Opinião
Convite de Trump aos CEO: invistam nos EUA!
O que está a acontecer na América, com estas e outras medidas de Trump é a criação de um modelo de capitalismo selvagem subserviente ao poder político, em que as empresas podem atuar sem regras, e sem revelar os seus donos, subornando autoridades e enganando consumidores, desde que paguem ao Presidente para garantir que contam com as suas boas graças, dado que a justiça e a legalidade dos contratos deixaram de ser respeitados.
O Presidente Trump quer que as empresas e os CEO invistam mais nos Estados Unidos para fazer a América Grande Outra Vez (MAGA)! Aliás, o propósito principal das tarifas de que tanto gosta não é apenas gerar receita nem extrair concessões aos parceiros comerciais, mas, principalmente, obrigar os líderes empresariais a produzir diretamente nos Estados Unidos para acederem sem restrições ao mercado americano. Ele parece até disposto a sofrer algum impacto inflacionário no curto prazo para alterar a lógica do modelo capitalista global em favor dos Estados Unidos, promovendo um processo de reindustrialização. Devem os CEO e líderes empresariais ouvir este apelo e alterar investimentos em favor da América? Sim, se quiserem operar num ambiente económico selvagem onde não há regras e as empresas são subservientes ao poder político.
Como as coisas mudam. Na China, os empresários que se tornam demasiado poderosos e fazem algum comentário político dissonante, desaparecem sem deixar rasto durante meses e depois, ou são condenados por corrupção e perdem as suas empresas, ou aparecem reabilitados e a afirmar a bondade do Governo chinês. Vimos também com um misto de incredulidade e diversão quando, na Arábia Saudita, a oligarquia real do país foi fechada num hotel de 5 estrelas durante semanas até cederem "voluntariamente" parte da sua fortuna e empresas ao Estado, sujeitando-se assim à autoridade do príncipe herdeiro. Na Rússia de Putin também são usados hotéis de 5 estrelas para amansar os empresários que se desviam das orientações do Kremlin, mas aí os empresários têm a intrigante tendência de se "suicidar" das varandas do 25.º andar.
No mundo ocidental obviamente isto não acontece. A iniciativa privada é livre, mas regulamentada. O Estado é uma pessoa de bem que estabelece contratos com as empresas (de concessão, de compra de serviços, de incentivos fiscais ou empresariais). Esses contratos são cumpridos mesmo que mude o Governo, estando os tribunais disponíveis e isentos para avaliar incumprimentos das regras estabelecidas. A corrupção é vigiada e prevenida por leis de transparência e investigada quando acontece. Os direitos dos consumidores são defendidos e o abuso de posição dominante pelas empresas é vigiado pelos reguladores, sendo comportamentos concertados de oligopólio proibidos por lei. A competição quer-se saudável com criação de valor para todos. Bem-vindo ao capitalismo de mercado regulado num Estado de Direito, a forma mais justa e sustentável de organizar a economia de um país e o modelo seguido em todos os países ocidentais.
Todos? Não, pois temos agora a exceção dos EUA. No caos do início da Administração Trump, um conjunto de medidas está a transformar o ambiente de negócios nos Estados Unidos, constituindo um enorme retrocesso civilizacional. Vejamos:
- No dia 10 de fevereiro, a Administração americana declarou que não iria supervisionar nem fiscalizar transgressões a uma lei de 1977 que tornou ilegal o suborno de entidades e pessoas estrangeiras por parte das empresas americanas que fazem negócios nesses países. Assim, a partir de agora, subornar pessoas é aceitável, pois irá trazer mais negócio para as empresas americanas.
- No dia 3 de março a Administração americana declarou não ser obrigatório o reporte do beneficiário ou dono efetivo das empresas americanas. Empresas estrangeiras continuarão a ter de fazer essa declaração. Isso quer dizer que se vai deixar de saber quem são os reais donos das empresas sediadas na América, o que dá oportunidade a todo o tipo de fuga fiscal, corrupção, empresas fictícias, e interesses duvidosos.
- O departamento de justiça já não é independente. Pelo contrário, é agora um agente dos interesses políticos da Administração Trump. Por exemplo, em fevereiro, o mayor de Nova Iorque teve uma investigação de corrupção sobre ele suspensa em troca de favores políticos, implementando a agenda da Administração Trump. Daí até se começar investigações espúrias sobre qualquer pessoa contrária a Trump será um pequeno passo, sendo, aliás, demonstrado o pedido que Trump fez a Zelensky em 2019 de aprofundar uma investigação ao filho de Biden na Ucrânia em troca da continuação da ajuda americana. A honrosa recusa de Zelensky a esse suborno político é uma das razões da animosidade de Trump contra Zelensky.
- O Estado americano já não é uma pessoa de bem que cumpre acordos e contratos. Por exemplo, o mês passado, dezenas de milhares de contratos já assinados pela USAID com organizações humanitárias americanas e estrangeiras, em muitos casos com serviços já prestados, foram suspensos de forma ilegal pela Administração Trump. Os tribunais já declararam que serviços já prestados no valor de 2 biliões de dólares teriam de ser pagos e o Supremo Tribunal validou essa decisão judicial, mas a Administração Trump até agora não a cumpriu. Ironicamente, o debate está a ser quem manda mais – se o poder executivo ou o judicial, em vez de ser uma questão de bom senso e cumprimento da lei – contratos assinados e serviços entregues devem ser honrados.
- Para além da USAID, as outras agências americanas em desmantelamento são a Agência de Proteção ao Consumidor, bem como a Inspeção-Geral do Estado, que tem como objetivo monitorizar a corrupção e a legitimidade de atuação das outras Agências do Governo.
O que está a acontecer na América, com estas e outras medidas de Trump é a criação de um modelo de capitalismo selvagem subserviente ao poder político, em que as empresas podem atuar sem regras, e sem revelar os seus donos, subornando autoridades e enganando consumidores, desde que paguem ao Presidente para garantir que contam com as suas boas graças, dado que a justiça e a legalidade dos contratos deixaram de ser respeitados. É que, na América de Trump, também já se começaram a utilizar os hotéis de 5 estrelas para controlar os empresários, mais precisamente um hotel em Mar-o-Lago. Aí, os empresários foram convidados a jantar com Trump, em troca de uma contribuição de 1 M $, ou 5 M $ se quiserem um "tête-à-tête".
Aos CEO, se querem operar num mundo destes, então aceitem o convite de Trump e invistam na América. Mas eu faço um convite alternativo – invistam na Europa e não na América. É certo que há burocracia e os licenciamentos são lentos. Mas vive-se num estado de direito com separação entre o poder político e económico. Os contratos públicos existem para ser cumpridos, mesmo quando muda o governo. A justiça é lenta, mas funciona. Existe um estado social e um setor da economia social e solidária que protege as pessoas. A liderança responsável e sustentável é recompensada e as empresas operam para gerar prosperidade para todos. Um contexto onde o sucesso empresarial se obtém com esforço e mérito, não com subornos.
E faço também um convite aos americanos – façam algo para inverter isto, antes que seja tarde demais.