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Nicolau do Vale Pais 11 de Setembro de 2015 às 10:22

O Regime e um "momentum euphoricus"

O PS optou por definir um candidato com base naquilo que lhe aparentava ser o caminho mais rápido para o poder. [...] Isso metaforiza toda a crise que tem perpassado as Esquerdas por esta Europa.


Seria extremamente injusto não dar a António Costa a vitória no debate da passada quarta-feira: Costa foi escolhido pelos seus pares para isto mesmo, e por isto mesmo - brilhar nos media, manter o escrutínio à margem. A única coisa pior do que essa injustiça é a ambição perigosa - da qual atempadamente falei - que é pensar que isso basta para se ser alternativa expressa em votos. Ponhamos a coisa assim: o PS pode achar que sim, mas o eleitorado pode achar que não. É esta, aliás, a nota transversal às sondagens que temos visto.

Quanto a Passos, fez o que dele se esperava, sendo que é por via da sua participação que o debate ainda se pareceu com qualquer coisa dialéctica, já que Passos - embora com alguma sonsice à mistura - foi o único que trouxe à baila questões relacionadas com o modelo de governação, nomeadamente a questão de um Estado mais intervencionista ou menos intervencionista. Teve pouca habilidade na colagem a Sócrates, até porque esta é mediaticamente redundante; se Passos pegasse nas creches falidas que o programa "B.a.Bá" da Câmara Municipal de Lisboa deixou, o debate seria mais difícil para Costa, passando do fácil "o quê" para o difícil "como" num instantinho.

O confronto foi aquilo que se esperava dele, mais difícil para quem está no poder do que para quem o almeja, como é normal em democracia. O que já não é normal - e isto deve ser considerado por todos os seus intervenientes, não só os candidatos - é que se passe por uma exposição destas nesta fase das nossas vidas, e não haja uma palavra sobre educação, ciência ou cultura, tudo pilares fundamentais à requalificação do nosso débil paradigma económico. Desta forma, dificilmente sairemos de onde estamos; se o formato não consagra a qualificação do próprio debate, então é difícil que o debate passe de mero confronto (embora, nesse particular, seja justo dizer que todos fizeram um construtivo esforço para que não descambássemos para a vergonha do achincalho ou outros truques).

Para os estimados cerca de 3,4 milhões de espectadores que acompanharam aquele que foi o único confronto entre Passos e Costa entre aqui e as eleições, a generalidade das ideias no plano político para os próximos quatro anos não podia deixar de ser pobre; pobre por tudo aquilo que sabemos não ser o sistema partidário, pobre por tudo o que sabemos ser o sistema partidário. Sabemos que o Euro está transformado no pior de todos os sistemas com excepção de todos os outros, e que a política estará sempre circunscrita ao que na Europa se passar, para não falar na China ou na Síria. Continuamos sem saber nada acerca da questão central do financiamento da Segurança Social, por exemplo, apesar de esta ser uma discussão fundamental, já que junta demografia e desemprego, talvez as duas maiores ameaças à Europa, neste momento em que vivemos.

O PS optou por definir um candidato com base naquilo que lhe aparentava ser o caminho mais rápido para o poder; de alguma forma, isso metaforiza toda a crise que tem perpassado as Esquerdas por esta Europa, de Blair a Hollande. Essa crise de identidade está plasmada no problema, para esses partidos e líderes, que é a definição exacta da fronteira entre a promessa de adopção de políticas económicas intervencionistas e o problema dos défices orçamentais. E se Costa vence o debate ao conseguir deixar a impressão de "ajuste de contas" com o Governo em relação aos últimos anos, já no que toca à transformação desse "momentum euphoricus" em votos, mantenho as minhas reservas. Tem pela frente um clima de desconfiança generalizado que favorece, e de que maneira, o discurso ortodoxo de Passos, e inovar no discurso não é com António Costa. Costa não conseguiu ainda tirar a campanha do frenesim "Excel" e trazê-la, como competiria tradicionalmente à Esquerda, para novas ideias sobre o exercício do próprio poder e a sua relação com os cidadãos; isto é, novas ideias sobre o Regime. 

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