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Na economia, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma?

Um humanista, um homem abastado dedicado ao bem público, bem como investidor e fiscalista, casado com uma mulher com um importante contributo profissional, notável à época. Lavoisier não resistiu, porém, à força da guilhotina. Tudo se transforma.

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Quando saíram os números do segundo trimestre, deu-se o surpreendente fenómeno de haver manifestações de surpresa quando se confirmou aquilo que já sabíamos. Tivemos um período de confinamento da economia, muito profundo, entre março e junho, com um aligeiramento desde então. Na verdade, se uma parte significativa da atividade económica parou – uma série de transações que teriam tido lugar ficaram sem efeito –, a contabilização do produto resulta num número menor. Foram aqueles meses em que os Estados, como nas guerras, assumiram a liderança das economias, dando apoios a empresas e a trabalhadores, quais ventiladores económicos. O produto português ficou, no final de junho de 2020, cerca de 9% abaixo do seu valor de fecho de 2019. E veio o acordo europeu para financiar este período de suspense.

O hiato temporal em que diversos setores de atividade estiveram em “cuidados intensivos” poderia ter sido seguido de um rápido regresso ao “velho normal”, caso a origem do problema tivesse sido eliminada. Infelizmente, mantém-se a incerteza no combate ao coronavírus, em particular quanto à sua duração. Esta incerteza, aliada ao receio de contágio que possa gerar, num curto espaço de tempo, novos surtos com dimensão suficiente para sobrecarregarem os sistemas de saúde, faz com que muitas pessoas se refugiem e se coíbam de consumir certos bens e serviços, reduzindo a procura; e a oferta logo se ressente, com empresas que dispensam pessoal e que fecham portas.

O setor do turismo, que depende crucialmente da mobilidade, e que representava em 2019 um valor próximo dos 15% do PIB em Portugal, é um exemplo claro de um setor que viu a sua atividade fortemente atingida e, mais ainda, com as restrições que alguns países impuseram a quem viajasse vindo de Portugal. Quem, como eu, esteve no Algarve a passar uns belíssimos dias em agosto, terá notado menos confusão do que em anos anteriores, mas também não viu praias ou restaurantes propriamente desertos. Existem, ainda, relatos e dados que confirmam a atratividade do interior como destino turístico neste verão. Todos – à escala planetária – nos estamos ainda a adaptar a esta nova forma de viver. O setor do turismo, que enfrenta uma crise inesperada após um período de grande expansão, ressente-se agora da sua estrutura atomizada – são poucos os grupos económicos com dimensão, liquidez e reservas para enfrentarem autonomamente esta crise. Este é um tema a ser repensado, tal como a qualidade e segurança da oferta turística.

Curiosamente, a par de economias desenvolvidas com recessões nunca vistas em tão curto intervalo de tempo, deparamo-nos com bolsas em alta, essencialmente graças ao desempenho acionista das grandes empresas tecnológicas: como se se tratassem de países e Estados em si mesmas, alheias à outra economia, agigantando-se e, em vários casos, aprofundando assimetrias de rendimentos. Vamos ver por quanto tempo. Continuarão a crescer em bolsa se a restante economia não acompanhar? E que farão Estados e reguladores a este respeito?

Na análise habitual das nossas economias, tendemos a centrar as atenções nos dados que são fluxos, que têm a ver com transações – de certa forma, as “demonstrações de resultados” das economias/países. Tendemos a desconsiderar a contabilização daquilo que temos (somos), ou seja, dos nossos recursos, que vão desde os financeiros, aos humanos e aos naturais. Não temos a prática de apresentarmos um balanço das economias. Sabemos quanto vale hoje este rio? Aquela vida?

Esta questão tem estado, há muitos anos, na base da discussão de determinados impactos ou avaliação de externalidades, e tem constituído variável-chave para as discussões sobre a redução das emissões de carbono e sobre a economia circular. Discussão que hoje, e também por efeito da pandemia, tem sido aprofundada, particularmente quanto ao setor dos transportes.

No fundo, é sempre com os recursos que existem (nós próprios o somos) que fazemos tudo aquilo que fazemos, que nos organizamos, que transacionamos, que criamos coisas novas e destruímos outras. Alocamos, produzimos, consumimos, redistribuímos. Este inovar dos economistas é capaz de não passar do “tudo se transforma” de Lavoisier. Na economia, como “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Mas quando contabilizamos em euros ou dólares ou yuans, a “massa” não é sempre a mesma... Este químico notável do século XVIII merece a minha admiração: pela simplicidade sagaz da sua “Lei”, pela descoberta do papel do oxigénio na combustão, pela identificação e atribuição do nome hidrogénio à substância química mais abundante no universo, que, aliás, produziu para as suas experiências – não podia ser mais atual! E pela abrangência de conhecimento: químico, botânico, astrónomo, matemático, formado em Direito. Que exemplo de “life long learning”! Para além disso, um humanista, um homem abastado dedicado ao bem público, bem como investidor e fiscalista, casado com uma mulher com um importante contributo profissional, notável à época. Lavoisier não resistiu, porém, à força da guilhotina. Tudo se transforma.

P.S. – Após escrever a crónica, verifiquei que se dá a coincidência incrível de, hoje, 26 de agosto, se celebrar o aniversário de Lavoisier. Longa vida à sua memória!

 

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