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Nicolau do Vale Pais 05 de Abril de 2013 às 10:02

A Alemanha e a vida sexual do porco-espinho. (A mundividência de Gerhard Schröder)

É extraordinário que o panorama mediático português se tenha contraído sobre si próprio numa altura como esta: são cada vez menos as notícias sobre o que de facto se passa lá fora.

É extraordinário que o panorama mediático português se tenha contraído sobre si próprio numa altura como esta: são cada vez menos as notícias sobre o que de facto se passa lá fora. E o que se passa lá fora - por inércia dos que mandam cá dentro - parece ser cada vez mais fundamental para que a nação não se torne - outra vez - numa parábola neurótica, auto-celebratória, e inimaginavelmente pobre. Como até 1974.


Esta semana, o ex-Chanceler alemão Gerhard Schröder deu uma entrevista exemplar na "Der Spiegel". A mesma publicação, ainda durante esta mesma semana, dava conta das ligações prolíferas, mas perigosas, entre as elites político-empresariais russas e as grandes empresas alemãs como a Mercedes. Os russos são os mesmos que lavam dinheiro em euros no Chipre há já uns anitos; resta saber se são os mesmos Alemães que, depois de anos de olhos fechados, decidiram ir assaltar as poupanças de todos indiscriminada e cobardemente; e em euros, também. Trata-se ainda do mesmo órgão de imprensa que, aquando do resgate da Grécia, fez lembrar ao mundo os vários processos internacionais de tráfico de influências, "overpricing" e promiscuidade entre gigantes como a Siemens e o Estado Grego (que, de acordo com algumas fontes, podem chegar a danos na ordem dos 100 milhões de euros, só neste caso em particular). Os benefícios venais foram para agentes político-empresariais protegidos pelo casamento de conveniência das Olimpíadas de Atenas com a supostamente insubstituível eficácia germânica; a consequente inflação da despesa pública grega sai hoje directamente do bolso dos contribuintes - as luvas, essas, já eram; quem sabe até, lavadas em Chipre. Foi sobre esta Europa que Gerhard Schröder falou. Sobre estas vidas. É algo que os anões da política por cá terão muita dificuldade em perceber - é que não há "espírito de liderança" que substitua a mundividência.


Schröder, do partido social-democrata alemão, antecedeu a Merkel (da CDU, os democratas-cristãos, como é sabido) à frente dos destinos da Alemanha, entre 1998 e 2005; nasceu em 1944, sem nunca ter conhecido o pai, que perdeu a vida na II Grande Guerra. E é sobre a guerra que se centra a primeira parte da entrevista; ou melhor, sobre as complexas relações entre a Alemanha e os Estados Unidos na construção de um pan-europeísmo que é, ele próprio, paradigma da complexidade global. Assume, sem pudor, ver na fundação do próprio espírito da democracia uma ambiguidade dinâmica e criativa - uma ambiguidade entre vermos o sistema como um fim, ou como um meio. Esta minha leitura, que se pode assumir como "livre", tem expoente no momento em que o ex-Chanceler assume responsabilidades sobre algumas das suas mais polémicas decisões em política internacional. Quando acossado pela evidência da falta de resultados à posteriori - uma velada crítica ao seu suposto idealismo por parte de quem entrevista - responde sem medo: nenhum argumento dever ser à partida invalidado pela falta de resultados no final. É exactamente o exercício néscio deste anacronismo terrível e demagógico - digo eu - que tem castrado as nossas possibilidades, porque é sobre ele que se centra a suposta mais valia da tecnocracia em detrimento da política. Tecnocracia essa que depois é tão falível quanto o exercício da política no tocante aos tais resultados, com a devastadora desvantagem das possibilidades que oblitera - imparável - pelo caminho. Isto para não entrar nos territórios gastos da "esperança".


Quanto ao sexo dos anjos - o poderio incontornável da Alemanha - Schröder alerta: comentários como o do líder parlamentar dos democratas-cristãos Volker Kauder, quando disse "a Europa fala Alemão", não são recomendáveis. Fá-lo sem sequer mencionar o nome do seu oponente; e, quanto a Angela Merkel - que diz ter, ao procrastinar decisão atrás de decisão, encarecido brutalmente a salvação do euro - não hesita: "A Alemanha só pode liderar a Europa da mesma forma que o porco-espinho faz amor". "Como?" riposta a entrevistadora. "Com cuidado", diz Gerhard Schröder, com humor universal. 

 

 


PS: O link para a entrevista "online", na edição internacional, em inglês
http://www.spiegel.de/international/germany/interview-former-german-chancellor-gerhard-schroeder-on-foreign-policy-a-891839.html

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