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28 de Março de 2021 às 21:31

Variante brasileira da covid: "Se forem repostos os voos da TAP para o Brasil, corremos riscos sérios"

As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre as duas semanas de desconfinamento, o processo da vacinação e a pandemia social, entre outros temas.

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DUAS SEMANAS DE DESCONFINAMENTO

 

  1. O estado da arte. Os dados continuam a ser positivos:
  2. Primeiro: o número de novos infetados, de internados e de doentes em UCI continua a diminuir;
  3. Segundo: há já vários dias que somos o melhor país na UE em número de infetados a 14 dias, com o segundo (Espanha) a enorme distância;
  4. Terceiro: o RT, o mítico factor de transmissibilidade, apesar de uma ligeira subida, ainda está abaixo de 1.

 

  1. Apesar dos números favoráveis, os riscos são enormes:
  • O maior é o risco do facilitismo da Páscoa. Se as pessoas relaxam e facilitam, podemos ter uma recaída séria.
  • A seguir, o risco das novas variantes do vírus que aí estão, mais contagiosas do que o vírus na sua forma tradicional.
  • Em terceiro lugar, o estado da Europa que não é bom e o estado do Brasil que é calamitoso. Se forem repostos os voos da TAP para o Brasil, corremos riscos sérios em relação à importação da variante brasileira.
  • E, finalmente, o estado da vacinação. Enquanto vacinamos ao ritmo a que estamos a vacinar, por falta de vacinas, o risco de novas vagas não desaparece do horizonte.

 

 

O PROCESSO DA VACINAÇÃO

 

  1. Comecemos pela Europa, onde está o problema. Em matéria de vacinação, este primeiro trimestre de 2021 foi um desastre. Começou com grandes expectativas e termina com uma enorme desilusão. Um exemplo: a UE está muito abaixo da vacinação nos EUA e no RU.
  • Apesar disso, o Conselho Europeu reuniu esta semana e nada aconteceu. Os líderes europeus decidiam não decidir – muita retórica, algumas ameaças mas nada concreto. Como diz Teresa de Sousa em artigo de hoje no Público, a UE exibe um estado deprimente.

 

  1. Balanço do primeiro trimestre de vacinação em Portugal. Dentro da escassez de vacinas, o balanço não é nada mau. Vejamos:
  • Pessoas com mais de 80 anos – 83% já inoculados;
  • Lares de idosos – 90% dos seus utilizadores com uma ou duas doses administradas;
  • Pessoas com doenças de risco (grupo 1 – doença cardíaca, coronárias, renal ou respiratória) – 67% inoculadas;
  • Profissionais de saúde – 94% abrangidos;
  • Serviços essenciais – 99% beneficiados com a vacina.

 

  1. O resultado final podia ser melhor. Mas também podia ser pior se Portugal, para poupar dinheiro, tivesse comprado fundamentalmente vacinas da AstraZeneca, a mais barata. Que foi o que fizeram a Áustria e mais sete países do Leste europeu. Estaríamos neste momento numa situação dramática. O problema da escassez de vacinas é sobretudo com a vacina da AstraZeneca.

 

  1. Sem embandeirar em arco, há agora melhores notícias para o futuro:
  2. Vacinas do 1º trimestre (Janeiro, Fevereiro e Março – 2.344.530
  3. Previsão de vacinas para o 2º trimestre (Abril, Maio e Junho) – 8.864.494 (quase 4 v4zes mais que no 1º trimestre). Mas ainda são previsões.
  • Vacinas a receber em Abril e já asseguradas – 1.764.980. Num só mês vamos receber praticamente o mesmo que recebemos num trimestre, através da seguinte distribuição: Pfizer – 1.076.400; AstraZeneca – 468.980; Moderna – 133.200; Janssen – 86.400.

 

  1. Questões a explicar ou a resolver:
  2. Vacinação em massa dos professores. A primeira fase, durante este fim de semana, correu bem. Mas há uma questão que inquieta muitos professores: por que é que os professores que já tiveram Covid não são vacinados agora? Então quando vão ser vacinados? E aqueles que já tiveram a doença, estiverem imunizados, entretanto fizeram teste serológico e já deixaram de ter imunidade? Há aqui um problema que as autoridades têm de explicar.
  3. Prioridades da vacinação. O plano de vacinação inicial tem sido várias vezes alterado. Isso está a inquietar muita gente, sobretudo os mais velhos e os que têm doenças de risco na 2ª fase (diabéticos, hipertensos,etc). Estas pessoas receiam legitimamente ser preteridas. Talvez fosse boa ideia, agora, dar estabilidade ao Plano.
  4. Visitas e saídas dos Lares. A quase totalidade da população dos lares está vacinada. Assim, talvez fosse de recomendar a abertura dos lares para visitas aos seus idosos e até algumas saídas à rua, ainda que selectivas. Alguns já o estão a fazer. Outros não. O Governo podia dar alguma orientação.

 

 

PANDEMIA SOCIAL

 

  1. Apesar dos apoios sociais, há alguns sinais preocupantes de crise social:
  2. DesempregoO desemprego está a subir. Nos dois primeiros meses deste ano, aumentou em 30 mil o número de pessoas inscritas no IRFP.
  3. RSISó num mêsde Janeiro para Fevereiro – houve um aumento de 3 mil novos beneficiários do Rendimento Social de Inserção.
  4. HabitaçãoA situação é crítica. Como as pessoas mais vulneráveis não conseguem pagar as rendas da sua casa arrendada ou do seu quarto alugado, começam a surgir novos bairros clandestinos ou novas barracas em condições degradantes. Sobretudo na região de Lisboa, Porto e Setúbal.
  5. Imigração ilegalHá um conjunto de imigrantes ilegais a trabalhar em Portugal, designadamente brasileiros e nepaleses, que estão neste momento completamente desamparados. Trabalhavam, sobretudo, na restauração. Com a restauração fechada, estão actualmente sem emprego. Como são imigrantes ilegais, não têm qualquer apoio social.

 

  1. A situação, porém, corre o risco de piorar com o fim das Moratórias.
  2. Moratórias que terminam no fim de Março: têm a ver, sobretudo, com o crédito à habitação. Como não vão ser prorrogadas, as pessoas que tenham dificuldades devem contactar o "seu" banco e tentar renegociar as respectivas condições de pagamento. E devem fazê-lo antes de entrarem em incumprimento. Mais tarde pode ser tarde de mais.
  3. Moratórias que terminam em Setembro: são, sobretudo, as moratórias das empresas. Aquelas que podem conduzir a falência e a mais desemprego. Os sectores mais críticos são os do turismo, da hotelaria, restauração e afins, que estão literalmente fechados. Duas questões a ter em atenção:
  • Primeira questão, uma certeza. Estas moratórias não vão ser renovadas. Disse-o o Governador do BdP.
  • Segunda questão, uma novidade. O Banco de Fomento, por indicação do Governo, está neste momento a estudar soluções para mitigar o efeito do fim destas moratórias. Soluções que passam por duas vertentes: ou o apoio à recapitalização das empresas; ou o apoio através de novas linhas de crédito.

 

 

PR PROMULGA APOIOS SOCIAIS

 

  1. Não me surpreende a decisão tomada. Por razões fáceis de explicar: primeiro, o envio ao TC não era expectável. Marcelo entende há muito que o TC não deve ser usado para resolver questões que são essencialmente políticas; segundo, o veto político também não era provável, porque não teria efeito prático – a maioria parlamentar que aprovou estas leis confirmava a votação e o PR tinha de "engolir" em seco; terceiro, a promulgação sim, era para mim a decisão esperada, por exclusão de partes e por uma questão de coerência – o PR tem pedido o reforço dos apoios sociais. Não ia agora dar o dito pelo não dito.

 

  1. Esta decisão não é uma derrota do Governo. É fruto das circunstâncias politicas que se vivem, em que o Governo se colocou a jeito.
  2. Primeiro: este Governo tem um defeito de fabrico. É um governo minoritário. Ora, com governos minoritários é natural que periodicamente haja "coligações negativas". Já aconteceu assim com governos minoritários de Cavaco Silva, Guterres e Sócrates.
  3. Segundo: o Governo não tem maioria na AR mas comporta-se na prática como se fosse um Governo de maioria absoluta. Dialoga pouco com os outros partidos. Ora, um Governo minoritário tem mesmo que dialogar.
  4. Terceiro: em ano de eleições, a vida de um governo minoritário é ainda mais difícil. Todos os partidos querem fazer prova de vida e fazer oposição mais "musculada". O BE, depois do afastamento no último OE, passou à oposição; o PSD precisa de ser oposição mais forte do que tem sido, porque Rio tem um teste à sua liderança nas próximas autárquicas; e o PCP viabilizou o OE mas não pode andar todas as semanas a ser muleta do Governo, sob pena de ser arrasado nas eleições;

 

  1. O Governo pode agora recorrer ao TC. Tem esse direito jurídico. Politicamente, é uma falsa solução:
  • Querer contrariar o discurso social da oposição com um discurso jurídico que poucos entendem só conduz ao isolamento do Governo.
  • Em tempo de crise social ninguém percebe que o Governo esteja contra pequenas melhorias nos apoios aos sócios-gerentes de micro e PME, aos trabalhadores independentes e aos profissionais de saúde.
  • Estas "coligações" negativas vão multiplicar-se no futuro. O Governo só tem um caminho: dialogar e reforçar a sua base de apoio. A alternativa não é possível: era o Governo afrontar o Parlamento, demitir-se e provocar eleições antecipadas. Não tem condições para isso.

 

 

SÓCRATES E LULA DA SILVA

 

  1. Os processos judiciais que envolvem Lula da Silva e José Sócrates não são iguais. Mas podem ter algo em comum – uma reviravolta. O processo do ex-Presidente brasileiro já teve – voltou à estaca zero e Lula da Silva, pelo menos para já, está livre. O processo do ex-PM português pode vir a ter. Depende da decisão a anunciar pelo Juiz de Instrução a seguir à Páscoa.

 

  1. A reviravolta que houve no Brasil foi má para a política e para a justiça:
  2. Má para a política. Em milhões de brasileiros fica a ideia de que os políticos se safam sempre. É certo que Lula não foi absolvido. O processo voltou ao início por uma questão processual. Mas a percepção pública é outra – é a ideia de que Lula "se safou", apesar de muita gente o achar responsável por muita corrupção no Brasil.
  3. Má para a justiça. O Juiz Sérgio Moro, que já foi uma estrela, sai muito abalado neste processo. Fica a ideia de que não foi imparcial e de que o que o movia neste processo não era o combate à corrupção mas sim o combate político a Lula da Silva, para evitar a sua candidatura presidencial.

 

  1. Em Portugal, com a Operação Marquês, pode também haver reviravolta. Para já, uma coisa é certa – vai haver um abalo forte, ou na política ou na justiça.
  2. Se Sócrates for a julgamento, sobretudo pela acusação de corrupção, é um abalo na política. Um ex-PM pronunciado por corrupção por um Juiz e já não apenas acusado pelo Mº Pº. é um abalo na política. Nunca aconteceu.
  3. Se Sócrates não for a julgamento, sobretudo pela acusação de corrupção, é um abalo na justiça, sobretudo na credibilidade do Mº Pº. Pode dizer-se que tudo isso é o normal funcionamento da justiça. Formalmente é verdade. Mas na percepção pública as coisas não são vistas assim. Aí a ideia é que os políticos e poderosos se safam sempre. É um abalo na confiança dos cidadãos na justiça. É bom que PR, Governo e PGR estejam preparados para o assunto.
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