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14 de Fevereiro de 2008 às 13:59

[242.] SIC Notícias, Ford Focus

Nesta crónica: dois anúncios centrados na música. Uma autopromoção da SIC Notícias, uma autopromoção aos seus frente-a-frente nocturnos, usa uma ária da ópera A Flauta Mágica, de Mozart e causa-me a mesma estranheza que a campanha do centauro do BANIF. Se

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O que revela a promoção? Numa mesa um homem canta Pa-pa-pa-gena e noutra mesa uma mulher canta Pa-pa pa-gena. Estão exaltados. Não cantam um para o outro. A cena pretende ilustrar o significado dos frente-a-frente diários na SIC entre políticos supostamente de cores contrárias (esquerda versus direita): confronto, debate, exaltação. Transmite uma visão menorizada e mesquinha dos políticos que a própria SICN escolheu para debates. Estes políticos são pa-pa-pagaios que nos fazem rir quando discutem.

E o que revela a ária da ópera de Mozart? Ela aparece quase no final da Flauta Mágica. As duas personagens de fantasia, Papageno e Paganena manifestam finalmente o amor que sentem um pelo outro. Fica a promessa de que formarão família e haverá papagenozinhos para encher a casa. A cena é simultaneamente cómica e terna. Quando gaguejam a dizer o nome um do outro, ele e ela revelam musicalmente a emoção da declaração de amor. No anúncio da SICN acontece exactamente o contrário. Visualmente, os dois protagonistas nem sequer cantam um para o outro e o objectivo subjacente é cantarem ou gritarem mais alto do que o outro, mas dizendo ambos a mesma coisa. Parece que se zangam, mas no fundo são iguais.

Essa é a percepção que milhões de portugueses têm dos políticos. Mas não é a da SICN, que mantém estes debates há anos. Ou será que a SIC os considera uma fantochada, dado que os opositores apenas se pa-pa-pagueiam?  Os criadores da promoção usaram apenas a superfície da ária de Mozart sem cuidarem do seu conteúdo. No fundo, é um desprezo pela própria criação cultural que lhes permite autopromoverem-se. Lamentável.

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A campanha do novo Ford Focus inspira-se directamente na obra criativa de Nam June Paik (1932-2006) Global Groover, de 1973. Este autor, um dos primeiros a explorar artisticamente o vídeo e a televisão, mostrava nesta peça ‘televisiva’ um recital de dois músicos: um violoncelista e ao lado, uma instrumentista que tocava uma espécie de violoncelo em que a caixa de ressonância era formada por três televisores. A cena era absurda e visava a perplexidade do observador. No fundo, simulando ser um programa de televisão, a cena mostrava a televisão a olhar para si mesma e a ver-se a si mesma. A ‘música’ da televisão era a própria televisão.

Nos anúncios da Focus, os ‘músicos’ tocam em instrumentos formados por partes do automóvel. A variedade de formas e tamanho das peças dum carro permitiu facilmente transformar algumas delas em instrumentos de sopro, de cordas, de percussão. Uma legenda diz que a música é tocada em peças de automóvel. Não sabemos se é verdade, talvez seja, mas o contexto publicitário permite-nos admitir a hipótese contrária.  A campanha faz mais sentido quando vista na televisão, dado que é preciso ver os instrumentos e ouvir a música, aliás, agradável. Os anúncios de imprensa completam a impressão causada pela versão audiovisual.

Os anúncios dizem: ‘harmonia perfeita’. O Ford Focus é música: para os ouvidos mas também para os olhos dos observadores. Tal como na instalação vídeo de Nam June Paik, não é o instrumento musical que dá música, é o próprio media – neste caso a campanha do Ford Focus – que se apresenta como tal, associada à harmonia. Daí o recurso à agradável música de instrumentos automóveis. Os anúncios pretendem que o observador dê o passo seguinte: que sejam eles a tocar esta música, comprando o Focus.

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