Opinião
Pedro Nuno fragiliza-se com mudanças de opinião
O debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro e as mudanças de opinião do líder do PS sobre a viabilização de um governo AD são dois dos temas abordados por Luís Marques Mendes no seu habitual espaço de comentário na SIC. O antigo presidente do PSD fala ainda sobre os dois anos de guerra na Ucrânia.
DEBATE PEDRO NUNO / MONTENEGRO
- Um debate importante que ficou muito aquém das expectativas:
- Primeiro, um debate demasiado truculento. De parte a parte. É o efeito Ventura a contaminar os restantes líderes. Ventura é o campeão de truculência. Pelos vistos, está a fazer escola.
- Segundo, um debate com pouco conteúdo. Pedro Nuno Santos esteve melhor na questão das polícias, na política em geral e no tema das pensões. Luís Montenegro esteve melhor na saúde, na educação e na habitação. Globalmente ficaram ambos muito longe do desejado.
- Terceiro, um debate que se saldou num empate com sinal mais para Pedro Nuno Santos. O sinal mais decorre de duas coisas: PNS ganhou às expectativas. À partida, em relação ao líder do PS havia baixas expectativas face aos seus debates anteriores. Ele conseguiu superá-las. Depois, porque Pedro Nuno Santos, logo a abrir, teve uma novidade política: a ideia da viabilização de um governo AD. E, num debate desta natureza, ter uma novidade conta.
- Posto isto, o debate nada teve de decisivo. Como os debates homólogos de 2022 e em 2015 também não foram decisivos. Em 2015, António Costa ganhou o debate a Passos Coelho e a seguir perdeu as eleições; em 2022, Rui Rio esteve melhor que Costa e, todavia, o primeiro-ministro teve uma maioria absoluta. Tudo em aberto, pois, para a campanha eleitoral.
PEDRO NUNO MUDA DE OPINIÃO?
- O que Pedro Nuno Santos ganhou no debate perdeu nos dias seguintes:
- O seu melhor momento no debate foi a ideia de viabilização de um governo minoritário da AD. Foi o que lhe deu maior élan político.
- Nos dias seguintes, mudou várias vezes de opinião: primeiro, já não haveria viabilização se houvesse uma maioria de esquerda; a seguir, já não haveria viabilização se não houvesse reciprocidade da AD; finalmente, depois de dois recuos, parecia que tudo voltava à primeira forma. É muita mudança de opinião em tão pouco tempo.
- Pedro Nuno Santos faz muito mal a si próprio com estas constantes mudanças de opinião. Não sei se ele tem a noção disso. Mas estas mudanças constantes fazem lembrar o mau legado da sua presença no Governo:
- Novo Aeroporto: combinou com o primeiro-ministro uma estratégia; depois, mudou unilateralmente de estratégia, nas costas do primeiro-ministro; finalmente, teve que recuar na sua decisão e pedir desculpa ao país.
- Indemnização a Alexandra Reis: primeiro, não sabia da indemnização e até pediu esclarecimentos à TAP; depois, não se lembrava de ter autorizado; finalmente, veio a saber-se que sabia de tudo e autorizou tudo, através do WhatsApp.
- Finalmente, uma constatação: José Luís Carneiro, sem ter estado presente, é um vencedor do debate de segunda-feira. Foi ele quem nas eleições internas do PS, lançou a ideia de o PS viabilizar um governo minoritário do PSD. E quem é que, nessa ocasião, discordou de José Luís Carneiro e o criticou com violência, dizendo que estava a assumir uma derrota? Foi Pedro Nuno Santos. Mais uma mudança de opinião que não favorece o líder do PS.
AD DEVE ESCLARECER ESTRATÉGIA?
- Eu, pessoalmente, sempre fui a favor da solução política que vigorou em Portugal até 2015: quem ganhava, governava, mesmo sem maioria; e o maior partido da oposição viabilizava, quer o Governo, quer até alguns dos seus orçamentos.
- Posto isto, acho legítimo que a AD não queira dizer antes das eleições qual a sua estratégia em caso de eventual derrota.
- Primeiro, para evitar o seu enfraquecimento político. Admitir já, antes das eleições, viabilizar o governo minoritário do adversário é um sinal de clareza. Mas enfraquece a ideia de vitória. É um reconhecimento do cenário de derrota. Guterres ou Sócrates nunca fariam o que Pedro Nuno Santos está agora a fazer.
- Segundo, por semelhança com António Costa. O que Montenegro está a fazer agora é semelhante ao que fez António Costa em 2015. António Costa também não disse antes das eleições o que faria se as perdesse. Muito menos avisou que a sua estratégia pós-eleitoral era fazer a geringonça. Montenegro está a fazer o mesmo: cortar com o Chega por uma questão de princípio, mas deixar tudo o resto para depois das eleições.
- Finalmente, pela importância do voto útil. A AD, para ganhar, precisa muito de voto útil. Para haver voto útil, tem de haver tensão e dramatização. Ora, a ideia antecipada da viabilização de governos adversários retira tensão, dramatização e eficácia ao voto útil.
A CAMPANHA ELEITORAL
- A campanha eleitoral só agora está a começar, mas vai ter de ser acelerada. É que daqui a uma semana, a 3 de março, já se vota. Haverá seguramente milhares de pessoas a votar antecipadamente no próximo domingo.
- Quanto à campanha propriamente dita, há situações difíceis e estranhas:
- Difícil é a situação dos partidos dos extremos. Estão em queda. Até o Chega. Apesar de continuar com valor alto, teve uma queda de 2pp na sondagem da Universidade Católica divulgada esta semana.
- Difícil é a situação no hemisfério político da esquerda. Os partidos da esquerda somados não ultrapassam os 38%, na mesma sondagem da Católica. Um dos valores mais baixos da história da nossa democracia.
- Difícil é haver uma maioria absoluta no Parlamento. Mas, de acordo com a sondagem da Universidade Católica, a AD e a IL somadas já atingem 41%. Um valor muito próximo do resultado do PS há dois anos.
- O mais estranho desta campanha é que se discutem mais cenários que ideias. Ou, para usar a feliz expressão de António Barreto, discute-se mais o que um partido vai fazer se perder, em vez de se discutir o que vai fazer se ganhar.
- Eu percebo. A bolha política e mediática adora este tipo de discussões. E a generalidade dos políticos adora falar para a bolha.
- Mas as pessoas preferem que se fale de ideias e soluções para os seus problemas. Os reformados querem respostas para o seu futuro. Os jovens querem saber em que condições podem voltar a Portugal. Os emigrantes portugueses no mundo ainda não tiveram uma palavra da parte dos partidos. A demografia e a sustentabilidade da Segurança Social passam ao lado do debate. A justiça está reduzida a um conjunto de generalidades. Não é brilhante para uma campanha mobilizadora.
PROBLEMAS NOS SERVIÇOS PÚBLICOS
- É mesmo muito estranho: um recente relatório da Provedoria de Justiça sobre o mau funcionamento dos serviços públicos quase passou ao lado das notícias e do debate. Pareceu um relatório clandestino.
- E, todavia, é um relatório que o país deve conhecer. Há problemas, injustiças e mau funcionamento dos serviços públicos que não devem passar em claro. Vejamos alguns exemplos.
- No pós pandemia o governo estabeleceu como orientação que pelo menos metade do horário de funcionamento dos serviços públicos deve ser reservado a cidadãos que não fazem marcação prévia. Só que os serviços não cumprem e as pessoas queixam-se.
- Em consequência, nos serviços da Segurança Social, os atendimentos sem marcação reduziram-se para metade. Nos serviços de Finanças foi ainda pior: os atendimentos sem marcação reduziram-se para um quarto. Não porque os pedidos tenham diminuído. Mas porque a capacidade dos serviços se reduziu.
- Como diz a PROPÚBLICA, uma associação cívica de defesa dos direitos de cidadania, os tempos de espera subiram e estão a prejudicar os utentes, sobretudo os mais vulneráveis.
- Como se tudo isto não chegasse, o tempo máximo de espera nalguns serviços é inacreditável. Na Loja do Cidadão do Saldanha, um exemplo "investigado" pela Provedoria, o tempo máximo de espera para obter um passaporte é de 6 horas; o tempo máximo de espera para obter cartão de cidadão é de 5h 50m; o tempo máximo de espera na área da segurança social é de quase 8 horas. Uma barbaridade.
- É muito difícil de compreender que não se discutam tamanhas injustiças e que não haja forma de resolver tantas disfunções.
DOIS ANOS DE GUERRA NA UCRÂNIA
- O primeiro aniversário da guerra na Ucrânia passou-se com alguma esperança no horizonte: os ucranianos estavam a surpreender na resistência à invasão russa. Este segundo aniversário ocorre no quadro de uma atmosfera mais pessimista: as operações não estão a correr bem para os ucranianos.
- No plano militar, a situação é muito crítica para a Ucrânia. Faltam munições; falta pessoal; faltam os F16; a superioridade aérea russa é grande; e a tão falada contraofensiva ucraniana não resultou.
- No plano político, também a situação já foi mais favorável. Sendo absolutamente decisivo, o apoio do ocidente já foi mais eficaz. O apoio dos EUA está num impasse, em função do braço de ferro que existe entre Republicanos e Democratas; na UE, o apoio político não tem faltado, mas a sua concretização prática é demorada; e a guerra no Médio Oriente, infelizmente, desviou atenções e dividiu apoios.
- Para o futuro, relevante mesmo é o fator tempo. E infelizmente ele joga a favor da Rússia. Primeiro, porque militarmente está a conquistar território ucraniano; segundo, porque politicamente espera a vitoria de Trump, nos EUA; terceiro, porque há o risco de alguma fadiga na Europa; quarto, porque no horizonte também pode existir o perigo da perda de confiança entre os ucranianos.
- Numa guerra decisiva para os valores democráticos e para os interesses europeus, o ambiente é mais pesado do que nunca. E pode tornar-se mais pesado se Biden deixar de ser Presidente. Se tal acontecer, vai ser inevitável uma nova e importante alteração estratégica na Europa: uma nova aproximação do Reino Unido à UE para, em conjunto, representarem o ocidente no indispensável apoio militar à Ucrânia.