Opinião
"Pedro Nuno Santos será o próximo líder do PS. Tenho sérias dúvidas que chegue a primeiro-ministro"
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o custo de vida, os juros dos bancos, o 10 de Junho, o regresso de Pedro Nuno Santos, entre outros temas.
O CUSTO DE VIDA
- O discurso de que a macroeconomia vai bem faz-nos esquecer os dramas do custo de vida para milhares de Portugueses. E eles não são pequenos. Vejamos:
- Uma recente sondagem da Intercampus mostra que os portugueses se sentem pior, que tiveram de fazer cortes nas suas despesas e que têm baixas esperanças quanto ao seu futuro:
- O Cabaz Alimentar da DECO Proteste, com 63 produtos, é certo que teve entre janeiro e junho uma redução de 1,2%. Mas desde o início da guerra o aumento é de 20,9%. E este é o valor que conta quando as pessoas vão às compras.
- No plano dos medicamentos, um recente estudo científico de Pedro Pita Barros, da Universidade Nova," Acesso a Cuidados de Saúde", mostra que 50% das famílias com rendimentos até 800 Euros, não conseguem comprar os medicamentos de que precisam. Em 2019 eram apenas 10%. Um agravamento quase arrepiante.
- No quadro do crédito à habitação, continuamos a ter juros mais altos do que os praticados na média da Zona Euro e mais altos que a maioria dos países europeus.
- Já agora, no domínio do arrendamento, uma boa e uma má notícia. A má é que os dramas sociais aumentam. A boa é que o Governo, por causa disso, resolveu reforçar os apoios: antes eram apenas 200 milhões de euros para subsídios de renda. Agora são 240 milhões. O objetivo passou a ser apoiar 186 mil famílias em dificuldades.
OS JUROS DOS BANCOS
- Passou relativamente ao lado da informação em Portugal o ranking atualizado dos juros dos depósitos na Zona Euro:
- Primeiro, o país que pratica juros de depósitos mais altos já não é a França. É a Itália e os juros já são superiores a 3%.
- Segundo, Portugal já não é o segundo país com juros mais baixos. Agora é o terceiro pior. Atrás de nós estão a Eslovénia e Chipre.
- Terceiro, a banca nacional tem um juro médio que é equivalente a 1/3 da Itália e que é menos de metade da média praticada na Zona Euro.
- O que surpreende não é este continuado afastamento de Portugal da média da Zona Euro. Afinal, os bancos portugueses têm excesso de liquidez e agora até deixaram de ter a "pressão" dos certificados de aforro.
- O que surpreende é a falta de um discurso firme das autoridades portuguesas – Governo e Banco de Portugal – perante os bancos. A situação é legal, mas é imoral. Os bancos portugueses pagam aos seus depositantes, em média, um juro de 1%. E depois recebem dos depósitos que fazem no BCE, três vezes mais: cerca de 3%. Não é justo.
- Ao menos, era exigível que subissem os juros cá dentro para um valor equivalente ao que se pratica, em média, na Zona Euro.
O ESTADO DA SAÚDE
- O Director Executivo do SNS completou seis meses de mandato, deu uma entrevista ao Expresso e anunciou algumas orientações importantes. Desde logo, o não encerramento de blocos de partos.
- Em qualquer caso, há três situações que continuam a ser especialmente delicados para a atratividade do SNS: os salários dos médicos; a emigração de enfermeiros; e o envelhecimento dos profissionais de saúde.
- Segundo o recente estudo "Recursos Humanos em Saúde, 2022", da autoria de Pedro Pitta Barros, os profissionais de saúde tiveram perdas brutais do poder de compra dos salários entre 2011 e 2022 – os médicos tiveram uma perda de 18%; e os enfermeiros tiveram uma perda de 3%. Entretanto, no mesmo período de tempo, os trabalhadores em geral tinham um ganho de 6%.
- Segundo o mesmo relatório, a emigração de enfermeiros é um caso sério: saíram de Portugal, de 2011 até 2022, 25 mil enfermeiros (à média de 2.000 por ano), prioritariamente para o Reino Unido (55%), França e Suíça. Os salários são a causa principal da emigração.
- Ainda segundo este estudo, há um conjunto grande de especialidades em que os médicos, com mais de 65 anos, estão próximos da reforma, o que pode suscitar problemas sérios. Entre as 8 especialidades mais "envelhecidas" estão a estomatologia, a cirurgia cardiotorácica, a cirurgia geral ou a cirurgia pediátrica, exemplo de áreas onde a falta de profissionais se tornará num pesadelo.
- Nada disto deve suscitar pânico. Mas requer uma especial atenção.
A INSATISFAÇÃO DOS PORTUGUESES
- Uma sondagem da SIC e do Expresso mostra que os portugueses estão brutalmente insatisfeitos com o estado da nação. É um retrato preocupante. Mas não é assim tão surpreendente.
- Primeiro, por uma razão cultural. O país tem uma grande tendência para este tipo de pessimismos e desconfianças. Basta reler Eça de Queirós e a descrição que ele fazia de Portugal há 150 anos.
- Depois, por uma razão política. Há 20 anos que Portugal vive em crise. Crise financeira, crise económica, crise social, crise da inflação. Se uma sondagem destas fosse feita entre 1985 e 2000, com o país em alta, os resultados seriam provavelmente muito diferentes.
- Terceiro, por uma razão estrutural: falta de ambição. Há vários anos que Portugal é um país sem ambição. Por isso, temos crescimentos medíocres e estamos todos os anos a caminho da cauda da Europa. Falta ambição no Governo, na oposição, nos partidos, nas instituições. Esta falta de ambição tinha que ter reflexos no espírito dos portugueses.
- Além destas razões mais de fundo, há uma outra que contribui para agravar a má disposição dos portugueses – a conjuntura política. Uma sondagem é ela própria e as suas circunstâncias. Ora, as circunstâncias do país nos últimos meses são muito deprimentes: uma imagem pública de desleixo e de degradação no exercício do poder; a perceção pública de que o Governo já tem poucas condições para governar; e a sensação de que a oposição ainda não tem condições para ser governo. Os Portugueses sentem-se bloqueados.
10 DE JUNHO
- O PR faz sempre bons discursos, quer no 25 de Abril, quer no 10 de Junho. Este não foi exceção. Foi um excelente discurso. Tem três partes: uma, mais estratégica, a puxar pela alma e pelas ambições da nação. Uma segunda, mais conjuntural, que parece a resposta ao cismo que a sondagem da SIC representa: "queremos mais riqueza e melhor distribuição da riqueza". Uma última, mais enigmática: "é preciso cortar os ramos mortos da árvore". É um pedido de remodelação? A insistência na saída de Galamba? Provavelmente, sim. O problema maior é outro: infelizmente, os bons discursos não têm seguimento em bons resultados. Não é um problema do PR. Mas é um problema do País.
- O Ministro João Galamba foi alvo de apupos. Nada que surpreenda. É o Ministro mais impopular. Um ativo tóxico. E um problema sério para o PM: se António Costa o tira do Governo nos próximos tempos, dá o dito pelo não dito e dá ao PR a vitória que lhe negou há um mês; se não o tira, continua com um peso morto no Governo. O PM meteu-se numa alhada e agora é preso por ter cão e preso por não ter.
- Entretanto, o PM, viu-se confrontado com manifestações de professores. Nada de estranhar. Estranha, sim, lamentável e censurável, foi a forma que alguns professores usaram nos cartazes para criticar António Costa, equiparando-o a um "animal". É de muito mau gosto. Pode discordar-se do PM; criticá-lo até com violência; mas impõe-se respeito. O que alguns professores fizeram é quase insultuoso. Subscrevo as suas reivindicações. Mas não estas formas de luta. Elas, além do mais, só desprestigiam a classe docente. De professores, a quem entregamos a educação dos nossos filhos e netos, exigem-se bons exemplos. Nunca más referências como estas.
O REGRESSO DE PEDRO NUNO
- Do ponto de vista dos seus interesses políticos, Pedro Nuno Santos regressou bem. A sua intervenção no Parlamento foi um passeio:
- Primeiro, porque ele conseguiu exibir as suas maiores qualidades e evitar um dos seus maiores defeitos. As suas maiores qualidades são o carisma e a determinação. Ele "puxou" por elas. Um dos seus maiores defeitos é a tendência para um tom algo colérico e excitado. Ele evitou-o, com uma prestação serena e tranquila.
- Depois, porque não teve oposição. Em especial do PSD. O Partido já deve estar a pensar: antes um PS mais à esquerda liderado por Pedro Nuno Santos que um PS mais ao centro dirigido por António Costa.
- De qualquer modo, Pedro Nuno Santos ganharia se evitasse também o auto-elogio. Desde logo sobre os lucros da TAP e da CP. Se a TAP, com quase 3 mil milhões de euros do Estado e grandes cortes salarias, não tinha lucro, quando é que havia de ter? E o mesmo se diga da CP. Se não fosse o Estado transferir vários milhares de milhões, ao abrigo do contrato de serviço público, haveria prejuízos e não lucro, como no passado.
- Claro que a audição da próxima semana é mais difícil. Mas também é verdade que ele teve mais do que tempo para a preparar. Uma coisa para mim continua clara: ao contrário de muita gente, que já prognosticou a sua morte política, eu continuo a achar que Pedro Nuno Santos será o próximo líder do PS; tenho é sérias dúvidas que consiga chegar a Primeiro-Ministro.