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Luís Marques Mendes 06 de Novembro de 2022 às 21:22

O Banco de Portugal devia fazer pedagogia a favor da taxa fixa

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o aumento do custo de vida, as medidas do Governo para o crédito à habitação, as eleições no Brasil entre outros temas.

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INFLAÇÃO E CUSTO DE VIDA

1. Há duas semanas, o cabaz alimentar da DECO Proteste, composto por 63 produtos essenciais, registava desde o início da guerra um aumento de 17%. O maior aumento de sempre. Esta semana, o valor é ligeiramente mais baixo: 14,8%. É um sinal ainda muito insuficiente. As pessoas, ao fazerem as suas compras, ainda não notam qualquer diferença. Mas, se esta tendência se confirmar nas próximas semanas, será uma notícia positiva.

2. Entretanto, segundo uma sondagem desta semana (Intercampus), percebe-se que os portugueses já estão a fazer cortes significativos nas suas despesas: na ida a restaurantes (92,5%); na compra de roupa (88,5%); no entretenimento (87%); em viagens (86%); na energia (77%); e na alimentação (54%).
Ou seja, os apoios sociais concedidos pelo Governo são importantes, mas não alteram a predisposição geral dos cidadãos: cortar nas despesas para evitar males maiores. São prudentes e fazem bem. O futuro é muito incerto.

3. Neste combate pela ajuda aos mais vulneráveis, há três destaques a fazer:
• Algumas empresas estão a dar apoios financeiros complementares aos seus trabalhadores. Foi o caso dos Bancos Santander e BCP. É de saudar e esperar que outras empresas façam o mesmo.
• A ProDouro, uma associação vitivinícola do Douro, escreveu ao Governo a pedir que haja um tratamento fiscal semelhante aos dos 125€, no caso de serem as empresas a pagar um apoio adicional aos seus trabalhadores. Seria bom que o Governo tivesse abertura para tal.
• O Presidente da Confederação das IPSS, o Padre Lino Maia, pediu uma taxa de IVA 0% para a alimentação nestas instituições: faz todo o sentido. As despesas das IPSS são enormes e as solicitações por parte dos mais pobres são cada vez maiores.

O CRÉDITO À HABITAÇÃO

1. Finalmente, o Governo decidiu tomar medidas em favor de renegociação de contratos de crédito à habitação. Ainda bem que o fez depois das hesitações iniciais. Em qualquer caso, há muitas dúvidas no ar: estas medidas são suficientes? Vão mesmo melhorar a vida das pessoas? Vejamos o impacto destes aumentos num crédito médio de 125 mil euros:
• Empréstimo com prestação inicial de 385 Euros em janeiro de 2022: em Novembro a prestação já tem um aumento de 41%, em Janeiro próximo estima-se que terá um aumento de 51% e em Julho de 2023 um aumento de 63%. São valores assustadores.
• Em qualquer caso, o importante agora é que os Bancos apliquem as novas regras, com vontade e com sensibilidade.

2. Esta é a questão imediata e urgente a resolver. Mas a questão de fundo é outra: milhares de famílias estão com este problema porque a grande maioria tem contratos com taxa variável. Se tivessem contratos com taxa fixa, o problema não se colocava com a mesma gravidade. Ora a verdade é esta:
• Segundo os dados do BCE, a tendência maioritária da Zona Euro é para contratos de crédito à habitação com taxa fixa. A média da Zona Euro é de apenas 23% de contratos com taxa variável. Em Portugal, este valor é de 68,9%. E a maioria dos países da Zona Euro, 11 em 19 (a Grécia não tem dados actualizados), privilegia os contratos com taxa fixa. Portugal está em contraciclo, com riscos maiores.
• Por que é que isto sucede em Portugal? Porque o BP, enquanto regulador, não fez a pedagogia em prol da taxa fixa. E devia fazê-lo. Somos um país com uma débil literacia financeira. Como também os Bancos. Com exceção do BPI, que no passado chegou a fazer campanhas públicas em favor da taxa fixa, a generalidade dos Bancos tem preferido deixar "correr" a situação. Por isso, estamos aqui.

MAIS INVESTIMENTO E EMPREGO?

1. A guerra, a inflação e a subida dos juros são as notícias que mais marcam a atualidade. E com toda a razão: são estes factos que influenciam negativamente o nosso dia a dia. Mas também há notícias positivas. É o caso do investimento direto estrangeiro. Vejamos alguns dados relevantes:
• Até Outubro deste ano, segundo dados da AICEP, foram aprovadas 42 novas decisões de investimento direto estrangeiro em Portugal. É, em termos anuais, o valor mais alto de sempre em decisões sobre IDE.
• Estas decisões de investimento direto estrangeiro em Portugal significam: primeiro, a criação de 6.800 novos postos de trabalho; segundo, são projetos já contratualizados que ascendem a mais de 2 mil milhões de Euros de investimento.

2. Esta tendência podia ser ainda mais positiva se, por exemplo, o PRR avançasse mais depressa. Infelizmente, como aqui tenho dito, está muito atrasado na sua execução. Vejamos: até ao momento, dos 16,6 mil milhões de euros iniciais, só estão pagos mil milhões, ou seja, 6% do total. É manifestamente pouco. O PRR já tem mais de um ano de vigência.

3. Acresce que há um fenómeno que está a dar-se na "reorganização" da globalização, que começou antes da guerra e que a guerra pode potenciar:
• Há uma tendência de empresas a deslocalizarem-se da Ásia para a Europa e da Europa de Leste para a Europa do Sul.
• Portugal pode ser beneficiário desta situação. As autoridades portuguesas, designadamente a AICEP, já tiveram contactos nesse sentido.
• Não devemos embandeirar em arco. A economia em 2023 vai arrefecer. Mas estes sinais, mesmo assim, não deixam de ser positivos.

A MUDANÇA DE LÍDER NO PCP

1. De surpresa, o PCP anunciou a mudança de líder. Faz sentido?
• A mudança era inevitável. Sobretudo, por razões políticas. Os últimos anos foram "fatais" para o PCP. O partido cometeu três erros clamorosos. Primeiro, um erro estratégico: a geringonça. O PS ganhou com a solução. O PCP perdeu e pagou um fortíssimo preço eleitoral, em eleições autárquicas e nacionais. Segundo, um erro de avaliação: o chumbo do último OE. Não perceber que o PCP ia ser fortemente penalizado foi um erro sem descrição. Finalmente, um erro de posicionamento internacional: a posição sobre a guerra na Ucrânia. Só para se manter contra os EUA e a NATO, o PCP desbaratou o que restava do seu capital político, colocando-se ao lado da Rússia. Pior era difícil.
• O momento da mudança é correcto. A ter que mudar é logo no início da legislatura. Para dar tempo ao novo líder para se afirmar. Ainda por cima um líder que não é deputado nem tem a visibilidade parlamentar.
• O novo líder pode mudar de estilo, mas não muda a linha política. Primeiro, porque no PCP o colectivo manda mais que o líder; depois, porque Paulo Raimundo, do que se conhece, é ligado à ortodoxia do PCP; terceiro, porque o PCP já chegou a uma fase em que já não tem alternativa: se muda de orientação, descaracteriza-se e perde; se mantém a orientação, envelhece e perde à mesma. Na política há um tempo para tudo. O PCP perdeu o tempo em que podia mudar.

2. O PCP deve estar eternamente grato a Jerónimo de Sousa. Durante anos, ele adiou a queda do PCP. Fruto da sua simpatia, honestidade, correção e autenticidade. Sem Jerónimo de Sousa, o PCP já teria caído mais cedo. Há milhões de portugueses que não votam no PCP, mas que têm uma relação empática com Jerónimo de Sousa. Esta relação ajudou muito o PCP. É tempo de o partido prestar a Jerónimo de Sousa a homenagem que ele merece.

A ENTREVISTA DE MIGUEL ALVES

1. Primeiro, o comportamento: é inqualificável que o novo SE tivesse demorado tanto tempo a dar explicações. E só o fez porque foi grande a pressão política e mediática. Doutra forma, nunca o faria.

2. Depois, as explicações. Não há nenhuma explicação convincente. O SE fala, fala, fala, mas não consegue explicar tanto descuido e tanta negligência. Adiantar 300 mil de euros, sem garantias bancárias por exemplo, num negócio em que o empreendedor, ainda por cima, não tem antecedentes credíveis, não é um bom ato de gestão. É, no mínimo, descuido e negligência. Foi por isso que Miguel Alves tentou evitar falar. Não tem qualquer explicação cabal.

3. Terceiro, a falta de coerência. Em 2017, houve três Secretários de Estado que saíram do Governo por irem ser constituídos arguidos, na sequência do chamado GalpGate (viagens ao Euro com bilhetes oferecidos pela Galp). O PM, na altura, condescendeu com a nobreza desta atitude. Agora, o mesmo PM convida para o Governo um SE que é arguido não em uma, mas em duas investigações. E o próprio SE, ao contrário dos seus antecessores, não vê qualquer problema nesta situação. Manifestamente, a coerência não é o forte destes governantes!

ELEIÇÕES: BRASIL E EUA

1. As eleições no Brasil foram um alívio para todo o mundo. Toda a gente se queria ver livre de Bolsonaro. Uns porque é um populista radical; outros porque isolou o Brasil; outros ainda, porque é um básico e impreparado. A prova é que foram vários os Países que rapidamente felicitaram Lula pela vitória e que se apressaram a declarar que as eleições foram limpas.
• Quanto a Bolsonaro confirmou-se tudo o que se previa: não tem cultura democrática; não é capaz de reconhecer a derrota; e está cheio de medo em relação ao futuro. Incluindo medo de ser preso. Ele tem sobre si várias investigações judiciais. E vai deixar de ter imunidade. A verdade é que a sua grande preocupação foi a de negociar com o líder do PL várias mordomias para o futuro, incluindo advogados para o defender.
• Quanto a Lula da Silva, fez um excelente discurso de vitória; vê-se que vai governar ao centro e que vai viajar muito, começando já pela COP 27, no Egipto, para afirmar uma imagem de estadista; mas o fantasma da corrupção acompanha-o para todo o lado. Se não fosse este fantasma, Bolsonaro não teria tido o grande resultado que teve!

2. As eleições intercalares da próxima semana nos EUA, com uma provável "subida" dos Republicanos, podem ser um triplo risco político:
• O risco de Biden ficar com menos condições para governar;
• O risco de Trump voltar a candidatar-se em 2024, cenário cada vez mais provável.
• O risco do enfraquecimento do apoio político e militar dos EUA à Ucrânia. Os Republicanos não têm a mesma postura dos Democratas. Putin joga nesta divisão. Dividir para reinar.
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