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19 de Junho de 2022 às 21:27

Se a ministra da Saúde não começar rapidamente a reformar o SNS, acabará remodelada

As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre a crise na Saúde, a adesão da Ucrânia à União Europeia, as eleições legislativas em França, entre outros temas.

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CRISE NA SAÚDE

  1. Para milhões de portugueses que, como eu, consideram o SNS a maior conquista social do 25 de Abril, o que se passou esta semana foi desolador.
  2. Primeiro, no plano da atitude. A Ministra da Saúde falou ao país na segunda e na quarta-feira. Percebeu-se que foi apanhada desprevenida. Mas, se estes problemas não são de agora, como diz a própria Ministra, pergunta-se: por que é que não se agiu a tempo e horas? É desolador.
  3. Segundo, nas medidas de curto prazo. As orientações parecem certas. Em particular a ideia de agir em articulação com o sector privado e social. Mas por que é que não foi sempre assim? O Ministro da Saúde deve ser o Ministro da Saúde e não apenas o Ministro do SNS. O objectivo tem de ser servir os utentes. Se não é possível no SNS, tem de ser no privado ou social.
  4. Mais desolador foi a falta de medidas estruturais para o SNS. O SNS tem um problema de fundo: não é atrativo. Não é um problema de falta de qualidade clínica. É um problema de falta de organização, de gestão e de remuneração justa dos seus profissionais. Aqui, o vazio foi total.
  • O Governo fez mal em acabar com as PPP na Saúde. As PPP rodoviárias foram um descalabro. Mas as PPP na Saúde eram uma boa solução para o Estado e para os utentes. Reconhecida por várias entidades independentes, como o Tribunal de Contas. O erro de acabar com elas foi enorme.
  • Mas maior erro ainda foi o de não ter "pegado" nesses bons exemplos de gestão privada e tê-los transportado para a gestão pública. Dar aos hospitais autonomia de gestão, não para gastar mais, mas para gastar melhor; dar às entidades de saúde flexibilidade para decidir na hora uma contratação, uma mudança de horário, ou uma substituição; criar remunerações atrativas e competitivas para os médicos e outros profissionais da saúde.
  • Por que é que não se aproveitam os bons exemplos? Se não se quer gestão privada no SNS ao menos apliquem-se as boas regras na gestão pública. Doutra forma, perde o SNS. A prova está aqui: em 2011 havia 2 milhões de seguros privados de saúde; em 2016 cresceram para 2,35 milhões; em 2021, já há 3,30 milhões. Em 10 anos, um crescimento de 64%. Nos últimos 5 anos, um crescimento de quase um milhão de seguros. É o sinal da desconfiança no SNS.

 

A MINISTRA VAI SAIR?

  1. A campanha com vista à saída da Ministra começou esta semana, e começou em força, dentro e fora do PS. Se a Ministra não começar rapidamente a reformar o SNS, acabará remodelada como sucedeu com Adalberto Campos Fernandes ou Correia de Campos. Basta que a contestação se generalize um pouco mais e que o Governo comece a sofrer desgaste nas sondagens. É dito e feito. Marta Temido não tem alternativa: ou começa a reformar o SNS e deixa uma marca positiva de mudança, ou então sairá do Governo mais cedo do que imagina e pela porta dos fundos.

Posto isto, há mais dois pontos a considerar:
  1. O primeiro tem a ver com o primeiro-ministro. Toda a gente culpa a Ministra da Saúde. É natural. É o elo mais fraco. Mas, atenção: também há responsabilidade do primeiro-ministro. Se ele quiser fazer reformas na Saúde, fazem-se mesmo. É ele que manda. Alguém acredita, por exemplo, que o fim das PPP na Saúde aconteceu sem o aval do primeiro-ministro? O espírito reformador dos governos nunca começa nos ministros. Começa nos Primeiros-Ministros.
  2. O segundo ponto tem a ver com o benefício da dúvida. Em relação aos problemas resultantes da guerra, o país dá o benefício da dúvida ao Governo. Não foi o Governo que provocou a guerra. Mas em relação a questões como a saúde, já não há benefício da dúvida. Os problemas na Saúde são conhecidos. Os recursos financeiros têm vindo a aumentar. E, todavia, a degradação no SNS é cada vez maior. Acabaram-se as desculpas.

 

EMPRÉSTIMOS À HABITAÇÃO

  1. As taxas de juro estão a subir. Nos EUA, no Reino Unido e também na Zona Euro. É um problema para os Estados, para as empresas e para os particulares. Aqui, sobretudo no crédito à habitação. Com a subida da Euribor, as prestações a pagar aos bancos já estão a aumentar. Podem ainda não se ter reflectido nos pagamentos mensais. Mas lá chegarão dentro de poucas semanas. Vejamos:
  • Empréstimo de 150 mil euros, a 30 anos, com Euribor +1: só de janeiro para junho, a prestação a pagar já subiu 54 euros (12%);
  • Empréstimo de 200 mil euros, a 30 anos, com Euribor +1: só de janeiro para junho, a prestação mensal já subiu 72 euros (12%).

 

  1. Aqui chegados, há dois comentários a fazer:
  • O tempo do dinheiro barato está a acabar. Segundo os especialistas, a Euribor poderá chegar a 2% já em 2023. Logo, as prestações vão subir mais. Não é motivo para se entrar em desespero. Mas é razão para se passar a ter mais prudência na gestão do orçamento familiar.
  • Mesmo assim, os bancos não acreditam que haja uma vaga de incumprimentos dos contratos de crédito à habitação. Isso não sucedeu na crise da troika, apesar de a situação ter sido então mais grave que agora. Apesar de tudo, há uma diferença que pode ser essencial: o desemprego está hoje em números historicamente baixos.

 

GOVERNO QUER EXTINGUIR SERVIÇOS?

  1. O Governo tem a intenção de até ao fim de 2023 extinguir cerca de 30 serviços do Estado: Direcções Regionais da Educação, da Cultura, do IEFP, do ICNF, Regiões de Turismo e Administrações Regionais de Saúde. Integrando esses serviços nas CCDR. Para se perceber se são boas ou más notícias, conviria pedir ao Governo que explicasse:
  • Que vantagens resultam para os cidadãos destas extinções? Menos burocracia? Mais proximidade nas decisões?
  • Que poupanças para o Estado?
  • Qual o destino dos funcionários destes organismos? São todos incluídos nas CCDR ou apenas uma parte?
  1. Entretanto, há uma legítima especulação sobre se estas extinções e a consequente integração destas competências nas CCDR não tem a ver com a eventual futura regionalização do país. Embora o Governo não o assuma, julgo que a intenção é essa. Tenho para mim, porém, que será um tiro falhado.
  • Uma coisa me parece já quase impossível: realizar nesta legislatura o referendo sobre a regionalização. Quem não se entende no mais fácil (a descentralização) dificilmente se entende no mais complexo (a regionalização). Acabará por ser uma boa notícia para o Governo: um referendo em tempo de crise económica e social é um NÃO garantido. E um NÃO é uma derrota para o Governo.

 

UCRÂNIA NA UE

  1. A UE prepara-se para dar à Ucrânia o estatuto de candidata à UE. Ainda não é a adesão. É o início do processo. Mas é um sinal inteligente e necessário.
  • A UE expressa solidariedade à Ucrânia; exibe firmeza perante a Rússia; mostra que percebeu que em 24 de fevereiro tudo mudou. Mudou o Mundo, mudou a Europa e mudou a natureza geopolítica da UE. Putin "obrigou" a Europa a ser o escudo protector dos Países de Leste.
  1. O Presidente Zelensky teve aqui uma grande vitória. Bem pode agradecer a Ursula Von Der Leyen e à opinião pública europeia.
  • A Presidente da CE foi, desde o início, coerente e determinada. Prometeu e cumpriu. É cada vez mais a líder do projecto europeu.
  • A opinião pública europeia foi decisiva. França, Alemanha, Espanha e até Portugal tinham grandes reservas. Acabaram por ceder para não desagradarem aos seus eleitores.
  1. A posição do Governo português não foi brilhante. Andou sempre a reboque da França e da Alemanha. Quando a Alemanha e a França tinham objeções sérias, Portugal também tinha. Quando a França e a Alemanha deram a reviravolta, o PM português seguiu-lhes as pisadas.
  • O PM preferiu estar ao lado da França e da Alemanha, os poderosos da UE, aqueles que decidem o futuro da Europa e os cargos europeus. Parece estranho, mas para quem ambiciona um cargo europeu não tem nada de estranho.
  • Eu tinha preferido que Portugal tivesse estado desde o início ao lado da Ucrânia. Por uma razão de coerência: também quando no passado precisámos da solidariedade europeia, a Europa esteve connosco. E por uma razão de princípio: o que está em causa na Ucrânia são os valores europeus da liberdade, da paz e da autodeterminação dos povos.

AS ELEIÇÕES EM FRANÇA

  1. Nas eleições legislativas de hoje havia algumas certezas praticamente adquiridas em função da 1ª volta e das sondagens:
  • Primeiro: que o partido de Macron iria ganhar as eleições;
  • Segundo: que Mélenchon não consegueria chegar a primeiro-ministro;
  • Terceiro: que, caso não tivesse uma maioria absoluta, Macron teria aliados à direita para governar (os Republicanos).
  1. Tudo isto se confirmou. Mas os resultados finais são bastante mais surpreendentes do que se imaginava. Assim:
  • Macron levou um sério cartão amarelo. Tem uma vitória com sabor a derrota. Perde a maioria absoluta com uma margem significativa. Vai ser obrigado a negociar com os Republicanos. Fica politicamente fragilizado. O eleitorado, no fundo, quis dizer: és Presidente mas tens de mudar as políticas.
  • Le Pen é a estrela da noite. Politicamente foi quem mais ganhou com estas eleições. Com um sistema eleitoral que lhe é profundamente adverso, consegue um grande resultado em votos e mandatos.
  • Mélenchon ganha o segundo lugar e a liderança da oposição. Mas perde face às expectativas e objectivos. Queria ser PM mas não consegue. Tinha expectativas de ficar próximo da vitória mas acabou bem distante.
  • Os Republicanos ganharam o papel de charneira. São agora indispensáveis aliados para Macron. A grande dúvida dos próximos dias é esta: Macron e os Republicanos farão ou não uma coligação formal? É muito provável que sim.
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