Opinião
Guerras portuguesas na Europa
É verdade que os falhanços da supervisão bancária não aconteceram só por cá. E que também não foi só na Europa que os responsáveis continuaram em funções bem relevantes nos diferentes sistemas financeiros.
1. Abriu-se uma guerra entre Durão Barroso e Vítor Constâncio depois da entrevista dada, na passada semana, pelo Presidente da Comissão Europeia. Curiosamente, trata-se de uma guerra entre dois destacados dirigentes, portugueses, de organismos cimeiros da União Europeia: o segundo é Vice-Governador do Banco Central Europeu e o primeiro exerce as referidas funções de liderança no órgão executivo. Só que o conflito estalou por questões relacionadas com factos respeitantes ao tempo em que ambos tinham também altos cargos, mas em Portugal. Um era primeiro-ministro e o outro Governador do Banco de Portugal.
O motivo valerá a pena? Em minha opinião, sim. Um dos dois está equivocado, mas merece a pena ser esclarecido. Durão Barroso diz que "chamou" Vítor Constâncio 3 vezes sobre o caso BPN e a veracidade dessa afirmação é negada pelo ex-Governador.
2. A questão de fundo é a da supervisão bancária e da sua eficácia naquela época (e não só). Só que, apesar de o BPN ser o caso mais complexo, a vários níveis, outro existia que, ainda recentemente, foi falado por causa de prescrições: exatamente o do BCP.
Jorge Jardim Gonçalves saiu em 2005 e o que se seguiu foi também muito complicado, em vários planos. Não estou a comparar com o BPN, mas é público que são vários os processos judiciais, e outros, que foram originados por aquilo que foi apurado quanto à situação do Millenium BCP.
Eu, enquanto primeiro-ministro, recebi o Governador do Banco de Portugal e, numa das vezes, quis saber do fundamento das indicações que me iam chegando sobre o estado daquela instituição financeira. As informações que tinha e o que me foi respondido pelo Governador do Banco de Portugal também não faziam antecipar, nem pouco mais ou menos, o que veio a acontecer.
Devo dizer que tomei muitas notas de todas as reuniões com entidades terceiras. Não vou aqui entrar em pormenores sobre o número de vezes que falei com o então Governador do Banco de Portugal. Mas sei - repito - que ele não tinha uma ideia nem aproximada do que depois se veio a saber.
3. Outra questão é a de saber se devia ter. Uma carta assinada por cinco ex-altos responsáveis do Banco de Portugal diz que não era possível. Artur Santos Silva, Rui Vilar, Miguel Beleza, Teodora Cardoso e José Silva Lopes vêm em defesa de Vítor Constâncio e garantem que ele era até muito atento a essas matérias de fiscalização e auditoria. Ora, se era, e se aconteceu tudo o que se sabe, então o ponto é mesmo esse: a supervisão bancária nunca pode detetar, com antecedência, situações tão graves como as que se vieram a descobrir, como se pode estar descansado em relação ao futuro e ao modo de evitar novas situações equivalentes às que tantos prejuízos causaram?
O Mecanismo de Resolução Bancária, recentemente deliberado, representa um avanço muito significativo no sentido de garantir que não serão mais os contribuintes a suportar os custos de desequilíbrios insolventes de instituições financeiras. Quand même...
4. É verdade que os falhanços da supervisão bancária não aconteceram só por cá. E que também não foi só na Europa que os responsáveis continuaram em funções bem relevantes nos diferentes sistemas financeiros. Pois, esse é também o ponto. Será que as coisas mudaram verdadeiramente? Ou será que, ao longo destes anos pós-subprime têm sido encontradas novas fórmulas institucionais de soluções tímidas para dossiês mais ou menos tóxicos?
O mini-manifesto em defesa de Constâncio é um sinal dos laços mais ou menos compreensíveis entre senhores de um tempo e de um templo. Como é típico em Portugal.
5. Eu não escrevo como membro de qualquer corporação de ex-primeiros-ministros. Mas afirmo, com segurança, que Durão Barroso costuma ser prudente. Fazer agora esta declaração em final de mandato é, pelo menos, insólito. Não sei se está certo mas, em matéria de seriedade intelectual e de rigor compreenderão que eu faça declaração do preconceito que tenho em relação a Vítor Constâncio: quem fez "a patranha" do deficit de 6,83% para 2005 leva-me a ter fortíssimas reservas quanto à sua (...) memória.
Advogado
Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.