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O puzzle da responsabilidade das pessoas coletivas

As pessoas coletivas [empresas] são responsabilizadas quando os crimes sejam cometidos em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança.

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A lei prevê exceções para a regra que estabelece que, em regra, só as pessoas singulares são suscetíveis de responsabilidade criminal. Fá-lo no n.º 2 do artigo 11.º do Código Penal, responsabilizando as pessoas coletivas (com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público) para determinados tipos de crimes aí taxativamente enunciados e fá-lo também em legislação penal avulsa ("nos casos especialmente previstos na lei"), quando, no domínio do direito contraordenacional, classifica como crimes determinadas condutas levadas a cabo por estas entidades.

Assim, as pessoas coletivas são responsabilizadas quando os crimes sejam cometidos em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; e por quem aja sob autoridade das pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que a estas incumbem.

A questão passa, em primeira linha, pela verificação cumulativa, nas duas hipóteses, dos pressupostos enumerados (apenas) na primeira situação - agir em nome e no interesse da pessoa coletiva. Depois, em fazer o recorte de quem ocupa uma posição de liderança na organização.

Apesar de a lei definir no n.º 4 do mesmo artigo quem tem posição de liderança (os órgãos e agentes e quem na pessoa coletiva tiver autoridade para exercer o controlo da sua atividade), a volatilidade na prática do preenchimento do conceito, de acordo com a prova que se faça dessa qualidade nos processos judiciais abertos por eventual responsabilidade da pessoa coletiva, bem como da prova que se faça, também, da atuação do agente, em representação da pessoa coletiva e, simultaneamente, visando um benefício para aquela, poderá conduzir a isentar quem, enquanto suspeito, estaria à boca cheia condenado… e a condenar quem, aparentemente, não seria responsável por ter cometido o facto ilícito.

Um puzzle que nem sempre é fácil de compor ou desfazer… ou em que nem sempre é evidente a imputação. É que a responsabilidade das pessoas coletivas não exclui a responsabilidade individual dos seus agentes, mas também não depende da responsabilização destes: pode ocorrer "tout court".

Há, contudo, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 11.º, uma possibilidade de, não obstante o ilícito se ter verificado, não haver responsabilidade da pessoa coletiva e bem assim dos seus órgãos ou representantes: quando o agente tiver atuado contra ordens ou instruções expressas da pessoa coletiva ou de quem de direito.

Urge, por isso ter bem presente que um bom programa de compliance, enquanto código de conduta, adequado e construído à medida de cada organização, das suas características de negócio, necessidades e singularidades, pode isentá-la quando, penal ou contraordenacionalmente, se pretendem assacar responsabilidades também a quem a governa.

Os tribunais portugueses têm sido sensíveis à demonstração da aplicação dentro da organização de um programa de compliance por parte das pessoas coletivas e seus administradores quando chamados a pronunciar-se nos processos judiciais em que são visados.

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