Opinião
Marques Mendes: O atentado vai beneficiar de forma decisiva a eleição de Donald Trump
No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o atentado a Trump, a entrevista da PGR e as listas de espera no SNS, entre outros temas.
O ATENTADO A TRUMP
- Duas palavras iniciais: condenação e vergonha. Condenação por esta tentativa de assassinato. Nada justifica um comportamento vil como este. Vergonha por isto acontecer não num país do Terceiro Mundo, mas num dos países mais desenvolvidos do Primeiro Mundo, em pleno século XXI. Isto é uma vergonha para a democracia americana.
- O atentado de ontem vai beneficiar de forma decisiva a eleição de Donald Trump. Trump pode ter alcançado ontem a eleição presidencial.
- Primeiro, porque muda de estatuto e posição. Até agora, Trump era o carrasco e o vilão. A partir de agora, Trump transforma-se num mártir e numa vítima. Consegue uma forte onda de simpatia popular. Nos EUA e fora dos EUA.
- Segundo, porque se complicou ainda mais a vida dos Democratas. Já estavam condicionados pela fragilidade de Biden; e pelas divisões internas em torno da sua desistência. Agora, têm mais uma forte dificuldade: como atacar um candidato que esteve quase a ser morto? Como atacar uma pessoa que passou a ser vítima? Como criticá-lo do ataque ao Capitólio, quando ele foi vítima de um atentado pessoal? É difícil.
- Terceiro, porque este caso muda o tom da campanha. De um lado, Trump, a vítima, o mártir, o corajoso. Do outro lado, Biden, frágil, à defesa e sem discurso. Não é difícil, assim, perceber quem vencerá. Só por muito azar Trump não ganha.
- Finalmente, a ironia das ironias. Trump é, ao mesmo tempo, o grande causador da violência política nos EUA e o seu maior beneficiário. Sempre se comportou como um incendiário. Elevou a violência política a níveis nunca vistos. Mas agora, com este atentado falhado, acaba a ser o grande beneficiário.
ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS
- Os principais partidos começaram já a preparar as próximas eleições autárquicas. Assim, começamos hoje também um processo de análise e de antecipação de potenciais candidaturas.
- Em Lisboa, o candidato da AD será naturalmente Carlos Moedas. Ganhou com surpresa no passado. Pode reforçar no futuro. As novidades estarão do lado do PS. Há dois nomes fortes na corrida: Alexandra Leitão e Mariana Vieira da Silva. E uma certeza: Duarte Cordeiro não será candidato. Nem em Lisboa nem fora de Lisboa.
- No Porto, há uma novidade: vai acabar a presidência de Rui Moreira. Assim, quer PS quer PSD vão fazer apostas fortes. Quanto ao PS, o candidato mais provável é Manuel Pizarro. Há muito tempo que prepara a candidatura. Do lado do PSD há também duas hipóteses marcantes: o Ministro Pedro Duarte e Miguel Guimarães, ex-Bastonário da Ordem dos Médicos.
- Coimbra é outro caso relevante, onde se prevê um confronto especial. Do lado do PSD é óbvia a recandidatura do Presidente da Câmara, José Manuel Silva. Do lado do PS, pode haver uma surpresa: Ana Abrunhosa, atual deputada e ex-Ministra.
- Faro é outro caso especial. O Presidente da Câmara (PSD) não pode recandidatar-se. Atingiu o limite de mandatos. Assim, está tudo em aberto. Do lado do PS, o candidato mais provável é António Pina, o atual Presidente da Câmara de Olhão. Do lado do PSD, o desejado é Macário Correia, antigo Presidente do Município e muito popular no concelho.
- Cascais é um caso particular. O carismático Carlos Carreiras termina a sua carreira autárquica. O PS quer apostar forte com a candidatura de uma figura nacional: António Mendonça Mendes. Do lado da AD, a candidatura provável é a do atual Vice-Presidente da CM, Nuno Piteira Lopes, figura com peso local.
- Finalmente, há duas questões políticas em aberto: será que em Lisboa haverá uma coligação à esquerda, liderada pelo PS? Será que desta vez a IL apoia Carlos Moedas? Dois temas que podem fazer a diferença.
100 DIAS DE GOVERNO
- O Governo não começou bem o seu mandato. As primeiras semanas foram hesitantes. Mas, depois da hesitação inicial, mudou de atitude e tem surpreendido. Pela iniciativa e capacidade de decisão. Há questões que merecem especial destaque:
- A resolução de alguns dossiês difíceis que herdou, designadamente dos professores, dos agentes da PSP/GNR, dos guardas prisionais e dos oficiais de justiça;
- A decisão sobre o novo aeroporto, altamente consensual;
- As propostas sobre o IRS Jovem e sobre a redução do IRC, ainda com desfecho incerto no Parlamento;
- As decisões sobre imigração e sobre o combate à corrupção;
- As resoluções sobre o Programa de Emergência na Saúde e sobre o Complemento Solidário de Idosos;
- A aceleração do PRR e a revisão do Programa da Habitação.
- Todas estas decisões criaram a imagem de um governo com forte iniciativa. Mas há também falhas a assinalar: por um lado, o facto de alguns dos programas apresentados serem demasiado genéricos; por outro lado, a circunstância de estar a faltar um plano de combate à burocracia; finalmente, o ruído que se instalou na Saúde. Não é nada benéfico para a imagem do governo.
- A grande surpresa destes 100 dias é, sem dúvida, o PM, Luís Montenegro. Começou com expectativas baixas. Muita gente achava que não estaria à altura das responsabilidades do cargo. Volvido este tempo, surpreendeu, ganhou estatuto e até, segundo as sondagens, é já mais popular que o ex-PM António Costa. Isto deve-se fundamentalmente;
- À sua capacidade de iniciativa e decisão;
- À sua postura de falar pouco e de ser assertivo quando intervém;
- Ao sentido de Estado que revelou ao apoiar António Costa;
- Á abertura que manifestou para fazer um Pacto de Regime com o PS em relação a uma reforma para a Justiça.
- Há agora três desafios delicados que o Governo tem pela frente: primeiro, a escolha do novo Comissário Europeu – uma escolha muito sensível; segundo, a proposta de novo PGR, que deve ser consensualizada com o PS – um perfil tipo Joana Marques Vidal seria o desejável; terceiro, a elaboração do próximo OE para 2025 em que é vital continuar a consagrar-se um excedente orçamental.
A ENTREVISTA DA PGR
- Concordo com o que já foi amplamente dito sobre esta entrevista. Pela positiva, a frontalidade. Pela negativa, a arrogância e a cultura corporativa. Mas o pior é o que ainda não foi dito: o vazio de ideias.
- Primeiro, há que reconhecer que foi uma entrevista frontal, sobretudo nas críticas feitas ao PR e à Ministra da Justiça. Pode-se até discordar das críticas. É o meu caso. Mas não pode deixar de se reconhecer que foi frontal. E eu aprecio pessoas frontais.
- Segundo, há que realçar que foi uma entrevista muito corporativa. Para a PGR, parece que tudo está bem no MP e que o MP não tem culpa de nada: quando algo corre mal a culpa ou é dos políticos, ou dos Juízes, ou dos oficiais de justiça. Do MP é que nunca. Isto é arrogância a mais e espírito de autocrítica a menos.
- Para mim, porém, o pior ainda não foi referido: é o completo vazio de ideias. É raro um PGR dar uma entrevista. Por isso, sempre que tal acontece, espera-se que a entrevista traga algo de novo e de marcante. Que traga soluções. Que tenha uma perspetiva construtiva para o futuro. Neste plano, a entrevista é uma desilusão. Não trouxe nada de novo.
- O que fazer para melhorar o funcionamento do MP? Nem uma ideia.
- O que fazer para apresentar mais resultados no combate à corrupção? Nem uma ideia.
- O que fazer para acelerar as investigações? Nem uma ideia.
- É uma entrevista sem história: com uma agravante: instalou-se a guerra entre alguns políticos e alguns magistrados do MP, com manifestos e contramanifestos. Um desastre para todos: políticos, magistrados. Ninguém ganha. Todos perdem.
LISTAS DE ESPERA NO SNS
- O tema das listas de espera na saúde é demasiado importante para ficar sem escrutínio permanente. Há que indagar se o prometido pelo Governo está mesmo a ser cumprido. É que estamos a falar de pessoas vulneráveis, que aguardam com ansiedade ou até desespero uma cirurgia ou uma consulta.
- Como estamos então nesta matéria?
- Cirurgias oncológicas (prioritárias). O ritmo de recuperação destes atrasos está em bom nível. Já foram feitas 73% das cirurgias previstas (6.853 das 9.374 previstas). Quase todas realizadas no SNS (98%).
- Demais cirurgias da lista de espera. O ritmo aqui está mais lento. Até 5 de Julho foram feitas apenas 17.306 cirurgias das 74.673 previstas (23%). É importante acelerar o passo.
- Lista de espera para consultas. Aqui, estamos ainda no ponto de partida. É que a recuperação das listas de espera de primeira consulta só começa em setembro. Difícil de compreender. É que há um total de 960 mil pessoas em lista de espera para consulta, sendo que 490 mil (51%) já ultrapassaram o tempo máximo de resposta. Já estão tecnicamente em lista de espera. Muita gente.