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Nicolau do Vale Pais 02 de Outubro de 2015 às 09:57

Violência doméstica, mortes nas estradas e praxe: questões de deveres, não de direitos.

Ninguém tem o direito de arrogar saber as consequências de um comportamento quando não é dele vítima; os que o fazem são os chamados "canalhas".


Violência doméstica
Penamaior, concelho de Paços de Ferreira: Maria José tinha sido avaliada como vítima de baixo risco, por erro, ou por negligência; não sabemos, e, quando soubermos, já será tarde demais. Maria José morreu no passado domingo, agredida, amarrada, silenciada com uma meia de vidro na boca, carbonizada na casa a que o marido deitou fogo. Foram os vizinhos que acudiram, testemunhando impotentes o final negro de uma vida circunscrita a um casamento violento. O seu marido, o homicida de 60 anos, foi descoberto 24 horas depois, deambulando pela rua, ainda ensimesmado no ciúme que tinha do próprio pai, o acamado de 80 anos a quem Maria José dava apoio, apoio esse que se constituía na única forma de emprego remunerada que conseguiu encontrar. Segundo a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta - morreram às mãos de parceiros ou familiares próximos, 40 mulheres portuguesas; deixaram 122 crianças órfãs.

As mortes nas estradas
Morreram em Portugal 480 pessoas nas estradas em 2014. É certo que evoluímos muito nos últimos vinte anos; mas também é certo que o facto de haver menos mortos (e feridos ligeiros), mas mais acidentes e feridos graves, não deixa de nos pôr a pensar se muita desta melhoria não está simplesmente na melhoria das infra-estruturas e dos próprios carros, ao invés dos comportamentos dos condutores. Se a este raciocínio adicionarmos o facto de que os mortos contabilizados são apenas aqueles condutores ou passageiros, que tiveram morte imediata no sinistro ou a caminho do Hospital, podemos facilmente conceber o número como sendo maior. Mas - com todo o respeito - não é isso que interessa. O que conta é que qualquer morte é demais; para mal já basta o inevitável e tudo o mais que não conseguimos controlar. Não é o caso, se houver vontade e consciência. De assinalar, também, as fatalidades envolvendo peões, que são, em si, um exemplo acabado da ridícula primazia do automóvel sobre a nossa qualidade de vida. Sim, segurança é qualidade de vida.

A praxe
Desculpem se aqui incluo esta aparentemente menos gravosa situação; é que ela só é mesmo "aparentemente" menos grave. Toda a gente a quer tratar como algo discutível; a praxe não é discutível, como uma violação não é discutível, como a violência não é discutível. Não me venham com a conversa da integração, porque em primeiro lugar - e acima de tudo - está o facto de que quem trata assim pessoas, não merece qualquer responsabilidade sobre elas; esse direito paternalista auto-consagrado é pura masturbação. Depois das mortes do Meco, foi a vez de andarmos perto de nova tragédia na semana passada - e vamos continuar, é essa a natureza da violência, a condução à tragédia.

A meio deste mês, uma jovem foi enterrada na areia de uma praia Algarvia e, depois de imobilizada apenas com a cabeça de fora, forçada a beber. Como se não bastasse a cobardia insane da matilha, a jovem foi depois encaminhada para o mar. Alguns dos impotentes "heróis" foram vistos no local a gritar "bebe, besta" durante o ritual. Local esse que abandonaram… a conduzir. Eram 22 horas quando a caloira deu entrada no Hospital a espumar pela boca e em risco de vida. Integração? Vão-se catar: como quase tudo o resto que é mau exemplo, esta pouca vergonha continua com a conivência "do topo", das Associações aos Reitores, do Ministério da Educação à Polícia. Não há mortes que os detenha; não há praxe boa, como não há agressores bons, nem acidentes bons. Ninguém tem o direito de arrogar saber as consequências de um comportamento quando não é dele vítima; os que o fazem, são chamados "canalhas".

Há coisas com que não se deve ter de viver. Há regimes que - como nosso - precisam de perceber o alcance das transformações fundamentais como questões transversais, civilizacionais, públicas. Já as fizemos: veja-se a alfabetização ou o Serviço Nacional de Saúde. O fervor de uma sociedade de massas intoxicada pelo futebol e pela política não nos pode pôr as palas - é que isto não é uma questão de direitos, é uma questão de deveres. Deveres para com as vítimas sem voz.

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