Opinião
Marques Mendes: "SNMMP é o grande derrotado deste processo grevista" e Governo "o maior vencedor"
As notas da semana de Marques Mendes no seu habitual comentário na SIC. Marques Mendes fala sobre a greve dos motoristas e sobre os mais recentes dados económicos.
GREVE – BALANÇO DA ACÇÃO DO SINDICATO
- Desconvocação da greve: foi a melhor notícia para todos. Para o sindicato, porque já estava demasiado fragilizado. Para o Governo, que fica aliviado. Para o país, que corria o risco de se fartar desta greve.
- Os camionistas saem vitoriosos. O sindicato de Pardal Henriques, esse, foi o grande derrotado. Expliquemos: Graças à negociação da FECTRANS e do SIMM, os camionistas tiveram aumentos salariais importantes para 2020 (entre 10% e 20%) e melhorias significativas noutras regalias sociais. Ainda bem. É fundamental que esta melhoria salarial prossiga no futuro. A actividade de camionista é uma actividade pesadíssima, de enorme desgaste, que merece respeito e protecção.
- O Sindicato dos Motoristas das Matérias Perigosas é o grande derrotado deste processo grevista. Perdeu em toda a linha.
- Primeiro: queria parar o país, como tinha feito em Abril. Não conseguiu.
- Segundo: viu a FECTRANS e o SIMM conseguirem importantes ganhos salariais. Enquanto isto, o sindicato de Pardal Henriques sai de mãos vazias.
- Finalmente: o que conseguiram agora – um processo de mediação – foi a mesma coisa que recusaram há 15 dias, quando o Ministro Pedro Nuno Santos lhes propôs um processo de mediação. Tiveram entradas de leão e saídas de sendeiro!
Dá-lhes para salvar a face mas não esconde as suas enormes fragilidades: agiram sem estratégia, estiveram isolados da opinião pública, andaram aos ziguezagues e foram mal orientados ou assessorados.
GREVE – BALANÇO DA POSIÇÃO DO GOVERNO
- Ao contrário do sindicato, o Governo tinha uma estratégia, com objectivos claros, que conseguiu cumprir na totalidade:
- Primeiro objectivo: impedir que o país parasse. Conseguiu. O Governo impôs autoridade, foi respeitado e o país não foi bloqueado.
- Segundo objectivo: não fechar nunca as portas do diálogo. Por isso, propôs-se mediar o conflito antes da greve. Ajudou nos acordos com a FECTRANS e com o SIMM. Nunca abandonou a posição de mediação.
- Terceiro objectivo: isolar o Sindicato dos Motoristas das Matérias Perigosas, "obrigando-os" a recuar e a suspender a greve para haver negociações. Conseguiu o seu objectivo.
- Por tudo isto, o Governo é o maior vencedor deste processo. Tinha andado aos bonés na greve de Abril. Sai vitorioso agora, fruto do seu profissionalismo e dos tiros nos pés que os sindicatos deram. Uma vitória que o vai ajudar, e muito, nas eleições de Outubro. António Costa tinha aqui a sua grande prova de fogo. Goste-se ou não se goste do Governo, a verdade é que se saiu bem.
Duas criticas, apenas: primeira, ver a GNR a ir a casa de grevistas não é um gesto de autoridade. É um tique de autoritarismo. Segunda, António Costa governamentalizou em excesso esta greve. Nalguns momentos foi uma overdose de exposição mediática. Houve dias com três e quatro ministros nas várias televisões. Uma encenação exagerada em que até Pardal Henriques parecia o líder da oposição. Não havia necessidade.
GREVE – A ATITUDE DA OPOSIÇÃO
- A oposição não tinha grande espaço de manobra. Sejamos sérios: se PSD e CDS estivessem no poder, teriam tomado decisões praticamente iguais às do Governo. Como aconteceu no passado, com Passos Coelho, até em circunstâncias menos delicadas do que estas.
- Posto isto, em vez de falar na 25ª hora, o que o líder do PSD devia ter feito era o seguinte: Rui Rio devia ter interrompido as suas férias antes da greve começar, devia ter reunido com o Governo, com os sindicatos e com os patrões, devia ter feito exigências a todos de diálogo e abertura negocial e devia ter-se antecipado ao Governo nas questões da defesa do interesse público e da autoridade do Estado. Marcava a agenda, condicionava o Governo e, a seguir, teria mais autoridade para o criticar, se fosse o caso.
- Não tendo feito isso nada disso, ficam duas sensações: primeiro, a sensação de que Rio só falou porque foi pressionado pelas críticas da comunicação social e dos seus companheiros de partido; segundo, que Rui Rio disse coisas certas no tempo errado – disse que o Governo andou mal no princípio e que passou a andar bem na parte final. Ora, a verdade é que quando o Governo andou mal Rio esteve calado. Quando o Governo passou a andar bem é que Rio veio dar uma conferência de imprensa. Convenhamos que é uma forma estranha de fazer política!!
LIÇÕES A TIRAR DA GREVE
- No plano da democracia, houve uma grande vitória: a vitória da autoridade democrática do Estado. Imagine-se que se repetia o pandemónio de Abril. Era o poder na rua e a autoridade do Estado pelas ruas da amargura. Felizmente isso não sucedeu. O Estado funcionou. Vitória da democracia.
- No plano político-sindical, houve um grande derrotado: o populismo sindical que teve em Pardal Henriques o seu maior protagonista. Esta derrota foi boa para a democracia e para o sindicalismo livre e responsável.
- Ainda no plano sindical, outra conclusão a tirar: o sindicalismo independente, não ligado a partidos e centrais sindicais, tem muitos méritos. Desde logo, o mérito de ser menos politizado e menos partidarizado. Mas tem ainda muito a aprender – tem de ser menos radical e populista, tem de ter mais visão estratégica, mais organização e maior capacidade negocial.
- Finalmente, espera-se que a ANTRAM não tenha agora a tentação de humilhar ou encurralar os sindicalistas. O sindicato falhou mas os camionistas merecem o maior respeito e atenção.
ECONOMIA – PORTUGAL RESISTE
Os dados divulgados esta semana pelo INE e pelo Eurostat permitem concluir:
- Boas notícias para Portugal – A nossa economia está a crescer 1,8%, acima da média europeia. Está a resistir ao abrandamento da economia internacional.
Mesmo assim, não é razão para embandeirar em arco. As notícias podiam ser bem melhores – estamos a crescer acima da média europeia mas estamos a crescer menos que os países do nosso campeonato ( os países de Leste).
- Más notícias da Europa e do mundo:
- Da Europa: a Zona Euro está em claro abrandamento económico e a situação pode ainda piorar, porque a Alemanha corre o sério risco de entrar em recessão nos próximos meses.
- Dos EUA: também nos EUA se voltou a falar de recessão. Porquê? Porque, pela primeira vez desde a crise do subprime em 2007, houve uma inversão das taxas de juro da dívida pública (mais altas as taxas de juro das obrigações de curto prazo que as de longo prazo).
- Da China: a produção industrial em Julho cresceu (4,8%) mas cresceu muito menos que em Junho. É o pior resultado dos últimos 17 anos. É claramente o efeito negativo da guerra comercial com os EUA, com a imposição de novas taxas alfandegárias aos produtos chineses.
- É por estas e outras razões que Mário Centeno gostava muito de sair do Governo e ir para o FMI. É que, no futuro, vamos ter menos economia. Não teremos as mesmas condições que tivemos até aqui. Afinal, Portugal é uma economia muito aberta e muito dependente do exterior.