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08 de Fevereiro de 2015 às 19:55

Governança: quanto mais se fala…

Uma das mais importantes dimensões da gestão nos anos recentes, para executivos, jornalistas e académicos, tem sido a governança. O tema é alvo de debates, de análise, de inúmeros artigos académicos, de "rankings" e de prémios.

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Todavia, como reza a velhinha canção dos GNR, este é talvez um daqueles casos, como a inovação e a confiança, em que quanto mais se fala menos se vê.

 

A governança serve para robustecer a qualidade da gestão e, por isso, para aumentar a sustentabilidade dos negócios e a confiança das diferentes partes interessadas. Compreende-se que seja importante e que suscite ampla atenção. Todavia, a recente crise de confiança nas empresas parece mostrar que tanta discussão pode afinal não ter passado de mais um belo cortinado concetual para pôr na janela empresarial, ao lado do cortinado ético. Eis três notas sobre o assunto.

 

1. A governança é um exercício de equilíbrios. Um sistema de governança eficaz depende de uma lógica de pesos e contrapesos. Coloca o poder em diferentes pratos da balança para evitar o lado nefasto da concentração do poder - que dá quase sempre mau resultado. A psicologia do poder é frequentemente uma caixa de surpresas desagradáveis. Mas a adoção de sistemas de pesos e contrapesos também pode neutralizar a ação, nomeadamente quando dá azo, ela mesma, a guerras de poder. Para evitar esta possibilidade, algumas vezes faz-se coincidir as esferas executiva e não executiva. Ou seja, resolve-se um problema criando outro. Outras vezes um dos lados é suficientemente poderoso para controlar a contraparte - o que, resolvendo problemas, cria problemas maiores. A governança é, portanto, um processo paradoxal, devendo ser encarado como tal, sem simplicidade ilusória.  

 

2. A boa governança é um exercício de autoneutralização do poder. Os poderosos abdicam da sua versão da verdade para ouvirem várias versões, incluindo as que lhes desagradam. A boa governança começa de cima para baixo, mas é testada de baixo para cima, quando numa organização prevalece a ideia de que falar verdade é uma boa estratégia e que ninguém é punido por ser o mensageiro de más notícias. Evidência empírica mostra a dificuldade desta prática. Em finais de 2011, o diretor da Olympus em Portugal denunciou práticas de corrupção na empresa. Foi despedido (Público, 11/11/11). Na GM, nos EUA, mais recentemente, um funcionário denunciou problemas graves de segurança. Foi "apertado" por um advogado da empresa, porque "estava a sair da sua descrição de funções". Estes casos são comuns: os "whisteblowers" normalmente acabam mal. Alguns põem "a boca no trombone" porque nas suas empresas ninguém os escutou.  

 

3. Perante esta paz podre não deixa de ser salutar a brutalidade da Amazon, onde prevalece uma "cultura de gladiadores". Uma das regras da empresa é a de que os seus membros devem "ter espinha: discorde e empenhe-se" (BusinessWeek, 14/10/13).

 

Sistemas de governança que encobrem problemas em vez de servirem para os impedir de se tornarem sérios e irresolúveis, não passam de cortinas de fumo prejudiciais para a saúde empresarial. Bem como, naturalmente, para a honorabilidade daqueles que as lideram.

 

Professor na Nova School of Business and Economics

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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