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21 de Fevereiro de 2014 às 10:07

O ministro das Finanças alemão já se pronunciou sobre Kiev?

Os pacotes de dinheiro do Sr. Putin estão para a Ucrânia como os pacotes de dinheiro da União Europeia estiveram para Portugal.

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" - O vale de Anya é o nosso vale. As árvores de Anya são as nossas árvores. A família de Anya a nossa família, à qual todos pertencemos.
- Então é uma coisa universal, obviamente…
- É uma coisa universal na qual nos reconhecemos, estranhamente nos reconhecemos a nós próprios
(…) uma coisa universal que estranhamente restaura - eu acho que sim - a nossa fé em nós próprios."


Martin Crimp, "(A)tentados", 1997. Ed. Campo das Letras, trad. Paulo Eduardo Carvalho.

 


O Sr. Putin é um fanfarrão e um oligarca, e nem o sexy-ismo disfarçado de slogan moderno dos Jogos Olímpicos de Sochi disfarça isso: "Hot. Cool. Yours."? O caraças, niet: a seguir ao smog que censurou a net aos jornalistas nos Jogos de Pequim, Sochi é a maior paródia transvestida de efeméride alguma vez vista.


A minha terminologia forte é deliberada, mas mesmo assim não chega ao nível de violência obscena que aduba os negócios obscuros das Repúblicas da ex-União Soviética e da própria Rússia, mais as nações esmagadas pelo espaço de poder à sua volta. Hoje, está a Ucrânia no centro, mas já estiveram a Tchechénia ou a Geórgia; na Hungria, violentam-se os direitos humanos de formas impensáveis; na Roménia, destroem-se florestas nos Cárpatos para fazer estâncias de ski para os milionários russos, em nome dessa condenação à pobreza internacional a que se chama "o turismo". Deus não nos livra porque a Europa compactua, ao mais alto nível: somos coniventes e cúmplices na forma como nos roubam e estupram a Democracia. Chamamos à mão-de-obra escrava "factor de competitividade da China" e, depois, subjugamos sectores estratégicos, como a energia, às fortunas feitas à conta dessa desumanidade internacional; corremos com os estrangeiros da Suíça, a não ser, claro, que seja para depósitos bancários. Eis - oh Mefistófeles do Mundo! - a livre circulação de capitais e a auto-regulação; em troca, dou-te a classe média, o pequeno-médio empresário, a ética da república, a paz. Há-de haver sempre um funcionário público para culpar, ou mais um empreendedor para massacrar com IVA a 23%, não é verdade?


Merkel falou e está preocupada. Percebo: a Ucrânia, para usar o termo com que a CNN "on-line" a definia esta semana, é o "peão" das relações entre a Rússia e Ocidente. Estes confrontos são espoletados, precisamente, pela vontade dos manifestantes em orientar a Ucrânia na direcção da União Europeia, em vez do espaço económico-oligárquico da ex-União Soviética. As manobras autoritárias de rejeição de uma maior integração na direcção do Atlântico, por parte do presidente Yanukovych, foram a centelha de um problema que, todavia, não pode nem deve deixar de ser geminado com a construção desta Europa cheia de Finança e já sem Muro. Percebamos que Putin literalmente comprou a empatia estratégica do presidente ucraniano com pacotes de estímulos em "cash" e promessas de gás barato, manietando assim a autodeterminação daquela gente; já se fez com armas, agora faz-se com gás-dólares.


Enfiar a cabecita na areia é uma solução; abençoados aqueles que ainda acham que isto se resolve entre as comadres que emprestam e as comadres que gastam. Mas o problema da História é que ela tende a repetir-se: não é preciso ser muito esperto para perceber que estes pacotes de dinheiro do Sr. Putin estão para a Ucrânia como os pacotes de dinheiro da União Europeia estiveram para Portugal - para bem dos nossos pecados, aqui tudo se passa a uma escala mais periférica e menos bélica, até porque toda a riqueza portuguesa são "peanuts" ao pé dos rios de dinheiro e poder que circulam para lá de Berlim, acerca dos quais o ministro das Finanças alemão não pia, enfiado que está até ao pescoço na promoção internacional destes "gangsters".


Exala um fedor a gás pestilento desta refrega. O Sr. Schäuble faz peito para bater nos países do Sul, obliterando todo e qualquer sentido da responsabilidade histórica do seu país na construção desta coisa inevitavelmente desfeita a que chamamos Europa; mas, perante a evidência indisputável do perigo e da violência, faz orelhas moucas e refugia-se no território cada vez mais opaco das relações internacionais, como se os mortos na Ucrânia não flutuassem exactamente no mesmo lodo que o dos desempregados portugueses. Daí que os que hoje protestam na Ucrânia mereçam toda a nossa atenção inteligente e sentida solidariedade. Até porque os territórios fundados no dinheiro e nos seus desvios de grandeza não têm cor, nem bandeira, e é por isso que a história lhes chama "Impérios". Não é assim, Dr. Fausto?

 

 

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