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07 de Junho de 2013 às 10:32

Paraísos offshore: o tesouro imundo da Sra. Thatcher

Este capitalismo financista desenfreado não é economia, nem quer ser; nem tão pouco gere recursos. Limita-se a tratar de os concentrar mais de um lado ou do outro.

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Em Abril passado, a Oxfam - organização internacional de combate à pobreza e defesa dos direitos humanos - lançava as suas contas na imprensa britânica, com eco em quase todas as publicações de monta internacionais (incluindo as mais liberais, como o "The Economist"): a fuga fiscal através de "offshores" chegaria para acabar com a fome no mundo. De acordo com a directora financeira daquela instituição, Emma Seery, cerca de um terço dos 18 triliões de dólares "residem" em território britânico ou em territórios debaixo de sua directa jurisdição, o que "coloca a Grã-Bretanha no centro de um esquema brutal de apoio à fuga fiscal que é uma traição ao seu próprio povo". No pináculo destas revelações está um artigo da "Vanity Fair" do mesmo mês de Abril com o título "A Tale of Two Londons", que o "Público" resumia no passado dia 25, em notícia assinada por Cristina Ferreira, disponível "online" (ambos os "links" estão em baixo).


E que diz então a "Vanity Fair", publicação eclética, famosa casa de Gore Vidal?


Partindo de uma análise à história recente do opíparo e "secretivo" edifício "Number 1" de Hyde Park, a revista enquadra os factos numa lógica de causa e consequência, socorrendo-se para isso da História recente, mas não só. Fala-nos de como o imobiliário floresceu em Londres adubado pelo dinheiro sem proprietário; no dito edifício, onde um apartamento pode chegar a uns esclarecedores 200 milhões de euros, há 76 fracções, mas apenas 12 estão em nome de particulares. O levantamento que é feito das quantidades de dinheiro sem dono mete a Suíça num bolso, e o Chipre num chinelo; mas a investigação vai mais longe. Por um lado, explica-nos o que é realmente a chamada "City", um pedaço de território com quadro legal de excepção que lhe permite... bem, a agiotagem. Mantendo-se ao longo de séculos local franco para a passagem de dinheiro, as instituições lá sediadas gozaram sempre de incrível e desregulada liquidez - e usaram-na. Usaram-na para fornecer Estados, suas empresas, a banca etc... Durante o Thatcherismo, o processo acelerou, à medida que o governo da Dama de Ferro dispensava uns trocos na Banca a retalho, para perfidamente ficcionar uma classe média que a sua noção financista de Economia não sabia realmente fomentar. Dinheiro dos petrodólares, das armas, da energia, sabe Deus do quê, aterrou em Londres e foi lá retalhado, como se nascesse nas árvores.


Nos anos 80, nomeadamente com a chamada "Wild West Deregulation" - a alcunha com que ficou conhecida a legislação com que a Dama de Ferro aboliu a regulação financeira - o rio de notas tintadas transformou-se em dilúvio, à medida que o preço do petróleo caía, e a Lei chamava como sereia por compradores, a qualquer preço, mesmo que a origem desse dinheiro fosse uma "qualquer" guerra civil ou cartel de energia global. O artigo é a ler, absolutamente.


Sabemos agora que, do outro lado do Atlântico, Ronald Reagan, disfarçado de cosmopolita, pedia o fim do Muro de Berlim. E percebemos porquê: é que este capitalismo financista desenfreado não é economia, nem quer ser; nem tão pouco gere recursos - limita-se a tratar de os concentrar mais de um lado ou do outro, conforme é preciso financiar campanhas ou ganhar eleições. E por isso precisa de avançar territorialmente, porque é disso que ele é feito: não da gestão dos recursos, mas da sua imparável exploração.


Ficou célebre a frase de Margaret Thatcher: "o socialismo acaba quando acaba o dinheiro dos outros", um mote destinado a esconder as reais razões que a levaram a fazer desaparecer o Estado e a coisa pública. Fico feliz por saber que a vida lhe deu tempo para poder ver que o neoliberalismo também. Aliás, qualquer sistema civilizado acaba, se construído na assunção que há "uns" e "outros". É um tesouro imundo, este.

 

 

 

http://www.publico.pt/economia/noticia/o-sol-nunca-se-deita-para-o-imperio-britanico-de-offshores-e-paraisos-fiscais-1595512

 

http://www.vanityfair.com/society/2013/04/mysterious-residents-one-hyde-park-london

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