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Em casa onde não sabemos o que é o pão

Num cenário de crise onde tanto se ralha por não haver pão na mesa, talvez nos pudéssemos perguntar afinal, de que é feito o pão que comemos, para não termos de continuar a ter de engolir o que o diabo amassou

Historicamente, a escrita é uma coisa recente e seu uso generalizado uma novidade do ponto de vista da evolução das sociedades. Há poucos séculos atrás nem sequer havia imprensa e muito menos algo que pudéssemos apelidar de media. As gravuras de Foz Côa são uma forma arcaica de manual de instruções para o desenvolvimento socio-económico ao explicarem como proceder a uma gestão de recursos e à maximização de proveitos de acordo com a curva da sua disponibilidade, as runas vikings na Nova Inglaterra são uma espécie de contratos de arrendamento de propriedade imobiliária, para não falar dos mosaicos romanos representativos da emergência da "res publica" enquanto factor limitativo dos direitos e liberdades de uso da terra e dos valores nela existentes.

 

Mas em todos estes episódios da humanidade, passando pelo "negócio" da ilha de Manhattan à cunhagem dos sestércios que simbolizavam o "salarium", houve algo que esteve sempre presente na nossa mente: nada mais existe além do que a terra nos dá. Ou seja, a noção de limite, quer físico, tecnológico, cultural ou ético é algo que modera o uso de um determinado recurso natural ou cria estímulo suficiente para empreender um "tour" de force contra outro grupo de humanos que se intitulem proprietários dessa coisa pública tornada privada.

 

Mas é aqui que a coisa fica complicada, a noção de que tudo pode ter um título de propriedade associado e direitos exclusivos. Quando falamos de carapaus ou metros de pano a coisa é relativamente simples, são bens exclusivos e rivais e tem um valor de mercado. Agora o vento, as correntes marinhas e as abelhas silvestres? O acesso aos mesmos é não exclusivo e não rival e não tem um valor directo de mercado. Faz sentido estarem sobre direito de uso privado, terem uma apropriação exclusiva para benefício restrito? Faz sentido não haver noção de limite à sua utilização ou perturbação? É aqui que a economia começa a deslizar no sentido da simplificação racionalista e perde a perspectiva da complexidade ecológica e da percepção de utilidade.

 

A incapacidade dos actuais modelos económicos com que regemos os bens e serviços públicos impede uma perspectiva de utilidade de ‘banda larga’, a valoração das externalidades negativas (ex. poluição difusa) ou positivas (ex. bem-estar) e falha ao nível da regulação dos mercados, onde um bem vale essencialmente pelo seu valor monetário restrito e possibilidade de ser vendido e comprado e onde a sua depleção na origem distorce quase sempre o cálculo de preço no sentido oposto à conservação dos limites ao uso desse bem. Enquanto não considerarmos a ecologia nos fundamentos da economia e gestão, por exemplo, ao nível da importância que a sustentabilidade, ambiente e conservação de recursos naturais devem ter nas escolas de negócios vamos ter excelentes técnicos a governar a casa (eco-casa, nomos-gerir), mas que não tem ideia do valor do que existe nessa mesma casa (eco, logos-conhecimento).

 

Num cenário de crise onde tanto se ralha por não haver pão na mesa, talvez nos pudéssemos perguntar afinal, de que é feito o pão que comemos, para não termos de continuar a ter de engolir o que o diabo amassou.

Docente e investigador do ISG Business & Economics School

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