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08 de Maio de 2015 às 10:04

A República não se explica por SMS

Vejamos, a rir: então o Dr. Costa não sabia fazer isso à combatente infatigável, daqueles do tempo em que o Dr. Alegre exultava, Rua do Século abaixo, ora abrindo tertúlias, ora fechando jornais?

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"Eu sou o homem-fantasma, combatente infatigável, Mas, atenção, que até eu posso ser criticável - Se depois do que eu digo, e denuncio, e reclamo, eu voltar para casa e, em casa, eu for um tirano"

Sérgio Godinho, "O Homem-Fantasma", in "Pano-Cru" (1978)


Vejamos, a rir: então o Dr. Costa não sabia fazer isso à combatente infatigável, daqueles do tempo em que o Dr. Alegre exultava, Rua do Século abaixo, ora abrindo tertúlias, ora fechando jornais? Que falta de eficácia e que exposição desnecessária para um futuro primeiro-ministro. Então o cavalheiro não fazia isso com verdadeiro sentido de Estado, à António de Spínola? (*). Ao que parece, a salganhada dos Conselhos de Estado a seguir à Revolução foi tal, que as actas andaram sumidas trinta e tal anos. Daí que o ponto central do programa do MFA - que propunha a consulta pública e universal dos cidadãos portugueses sobre o futuro das colónias - tenha sido rasurado como água que corre. O Dr. Sampaio da Nóvoa pode e deve olhar para o enviesamento desses anos; é assim - a reinscrever - que se aprende a escola do Poder - e a ler Godinho, mas isso parece que o Dr. Sampaio da Nóvoa já faz (espero que com o mesmo sentido de autocrítica que eu próprio).


Ora, tornemos a ver, mas já sem rir: o que é isso do "saberá que, em tempos, o jornalismo foi uma profissão de gente séria, informada, que informava, culta, que comentava?" A que é que o Dr. Costa se refere, exactamente? À "Quadratura do Círculo", é isso? Ou é só para entrar já na fatiota de "oprimido", a partir da qual o PS acha que todo e qualquer discurso oposicionista - mesmo que desmentido pelas acções quando no poder - tem resultado eleitoral? É que, além de lhe ficar mal, parece uma escandalosa confissão de impotência. Uma impotência que é claríssima no governo da Cidade de Lisboa, onde foi incapaz de não ceder às mais populistas pressões, dos benefícios fiscais concedidos a grandes eventos, à forma como o território alfacinha vai "saindo a retalho" para os grupos do costume.


Dir-me-ão que é tudo relativo. Certo; imaginemos, então, a abertura de um telejornal com "Boa noite. Ao fim de quatro acções perdidas em Tribunal - e de dois anos e meio de recusas -, a Câmara de Lisboa vai ter de cumprir a lei, e entregar documentos onde se avaliava as práticas seguidas nas adjudicações de obras municipais. É a decisão do Tribunal Constitucional sobre as práticas da CML". É tudo relativo, de facto. É esta a cultura que temos, e o PS é responsável por ela. Basta ouvir a Dra. Canavilhas a sugerir aos portugueses que insiram por caridade um donativo à cultura no seu IRS, para perceber quais são, realmente, as hipóteses de mudança. Zero. E, sendo assim, ficamos por factos - ainda temos essa liberdade - e a ler no Público, pela mão de António José Cerejo estas, e muitas, muitas mais. (link em baixo).


Eu, por mim, acho que o SMS até é mais ordinário do que propriamente grave: eu não sei quando é que o jornalismo foi "uma profissão de gente séria, informada, que informava, culta, que comentava". Sei que no jornalismo, como na política, há de tudo, e isso é que é normal numa sociedade plural. E sei - por isso tantas vezes analisei aqui, fria e objectivamente, os mandatos de António Costa na CML - que vivo numa sociedade-espectáculo, onde os líderes são feitos mais pela telegenia do que pelo trabalho político, para o melhor e para o pior. E, nesse particular, o Dr. António Costa é muito mais parte do problema do que da solução. A popularidade do seu trajecto deriva muito mais do espectáculo da TV - e da desqualificação do jornalismo de reportagem - do que da nobreza do seu trabalho político. Dou um exemplo: à porta de uma Assembleia Municipal com Lisboa alagada, o Dr. Costa soltou um também telegráfico "não há solução para os problemas de inundações de Lisboa". Exactamente na mesma sede política onde tinha ap

rovado correcções ao PDM que permitiam ampliar, impermeabilizando o solo, o Hospital da Luz do Grupo BES, levando à eliminação sumária de um Quartel - público - de Sapadores Bombeiros.


Não só este SMS é uma tolice acabada - João Vieira Pereira nem menciona o nome, quanto mais insultar António Costa - como um erro político típico de um certo amadorismo: é que o artigo, ao sugerir que o PS tinha encostado mais à Direita do que o habitual, até poderia ser visto, do ponto de vista eleitoral, como uma benesse. O texto original publicado no Expresso na semana passada segue em "link", bem como a resposta de JVP a António Costa (o SMS propriamente dito é citado na mesma).


Tome atenção, Dr. Costa, à diferença entre "insatisfação" e "vontade de mudança"; a primeira gera medos que dificultam a disponibilidade para a segunda. Margaret Thatcher foi reeleita assim, e com votos da Esquerda Trabalhista. E porque a vida é cheia de ironias, acabou na capa da "The Economist" com o título póstumo: "Freedom Fighter". Diminuir um adversário que não se consegue vencer é péssima estratégia. Pergunte aos Trabalhistas britânicos. A República não se explica por SMS. 

 

 

 

http://www.publico.pt/autor/jose-antonio-cerejo

 

(*) Maria José Santiago, investigadora galega, publicou em 2012 um livro com apontamentos e actas inéditas do Conselho de Estado, entre Julho de 1974 e Março de 1975. O Público noticiava então, assim e "a sério":


http://www.publico.pt/portugal/jornal/actas-do-conselho-de-estado-mostram-spinola-verdadeiro-descolonizador-24454999

 

http://expresso.sapo.pt/opiniao/opiniao_joao_vieira_pereira/2015-05-03-Perigosos-desvios-do-PS-a-direita-3

 

http://expresso.sapo.pt/opiniao/opiniao_joao_vieira_pereira/2015-05-05-E-a-liberdade-Antonio-Costa-1

 

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