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Luís Marques Mendes 04 de Fevereiro de 2024 às 21:24

Marques Mendes: "O próximo governo vai ter de resolver o erro que o primeiro-ministro criou"

No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a sondagem SIC/Expresso, o crescimento do Chega e os desafios do PS e da AD, entre outros temas.

SONDAGEM SIC/EXPRESSO

 

  1. Uma sondagem desafiante: primeiro, porque mostra que está tudo em aberto, com um empate técnico entre PS e AD; depois, porque revela um crescimento exponencial do Chega. Falta agora perceber o que esta sondagem significa em termos de representação parlamentar? Se fizermos uma simulação de distribuição de deputados, presumindo que a relação entre os resultados nacionais e os resultados de cada distrito se mantém estável, podemos chegar aos seguintes resultados:
  • O PS com 80 deputados; a AD com 76; o Chega com 55; a IL com 8; o BE com 7; o PCP com 3; o Livre com 1; o PAN sem qualquer deputado.

 

  1. O CHEGA é o caso desta sondagem. Merece uma atenção especial.
  • Cresce de 12 para 55 deputados. Mais do que o PRD em 1985(45).
  • Elege deputados em todos os distritos.
  • Cresce muito mais a Sul do que a Norte.
  • Lisboa, Setúbal e Alentejo: são as regiões onde tem mais peso.
  • É a segunda força política em seis distritos (Beja, Évora, Faro, Portalegre, Santarém e Setúbal)
  • Conquista votos à AD, ao PCP e ao PS.

 

  1. Se este resultado do Chega se confirmar, podemos ter duas consequências sérias. A primeira, é imediata: dificilmente se consegue formar governo, á esquerda ou á direita. O País pode ficar bloqueado. Novas eleições no fim de 2024 ou início de 2025 podem tornar-se inevitáveis. A segunda consequência é estrutural: acaba o bipartidarismo PS/PSD que vigora desde o início da democracia; passamos a ter três grandes polos e não dois no nosso sistema político; e a governabilidade do País passa a ser cada vez mais difícil de alcançar. O voto é democrático e o povo é quem mais ordena. Mas vale a pena pensar nestas consequências.

 

O CRESCIMENTO DO CHEGA

 

  1. Porquê este tão grande crescimento do Chega? A questão é global e nacional. Global porque o crescimento da direita radical e populista é um fenómeno transnacional. No plano interno, destaco quatro razões:
  • Primeiro, a intuição política de André Ventura. Mesmo que não se goste das suas ideias, é difícil não lhe reconhecer intuição política.
  • Depois, a responsabilidade do PS. Andou estes anos a valorizar o Chega e a dar-lhe palco. Sobretudo no Parlamento. Isso tem consequências.
  • Terceiro, a culpa do PSD. Se o PSD tivesse feito uma oposição melhor e mais eficaz, o Chega não estaria onde está hoje. Um exemplo: Se Montenegro, na semana passada, tivesse advogado a saída de Miguel Albuquerque, Ventura não teria tido a avenida que teve pela frente.
  • Finalmente, porque os eleitores do Chega não são loucos, racistas ou xenófobos. São apenas pessoas zangadas e desiludidas. É preciso compreendê-las, respeitá-las e sobretudo dar-lhes esperança.

 

  1. Voltando à sondagem e quanto ao vencedor das eleições, está tudo em aberto. Com sinais de preocupação para todos.
  • A AD é quem deve estar mais preocupada. Primeiro, porque não está à frente nas intenções de voto. Depois, porque, se não conseguir fazer baixar o Chega, dificilmente ganha as eleições. É certo que tem potencial de crescimento. Mas uma coisa é ter potencial de crescimento. Outra coisa é crescer mesmo.
  • O PS também tem motivos de preocupação. Primeiro, porque crescer à esquerda já é muito difícil. O PCP já está no mínimo dos mínimos (3%) e o Bloco tem uma expressão reduzida (5%). Depois, porque repetir a geringonça é uma tarefa muito difícil.

 

OS DESAFIOS DO PS E AD

 

  1. Esta sondagem coloca desafios ao PS e á AD. O grande desafio político de Pedro Nuno Santos é tentar conquistar votos ao centro. Não apenas porque as eleições se vencem normalmente ao centro, mas porque à esquerda já não tem grande espaço de conquista.
  • Portanto, o líder do PS vai seguramente agitar o pesadelo do Chega, tentando desse modo encostar o PSD ao partido de André Ventura, na esperança de, por essa via, conquistar eleitores moderados do centro. É a nacionalização do ensaio da campanha açoriana. Se resulta ou não, só mais tarde saberemos.

 

  1. O desafio de Luís Montenegro é mais exigente. Ou muda rapidamente de atitude ou corre o risco de perder as eleições.
  • Primeiro, tem de ter um discurso de esperança. O populismo combate-se com esperança. Os indecisos conquistam-se gerando esperança. É preciso dar esperança às pessoas. Para isso, o líder do PSD precisa de fazer um forte discurso pela positiva, com propostas diferenciadoras.
  • Segundo, tem de fazer um forte apelo ao voto útil, junto dos potenciais eleitores do Chega. Já o devia ter começado a fazer. Apelar ao voto útil não é ameaçar os eleitores. É esclarecer. É chamar a atenção para o risco de um impasse, um bloqueio, uma incapacidade de formar governo. No limite, o risco de novas eleições, uns meses depois. No final, os eleitores decidem. Esclarecidos, decidem com maior conhecimento de causa.

 

A ECONOMIA E A DÍVIDA

 

  1. No meio de mais uma semana agitada, registam-se pela positiva duas boas notícias para o país e para o Governo:
  • A primeira, sobre o crescimento económico. Portugal teve o melhor crescimento da Europa no último trimestre de 2023. E termina o ano com um aumento do PIB muito acima da média europeia.
  • A segunda, sobre a redução da dívida: fechámos o ano com uma dívida pública bastante mais baixa do que se pensava: em termos absolutos e em percentagem do PIB. É um resultado histórico.

 

  1. É certo que para a redução da dívida contou bastante o aumento da receita fiscal: mais 5,6 MM€ acima do previsto. E uma não execução total do investimento previsto: menos 2,6 MM€ abaixo do projetado. Mas nada disto afasta o caráter histórico deste resultado: desde 2009 que a dívida pública não estava abaixo da barreira histórica dos 100% do PIB; e uma redução de 9,4 MM€ no valor absoluto da dívida é algo relativamente inédito em democracia. Só aconteceu uma vez, em 2021.

 

  1. Este é o melhor legado dos governos de António Costa. Manda a verdade que se diga que Fernando Medina fez história. A inflação e os impostos ajudaram, mas o MF teve o mérito de não desaproveitar a oportunidade. O País e as novas gerações agradecem.

 

E por falar em novas gerações, é importante saudar um Manifesto que foi divulgado esta semana, intitulado TER VOZ NA MATÉRIA, promovido por vários jovens e subscrito por muitas figuras públicas. É um desafio notável: jovens que sonham, que acreditam, que não desistem de Portugal, que querem participar e ser parte da solução. Vale a pena ler e apoiar.

 

INDISCIPLINA NA PSP?

 

  1. O Presidente do Sindicato Nacional da Polícia disse ontem que as eleições de março podem não se realizar: "quem transporta as urnas de voto são as forças de segurança". Insinuando, assim, que PSP e GNR podem boicotar as eleições.
  • Esta ameaça, apesar de ligeiramente "corrigida" hoje, é inaceitável. Primeiro, porque é uma insinuação de indisciplina, insubordinação e desafio ao Estado de Direito. Depois, porque parece presumir o incumprimento da lei por parte de quem tem justamente o dever de a fazer respeitar. Um gesto que não pode ser tolerado.

 

  1. Uma coisa são as justas reivindicações da PSP e da GNR. O Governo cometeu um erro brutal ao aumentar o suplemento da PJ e não fazer o mesmo para a PSP e GNR. Todos já reconheceram a justeza das pretensões dos agentes policiais. O próximo governo vai ter que resolver o erro que o PM criou.
  • Outra coisa, são as formas de protesto. Protestos dentro da lei, muito bem. Protestos à margem da lei, com indisciplina, desrespeito da autoridade e até com risco para a segurança dos cidadãos, como ontem se viu em Famalicão, nem pensar. Não pode haver contemplação ou meias palavras. Com a lei e a segurança das pessoas não se brinca. É também desta forma que os agentes policiais perdem a razão que têm. Uns poucos, com os seus exageros, poem em causa a razão de todos.

 

  1. Questão distinta é a "revolta" dos agricultores. Aqui o mal-estar é antigo, europeu e nacional. As razões são variadas: burocracia de Bruxelas, concorrência desleal, perdas de rendimento, reforma climática. Mas o essencial é outra questão: os agricultores sentem-se o parente pobre da economia. Além de apoios, querem sobretudo atenção, consideração e respeito. O que não tem existido. O país está cada vez mais urbano, é verdade. Mas o país urbano não pode esquecer o país rural. Assim, não se faz coesão.
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