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COP28 e o défice de financiamento

É certo que o mercado de financiamento sustentável, quer por capital próprio quer por dívida, aumentou significativamente nos últimos anos.

O produto final da conferência das Nações Unidas sobre o clima deste ano (COP28), um acordo segundo o qual o mundo precisa de deixar de utilizar combustíveis fósseis, não foi perfeito, mas ainda assim pode ser considerado como positivo. Em vez de se limitar a pedir aos países que aceitem novos objetivos, mais genéricos, optou por centrar a atenção em medidas claras e específicas de atuação, a saber: triplicar a capacidade de produção de energia renovável a nível mundial até 2030, duplicar a taxa média anual global de melhoria da eficiência energética até 2030, acelerar o desmantelamento progressivo de todas as centrais elétricas alimentadas a carvão e o abandono dos combustíveis fósseis (é a primeira vez que se assume um compromisso deste tipo).

Talvez a maior omissão seja a ausência de medidas efetivas e a identificação de como é que todo o investimento a realizar no processo de transição climática será financiado.

A inexistência de promessas firmes de apoio financeiro por parte dos países ricos aos países mais pobres, poderá limitar o alcance dos objetivos estabelecidos de abandono dos combustíveis fósseis, até meados do século. De acordo com estimativas da ONU, as nações em desenvolvimento precisarão de, pelo menos, 6 biliões de dólares em financiamento até 2030 para atingir este objetivo.

Adicionalmente, os acordos paralelos da COP28 para triplicar a energia renovável e a capacidade nuclear, aumentar a eficiência e reduzir as emissões provenientes da refrigeração foram promissores. Mas, mais uma vez, todos estes esforços exigirão elevados montantes de financiamento - pelo menos 200 biliões de dólares até 2050, segundo algumas estimativas.

Tudo isto se agrava quando sabemos que precisamos de tratar com igual urgência os outros desafios globais. As alterações climáticas são apenas um dos nove limites ambientais (outros são, e.g., integridade da biosfera e acidificação dos oceanos) onde a atividade humana pode causar danos irreversíveis ao sistema terrestre. Para além disso, temos de promover a qualidade de vida, colocando as pessoas no centro da tomada de decisões e de dar resposta às necessidades humanas fundamentais. E ainda, endereçar desafios associados ao governo societário. A Comissão das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento estima, num estudo de 2023, um défice de financiamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de 4,3 biliões de dólares por ano até 2030.

Neste contexto, o apoio do sistema financeiro na orientação dos fundos para o desenvolvimento sustentável torna-se crucial. É certo que o mercado de financiamento sustentável, quer por capital próprio quer por dívida, aumentou significativamente nos últimos anos. Contudo, o mercado de ações sustentáveis representa apenas 5,9% do mercado global em 2022. Já o mercado de dívida representa apenas 8,8% para obrigações sustentáveis (obrigações verdes, sociais e ligadas a objetivos ESG) e 13,9% para empréstimos bancários sustentáveis (empréstimos verdes e ligados a objetivos ESG).

Neste contexto, muito ainda tem de ser feito. Para além da necessidade de potenciar o apoio a projetos de sustentabilidade e regeneração através de instrumentos tradicionais, como os anteriormente referidos, o papel de operações de financiamento estruturado, como "project finance" para apoio a projetos de transição climática de larga escala, ou da titularização de ativos que permita aos bancos uma mais eficiente gestão dos seus riscos, será muito relevante. Adicionalmente, é fundamental atrair fundos de capital de risco e que os governos estejam dispostos a conceder financiamento (ou garantias) com a rapidez e a escala necessárias para acompanharem o setor privado. E é aqui que o "blended finance", sendo ou não em regime de "project finance", o qual envolve a utilização de fundos públicos, tais como subsídios, empréstimos através de bancos de desenvolvimento, ou garantias para mitigar os riscos associados ao investimento privado em países ou setores de atividades com níveis de risco mais elevados, pode desempenhar um papel crítico. Tal encorajará fundos de investimento e investidores privados em geral a alocar capital a projetos com impacto positivo no ambiente e na sociedade, enquanto ajuda a reduzir falhas de mercado que, tipicamente, afastam o investimento privado.
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