Opinião
Marques Mendes: Os países ricos estão a falhar duplamente: na solidariedade e na saúde pública
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre as medidas de combate à pandemia, o estado da vacinação e a reeleição de Rui Rio, entre outros temas.
AS MEDIDAS DE COMBATE À PANDEMIA
- As medidas anunciadas pelo PM são, sobretudo, quatro: reforço da vacinação; reforço do uso de máscara; reforço da testagem; reforço do controle de fronteiras.
Parecem, globalmente falando, medidas equilibradas, sensatas e razoáveis. E foram bem explicadas. Desta vez o Governo esteve bem: na decisão e na comunicação.
- Falta apenas saber se no futuro serão suficientes. Uma das grandes dúvidas resulta da nova variante (OMICROM).
- É uma variante ainda pouco conhecida dos especialistas, mas está a suscitar um pânico generalizado: nas bolsas, nos governantes, nos responsáveis da saúde. Em toda a gente e em todo o lado.
- Pode não ser uma variante mais letal que todas as outras. Mas há o risco de ser mais contagiosa e transmissível.
- Há meses que digo que, em termos pandémicos, África é uma bomba-relógio. Os factos aí estão a prová-lo. Esta variante "nasceu" em África. Ora, África é o continente com menor cobertura vacinal. Só 7,2% da sua população tem a vacinação completa. Assim, o risco de surgimento de novas variantes é enorme. Os países ricos e desenvolvidos andam a brincar aos egoísmos nacionais. Se abrissem os cordões à bolsa e fizessem aos países mais pobres e subdesenvolvidos as doações de vacinas que se impõem, nada disto acontecia. Os Países ricos estão a falhar duplamente: na solidariedade e na saúde pública.
O ESTADO DA VACINAÇÃO
- Comecemos com duas boas notícias: a primeira é que o processo relativo à terceira dose está a acelerar (esta semana foram administradas cerca de 330 mil novas doses e o objectivo de 1,6 milhões em 19 de Dezembro está ao alcance); a segunda é que a vacinação de jovens entre os 12 e os 18 anos está em valores especialmente elevados. São já 543 mil jovens, nesta faixa etária, com a vacinação completa (89% dos jovens elegíveis).
- Falando agora de futuro. Há várias interrogações que estão na cabeça dos portugueses. E há questões que importa esclarecer. Vejamos as essenciais:
- Primeira questão: as crianças entre os 5 e os 11 anos vão ser vacinadas? Pelo que apurei, a Comissão Técnica da Vacinação vai recomendar a vacinação. É certo que há divergências entre os pediatras. Uns são a favor. Outros não. Mas CTV e a DGS vão seguir a recomendação internacional da EMA. Os benefícios são maiores que os riscos. Serão abrangidas cerca de 643 mil crianças. Que tomarão uma dose mais pequena que os adultos.
- Segunda questão: vai haver terceira dose para adultos abaixo dos 65 anos? É provável. ECDC e CE fizeram recomendação nesse sentido. A Comissão Técnica de Vacinação Nacional ainda não se pronunciou.
Esta fase deverá avançar: depois da terceira dose aos maiores de 65 anos, depois da segunda dose aos vacinados da Janssen e depois da vacinação das crianças.
- Terceira questão: quando recebem a terceira dose as pessoas abaixo dos 65 anos com comorbidades e que foram prioritárias na 1ª fase da vacinação?
Ainda não se sabe. A DGS deu prioridade ao factor idade. É o que mais pesa nas hospitalizações e mortes. Mesmo assim, a DGS está a fazer uma reavaliação desta situação. Difícil de compreender que tenha tido prioridade antes e não agora.
- Quarta questão: o Certificado Digital Covid só assinala 2 doses. Quando registará a terceira?
Actualmente o Certificado ainda não faz referência à terceira dose. Mas a última data registada de vacinação já é essa, quando existe. Países da UE estão a consensualizar forma de actualizar o Certificado. No entretanto, o Certificado continua válido para viajar.
- Quinta questão: as visitas a idosos nos lares são possíveis ou houve mudanças?
As visitas continuam a ser autorizadas. Passou apenas a ser exigível que o visitante tenha teste negativo.
- Sexta questão: e as saídas dos idosos dos lares. São possíveis?
Sim. Podem sair, de acordo com a orientação da DGS. Se a saída for inferior a 24 horas, não é preciso nem teste nem quarentena. Se for superior a 24 horas, o teste é necessário.
A REELEIÇÃO DE RUI RIO
- Foi uma grande vitória política e pessoal de Rui Rio. Rio ganhou ao aparelho partidário; e ganhou às expectativas. Pode haver muitas explicações para esta vitória, mas a principal é esta: venceu a lógica do poder. O PSD é um partido pragmático e de poder. Tem um enorme instinto de poder. Vota naquele que em cada momento considera que lhe dá mais garantias de chegar ao poder. Neste plano, os dados favoreciam claramente Rui Rio.
- Primeiro: as sondagens. Certas ou erradas, as sondagens diziam que Rio era o preferido dos portugueses como candidato a PM. O melhor posicionado para vencer António Costa. As sondagens, nestes momentos, têm muita força. Os militantes tendem a seguir o sinal que vem dos portugueses. Já foi assim em 2014, na disputa no PS entre Seguro e António Costa. Seguro tinha o aparelho. Costa tinha as sondagens. Ganhou.
- Segundo: a eficácia política. Rui Rio foi mais eficaz que Rangel. Conseguiu colocar esta eleição no ponto que mais lhe convinha: tratava-se de escolher o melhor candidato a PM e não o melhor líder da oposição. E goste-se ou não, teve uma mensagem clara. Desde logo, na questão da governabilidade. Se ganhar, governa; se perder viabiliza quem governa. A clareza ajuda. Ou seja: Se não houvesse eleições legislativas á porta, provavelmente Rangel ganharia. É mais visto como líder da oposição. Só que o tempo era outro. As eleições antecipadas favoreceram Rui Rio.
- Terceiro: o aparelho partidário. Rio bipolarizou o discurso com habilidade: Rangel representava o aparelho; ele, Rio, representava o país. Colou Rangel à logica do aparelho. Ora, a cultura de aparelho não é popular, nem nas bases do partido nem no país. Ser do aparelho tem uma carga politica negativa.
- Rui Rio parte agora para as eleições legislativas com um estatuto muito reforçado. Esta vitória não lhe dá só legitimidade: dá-lhe força, confiança e autoridade. É a ideia de que ganha contra tudo e contra todos.
- Ironia das ironias: se estas directas tivessem sido adiadas, como queria Rui Rio, a sua posição perante António Costa estaria diminuída. Como as directas se fizeram e Rio as ganhou, a sua posição está reforçada. Acresce que, se perdesse as eleições nacionais, sem antes ter feito directas, Rio teria que sair; agora, mesmo que perca em Janeiro, ninguém vai exigir a sua saída. O líder do PSD ganhou em ambos os tabuleiros.
O NOVO GOVERNO ALEMÃO
- Esta semana ficou definitivamente fechado o acordo político entre sociais-democratas, Verdes e Liberais para o novo governo alemão. E, como tudo o que se passa na Alemanha é vital para a UE e para Portugal, vejamos o essencial:
- Pastas e responsabilidades
- Sociais democratas (SPD): vão ter o novo chanceler e as pastas sociais, incluindo a Saúde, que corresponde ao grande desafio do momento, face ao descontrole da pandemia;
- Os Verdes terão o Ministro Negócios Estrangeiros e ficarão com a responsabilidade da Transição Energética e Climática;
- Os Liberais (FDP): ocuparão a poderosa pasta das Finanças e terão ainda a seu cargo os dois importantes dossiers da Digitalização e Transportes.
- Novidades da Coligação Semáforo:
- Idade para votar – vai baixar dos 18 para os 16 anos
- Aumento do SMN- passa de 9,6 para 12 Euros por hora
- Criação de uma espécie de salário mínimo garantido
- Grande aposta na digitalização
- Grande investimento nas energias renováveis (80% em 2030)
- Fecho das centrais a carvão até 2030
- Forte impulso na habitação (400 mil novos habitantes)
- Legalização da Canábis
- Finalmente, um dado estatístico com significado político: na Alemanha a estabilidade é mesmo levada a sério. Só 3 líderes – Konrad Adenauer, Helmut Kohl e Angela Merkel – são responsáveis por 46 anos de governação. Adenauer, 14 anos no poder; Kohl, 16 ; Merkel, outros 16. Que diferença em relação a Portugal. Aqui, nos últimos 46 anos, tivemos 14 PM.
O CONGRESSO DO CHEGA
- Primeira nota: ideias à parte, André Ventura é parecido com António Costa na habilidade para dar a volta a situações difíceis. É o caso do Governo Regional dos Açores: primeiro, Ventura queria derrubar o Governo; depois, foi desautorizado pelo seu deputado regional; agora, promove a Vice Presidente o deputado que o desautorizou para tentar mostrar que está tudo no melhor dos mundos. É a chico-espertice em todo o seu esplendor.
- Segunda nota: Ventura é o mestre no tacticismo político. Passou a maior parte do Congresso a atacar o PSD. Com uma violência inaudita. Chamou-lhe mesmo uma espécie de PS2. Ou seja: Ventura deseja entender-se e coligar-se com o PSD. No entretanto, transforma-o no bombo da festa e quer encostá-lo à esquerda. É o cúmulo do tacticismo.
- Terceira nota: André Ventura coloca as expectativas muito altas para a eleição de 30 de Janeiro. Quer ser o terceiro partido. Quer subir para os 15%. É bom que os líderes tenham ambição. Mas a verdade é que o líder do Chega tem um problema: com eleições fortemente bipolarizadas, os extremos normalmente perdem. Não está em causa a subida do Chega. Claro que vai subir. A questão é se vai subir assim tanto quanto as ambições declaradas.