia em Outubro de 2010 e concordou em reforçar a cooperação entre a China e a Grécia, durante um encontro com o então primeiro-ministro George Papandreou – um apoio oportuno que o fragilizado governo grego gostou muito de receber.
Mas a forma do apoio chinês à Grécia deverá beneficiar muito mais a China do que a Grécia, no longo prazo. Com efeito, num editorial publicado a 15 de Junho, o "China Daily" descreveu a Grécia como uma "porta de entrada" da China na Europa. A China Ocean Shipping Company (COSCO) já conseguiu obter uma licença de exploração de 35 anos para operar no segundo cais do porto de Piraeus, um dos mais activos do mundo, por 3,5 mil milhões de dólares, e comprou um espaço de descarregamento de camiões, bem como um centro de empacotamento, nos arredores de Piraeus. A empresa manifestou também a intenção de adquirir 23% da Autoridade Portuária de Piraeus e prevê alugar, ou comprar, portos na ilha de Creta.
Além disso, apesar de a oferta da COSCO pelo Terminal de Contentores de Tessalónica ter esbarrado na oposição local, os investidores chineses estão em negociações com o governo grego para adquirirem uma participação durante 20 anos (2026-2046) no Aeroporto Internacional de Atenas, por 500 milhões de dólares.
Para a Grécia, que continua mergulhada numa crise orçamental e numa severa recessão, a China poderá parecer um cavaleiro branco, mas esta situação foi também uma oportunidade perfeita para a China "ir aos saldos" em todo o mundo. Por isso, em vez de recorrer às suas vastas reservas de moeda estrangeira para impulsionar o sistema internacional, a China está a comprar activos estratégicos baratos.
Consideremos o caso da Islândia, que foi bastante castigada na sequência do colapso do Lehman Brothers, em Setembro de 2008. Uma enorme embaixada da China foi construída em Reiquejavique, com vista a melhorar a percepção da China sobre desenvolvimentos futuros no Oceano Ártico. E as compras de terras por parte de empresas chinesas na Islândia foram de tal forma extensas que criaram alguma paranóia local, com alguns dos planos de investimento a serem bloqueados devido ao receio de que pudessem ser uma ponte para uma presença militar chinesa.
Durante quase uma década, muitos se questionaram sobre como é que a China utilizaria as suas vastas reservas de divisa externa, e especialmente se conseguiria desafiar a supremacia do dólar. Parece agora evidente que a China pretende usar as suas reservas de moeda estrangeira no reforço da sua própria estratégia geopolítica mundial, e não no reforço do sistema internacional que lhe permitiu viver uma expansão económica durante 30 anos.
À medida que os governos e populações de todo o mundo se vão apercebendo da influência que a China consegue comprar graças ao seu dinheiro, será inevitável uma reacção anti-chinesa? Ou alguns países ficaram tão assustados com a crise financeira que não se importam com a origem da próxima esmola? O tempo o dirá, mas o perigo de a desmedida ambição chinesa começar a estender-se às finanças mundiais está bem patente.
Yuriko Koike foi ministra nipónica da Defesa e conselheira de Segurança Nacional do Japão.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro
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