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16 de Junho de 2021 às 09:40

“Mais, mas diferente” ou o repensar da economia

“Mais, mas diferente” significa reorganizar a nossa economia, inovar e investir em novas tecnologias, promover a ciência e o empreendedorismo, estabelecer políticas e redes que reduzam a exclusão social e, ao fazer tudo isto, impulsionar o crescimento económico, a criação de riqueza e a sua ampla distribuição.

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Referindo-se ao problema do aquecimento global, o primeiro-ministro belga, Alexander de Croo, apontava, há poucos dias, um caminho: “A pandemia demonstrou que vamos vencer o vírus concentrando-nos num objetivo comum, cooperando e permitindo às pessoas a liberdade de inovar. Superaremos a ameaça do aquecimento global da mesma forma.” E desenvolvia depois uma ideia interessante de que, fundamentalmente, nós, os humanos, não fomos feitos para lidar com comportamentos constrangedores, antinaturais. E exemplificava, explicando que o confinamento se tornou, na segunda e terceira vagas, insustentável porque vivermos fechados é contra a nossa própria natureza.

E tem razão. A privação pela privação é negativa e na prática acaba por não ser sustentável. Por essa razão, algo tão simples como fazer dieta pode ser tantas vezes árduo e insustentável. Ou temos um projeto, uma causa, um motivo suficientemente forte que o justifique ou dificilmente sustentamos uma situação de privação.

A corroborar isto mesmo, também se nota como a primeira vaga foi diferente. A motivação, individual e coletiva, era clara e forte. O que inicialmente abrandou o contágio não foi a aplicação forçada de regras, mas a nossa sociabilidade: o reconhecimento coletivo de que cada esforço individual importava e a nossa vontade de proteger os outros, mantendo a nossa distância.

De acordo com o mesmo raciocínio – e regresso aos comentários do primeiro-ministro belga –, “pensar resolver o problema das emissões somente à base de medidas coercivas, como deixar de viajar, pode não ser sustentável”. É verdade que somos capazes de traçar estratégias e de nos mobilizarmos para deixar um mundo melhor para os nossos filhos. Mas também é verdade que somos seres sociais: fomos feitos para estar com outros, temos curiosidade em relação a outros povos, cidades e culturas, temos necessidade de sentir o nosso conhecimento crescer.

As soluções em relação aos inúmeros problemas ecológicos e sociais necessitam, assim, de estratégias não baseadas em atitudes de “menos” disto ou daquilo, mas em “mais, mas diferente”. Este debate, interessante, porém sobretudo relevante, leva-nos inclusivamente ao repensar dos próprios modelos económicos e a apreender, para além dos modelos e gráficos, a complexidade das diferentes realidades sociais e económicas. Recordo-me, por exemplo, de dois recentes modelos económicos – a Economia Doughnut, de Kate Raworth e o pensamento de Mariana Mazzucato – abordados este ano nas conferências organizadas pelo Agrupamento de Alumni da AESE, aparentemente contraditórios e que espelham esta dialética.

A Economia Doughnut define-se como um referencial para uma ecologia sustentável. Coloca dois limites: um limiar básico de bem-estar social que deve ser garantido e que integra indicadores como nutrição, saneamento básico, pobreza ou acesso a água potável e um tecto ecológico ao nível planetário que não deve ser ultrapassado e que inclui, entre outros, indicadores climáticos, biodiversidade e recursos naturais. Entre o limiar básico social e o tecto ecológico existe um espaço seguro e justo para a Humanidade, onde se projeta o futuro sustentável. Porém, pelo menos teoricamente, coloca limites ao crescimento económico e nega que este seja a condição primordial para melhorar a qualidade de vida das populações, como o defendem alguns economistas.

Já Mariana Mazzucato acredita no crescimento económico, baseado na inovação e liderado pelo Estado, congregando o setor privado em torno de grandes missões por ele estabelecidas com o objetivo de responder aos grandes desafios da humanidade. Ancora o seu modelo no investimento público, subvertendo a concorrência privada dizem outros, no sentido de fomentar um crescimento económico mais inclusivo e sustentável.

Subjacente a estas duas opiniões sobre se o crescimento económico deve ser promovido ou limitado, ou qual o papel do Estado nas iniciativas económicas, está a preocupação e o cuidado com as situações de pobreza, por um lado, ou de exploração abusiva dos recursos ambientais, por outro. E isso é naturalmente de louvar. O aquecimento global é um facto: nos últimos 50 anos, a temperatura média no Pinhão, subiu 1,5º, com medidas diárias na quinta do Bonfim. O agravamento da exclusão e desigualdade social é, infelizmente, também um facto.

Ambas esquecem, porém, no que se refere ao problema da exclusão social, que este não se reduz a um problema económico, não é apenas dependente do crescimento económico e muito menos pode ser medido apenas pelo PIB per capita. Mais ainda, a relação é biunívoca, ou seja, se o crescimento económico pode agudizar a desigualdade social, esta pode travar o crescimento económico.

A solução para atacar as desigualdades sociais, no presente e no futuro próximo em que se avizinham transformações radicais nos negócios e no tecido empresarial, envolve alterações profundas, desde logo na rede de segurança social e nos instrumentos de solidariedade social, mas também na reforma e revalorização das instituições protagonistas na criação e partilha de valor como sejam o Estado, as empresas, as instituições sociais e a própria família.

“Mais, mas diferente” significa reorganizar a nossa economia, inovar e investir em novas tecnologias, promover a ciência e o empreendedorismo, estabelecer políticas e redes que reduzam a exclusão social e, ao fazer tudo isto, impulsionar o crescimento económico, a criação de riqueza e a sua ampla distribuição.

O debate vai continuar, não terminou nem terminará. Um bom momento para o continuar será já no próximo dia 25 na Assembleia de Alumni da AESE. Estão todos convidados!

 

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