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17 de Maio de 2013 às 10:41

Fuga Fiscal no Bayern de Munique: lá como cá

Como é possível celebrar o regressos aos mercados, quando é nítido que o custo efectivo da austeridade vai superar em larga margem esse abaixamento do preço do dinheiro?

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Há uns pacóvios de cá que acham que há uma superioridade germânica; esse deslumbre gratuito com o que é "lá de fora" sempre me pareceu uma forma ressabiada de desprestigiar a nossa democracia em vez de - com a coragem que se exige aos que têm voz - a melhorar. Esses néscios apartados deviam ler esta história primeiro; e depois perceber que lugar transversal têm a saúde, a educação, a ciência, a cultura, o urbanismo ou a política ambiental na prosperidade dos tais "germânicos". Não basta ser reaccionário - é preciso enfiar a cabeça no passado com lucidez. Uma espreitadela à curva na diminuição de mortalidade infantil em Portugal, por exemplo, seria uma bela maneira de percebermos a Europa que queremos partilhar, e de que assimetrias ela partia, aquando do armistício de 1945.


Uli Hoeness está deprimido, apesar do seu Bayern de Munique ser uma máquina de futebol, que dentro de uns dias disputará a prestigiada final da Champions League. Hoeness, presidente do clube bávaro, era tido, até há umas semanas atrás, como um pilar da comunidade e um exemplo aclamado por políticos. Políticos como Angela Merkel ou o seu "gémeo" de coligação e governador bávaro da CSU (os Democratas-Cristãos da Baviera), Horst Seehofer, que entretanto começaram já o seu processo de afastamento público. O caso queima. "Não pode ser verdade", disse Seehofer ao "Spiegel", como primeira reacção.


E qual é o caso? É simples - o poder, que quer ser reeleito, deixou Hoeness cair com estrondo. Sente-se traído, e se calhar foi. Não é para menos: a França já entrou em recessão, o crescimento na Alemanha é residual, a Holanda estará por um fio, às portas de um resgate. No sul que nos inclui, o desastre é total e resume-se a isto: a dívida pública aumenta, aumenta, aumenta. E a gente séria pensa: mas como é possível celebrar regressos aos mercados, quando é nítido - vide por exemplo, os saldos negros da Segurança Social - que o custo efectivo da austeridade vai superar em larga margem esse abaixamento do preço do dinheiro?


A coisa começou com uma manobra dúbia e hesitante de Merkel; o governo alemão decidiu que os evasores fiscais (com contas na neutríssima Suíça...) se poderiam "entregar" livremente e pagar o que deviam, sendo em troca poupados à exposição e vergonha públicas - era o que prometia a autoridade fiscal. O SPD - a oposição, portanto - pronunciou-se publicamente contra a brandura desta deliberação, sem grande efeito mediático. Até que o caso Hoeness foi revelado e os alemães passaram a ter um par de olhos para fitar com indignação. O Presidente do Bayern viu a sua declaração de compensação fiscal - que contabilizava, sobretudo, proventos de bolsa até então por declarar - tornada pública e, com isso, também os seus promíscuos contactos com a banca, mercados e outros empresários. Esperou que aqueles que usaram a sua imagem em proveito próprio - como Merkel - saíssem em seu apoio e cumprissem a promessa de secretismo. Enganou-se e de que maneira. E nasceu um problema que promete agitar a campanha eleitoral e a Europa também - porque, como sabemos, a argumentação pró-germânica tem como base uma pureza moral que só é verdade enquanto está escondida na neve diáfana dos Alpes Suíços.


Um abusador é um abusador em qualquer parte; não há anjos nem demónios, somos todos falíveis e foi com essa prudência em mente que gostei de ouvir a eurodeputada Elisa Ferreira dizer de caras ao Sr. Olli Rehn, Comissário Europeu para os Assuntos Económicos, "basta". "Foi-nos dito que, cumprindo as indicações da troika, nós sairíamos do desajuste em que estávamos em 2010". Cumprimos nós, cumpriram os gregos, cumpriram os espanhóis, cumpriram os alemães que pagaram os seus impostos sobre o seu trabalho, enquanto as oligarquias patinavam no fino gelo das relações dúbias da finança com a política - sempre à espera que a classe média os vá resgatar da água gelada quando estala a superfície. Lá, como cá, basta.

 

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