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08 de Novembro de 2020 às 21:40

Marques Mendes: Novas medidas "são um choque necessário"

As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o estado de emergência, a vitória de Biden nos EUA e a geringonça açoriana, entre outros temas.

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ESTADO DE EMERGÊNCIA

 

1.     Entra em vigor à meia-noite de hoje o estado de emergência. E, com ele, sobretudo, duas medidas novas e duras: um recolher obrigatório nocturno, todos os dias, entre as 23 horas e as 5 da manhã; e um outro recolher obrigatório nos dois próximos fins de semana, ente as 13 horas e as 5 da manhã.

 

2.     Duas palavras: uma de concordância; outra de crítica.

a)     Uma de concordância  Estas duas medidas são um choque. Particularmente o recolher obrigatório dos dois próximos fins-de-semana. Um choque para as pessoas, as famílias o comércio e a restauração. Mas são um choque necessário. A situação dos novos contágios começa a ser dramática. Os hospitais estão à beira da ruptura. A pandemia está relativamente descontrolada. O número de mortes está a crescer de forma preocupante. Há semanas que digo isso. Há semanas que digo que as medidas tomadas eram insuficientes.

b)     Agora, a palavra de crítica – A situação agravou-se muito a partir do início de Outubro. O próprio PM reconheceu-o ontem. Então pergunta-se: por que é que estas medidas só surgem agora? Por que é que não foram tomadas mais cedo? Por que é que o Governo andou a dormir na forma? Mais ainda. Na quarta-feira entraram em vigor medidas restrictivas para 121 concelhos. Menos de uma semana depois, temos novas medidas. Isto dá uma ideia de desnorte, de falta de capacidade de antecipação, de falta de planeamento e até de liderança.

 

3.     Nesta segunda vaga, infelizmente, o Governo não tem estado bem. Anda sempre a correr atrás do prejuízo. Se tivesse agido mais cedo, evitavam-se muitos contágios, podiam evitar-se algumas mortes, evitavam-se eventualmente medidas tão drásticas quanto estas. Toda a gente sabe: quanto mais tarde se age, pior.

 

O ESTADO DA PANDEMIA

 

1.     A prova de que a situação é mesmo grave está bem patente nestes números:

a)     Média diária de novos casos  Estamos há 5 semanas consecutivas com um crescimento excepcional. A média diária desta semana é de 4.867 casos. No Expresso o Presidente  da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos dizia que "a situação só é governável para os cuidados intensivos com duas mil novas infecções por dia". Estamos com mais do dobro.

b)     Média diária de internados  Também aqui temos 5 semanas seguidas de crescimento. Estamos há várias semanas muito acima dos números da primeira vaga. O SNS à beira do limite. Os especialistas dizem mesmo que os cuidados intensivos só aguentam mais 10 dias esta situação.

c)     Média diária de óbitos  O número de óbitos tem crescido de forma muito preocupante (51 mortos por dia esta semana). Sendo que especialistas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa estimam que podemos chegar aos 70 mortos por dia nas duas primeiras semanas de Dezembro.

d)     Novos casos em função da idade – Há aqui duas diferenças importantes em relação à primeira fase: primeiro, metade dos nossos infetados (51%) situa-se entre os 20 e os 49 anos. Não está nos idosos, ao contrário do que se pensa; segundo, nos idosos os novos casos até são relativamente baixos (6% de crescimento nos grupos a partir dos 70 e 80 anos).

e)     Óbitos em função da idade – Aqui, sim, o pesadelo é sobretudo nos mais velhos. 88% dos óbitos situam-se acima dos 70 anos.

 

2.     Com este retrato e a lentidão da resposta das autoridades, ainda acabamos num confinamento geral. É lamentável se assim tiver de ser.

 

 

VAMOS SALVAR O NATAL?

 

1.     Vários governantes, incluindo o PM, têm dito que as medidas que estão a ser tomadas se destinam a "salvar o Natal". Esta declaração é um exercício de demagogia.

a)     Primeiro, estas medidas não são para salvar o Natal. São para salvar vidas. Para salvar o SNS da ruptura e do colapso. E isso é sempre importante – com Natal, sem Natal, antes do Natal ou depois do Natal.

b)     Segundo, não andem com falsas ilusões, falsas mensagens ou falsas expectativas. Claro que nós vamos ter Natal. Não é preciso salvá-lo porque ele não vai morrer. Coisa diferente é esta: qualquer pessoa de bom senso percebe que o Natal deste ano não pode ser igual ao de 2019 ou dos anos anteriores. Em 2021 havemos de voltar ao Natal normal. Este ano vai ter que ser diferente. Com mais cuidado, com menos gente, com menos convívio social e familiar. Se não for assim, a pandemia cresce, os infetados sobem e os óbitos aumentam. Alguém deseja isso? Ninguém!

 

2.     O que o Governo deve fazer, isso sim, é falar verdade. E falar verdade, neste caso, é explicar aos portugueses, a tempo e horas, o seguinte: no período do Natal vamos ter limitações à circulação, como houve na Páscoa e no Dia de Finados? E que tipo de limitações? E durante quantos dias?

Isso, sim, o Governo tem de explicar a tempo e horas. Para que as pessoas possam programar as suas vidas e o seu Natal. Fora isso, não abusem da inteligência dos portugueses.

 

 

 

 

 

AS ELEIÇÕES NOS EUA

 

1.     Primeiro, provou-se que esta não era uma eleição normal. Era um plebiscito a Trump. Só assim se explica a excepcional mobilização dos norte-americanos. Biden não tem a maior votação de sempre por causa do seu carisma, mas sim pela grande mobilização que foi feita contra Trump.

 

2.     Segundo: mesmo assim, é uma grande vitória de Joe Biden. A reeleição do Presidente é a regra nos EUA. Em trinta recandidaturas presidenciais na história dos EUA, só 10 presidentes não foram reeleitos. Biden é a décima primeira excepção. Tem um grande mérito. E uma história de vida notável – de um resistente e de um homem de esperança.

 

3.     Terceiro: goste-se ou não se goste de Trump, há que reconhecer que, mesmo perdendo, ele teve um grande resultado. Se não tivesse havido pandemia, provavelmente Trump ganhava. E se, mesmo com pandemia, ele a tivesse gerido de forma diferente, como fez a generalidade dos líderes europeus, não perdia esta eleição. Trump foi vítima da sua arrogância.

 

4.     Quarto: esta derrota de Trump é também uma derrota do populismo. Ela prova que os populistas podem ser derrotados. Nesse sentido, é um sério revés para os populistas, em especial na Europa. No Reino Unido, em França, em Itália, na Polónia ou na Hungria.

 

5.     E agora? É uma questão de tempo até Trump ser obrigado a sair. Ele está isolado. Num beco sem saída. Os líderes internacionais reconhecem a eleição de Biden. Dificilmente os tribunais lhe dão razão, porque não há evidências de fraude. O próprio partido Republicano – que Trump esvaziou – acabará por se demarcar do seu comportamento. Contra factos não há argumentos.

 

 

O QUE MUDA COM BIDEN?

 

1.     Para começar, esta madrugada tivemos dois bons discursos: a Vice-Presidente – empática, inteligente e genuína; Biden, afirmativo, assertivo e consensual.

 

2.     O que vai mudar com Biden?

a)     A forma de fazer política. Passaremos a ter uma governação com mais decência, menos crispação e menos conflitualidade.

b)     Uma aposta na união dos americanos. A América está radicalizada e dividida como nunca. É preciso uni-la. E desde logo também responder às exigências dos eleitores de Trump. Estes são, em grande medida, vítimas da globalização. Deixar estas pessoas para trás é cometer o erro de não matar o trumpismo ou o erro de fomentar novos populismos.

c)     O regresso da América aos grandes desígnios da ciência, do conhecimento e das mudanças climáticas. Um bom sinal para o mundo.

d)     Uma maior aproximação à Europa. Trump desprezava a Europa. Biden vai ser diferente. Vai reconstituir a relação transatlântica, aproximar-se da UE, ver os europeus como parceiros daquilo que ele próprio chamou a "Frente Democrática" ou "Liga Democrática".

e)     Uma continuidade da política externa americana, com duas nuances importantes: a tensão com a China vai continuar, embora com um discurso mais diplomático (muda a forma, não a estratégia); a relação com a Rússia vai passar a ser mais firme e mais confrontacional.

 

 

 

 

 

 

PRESIDENCIAIS E AÇORES

 

1.     O PS aprovou ontem a sua estratégia presidencial. Não tem novidade:

a)     Primeiro, a novidade esteve em Palmela, em Maio, quando o PM, na prática, "anunciou" o seu apoio à reeleição de Marcelo.

b)     Segundo, é uma estratégia semelhante à que Cavaco Silva adoptou em relação a Mário Soares em 1991. E que se traduz nisto: se não posso vencer o Presidente, junto-me a ele e à sua reeleição.

c)     Terceiro, por que é que o PS não tem um candidato próprio? Para evitar que António Costa seja um derrotado nas presidenciais. Face à quase inevitabilidade da vitória de Marcelo, se o PS apoiasse outro candidato e perdesse a eleição, seria um derrotado. Assim, Costa será um dos vencedores da noite eleitoral presidencial.

 

2.     A geringonça à direita nos Açores avança. O que dizer?

a)     Primeiro: é uma solução legítima e compreensível. O PS perdeu a maioria para governar; o PSD conseguiu alcançar uma solução maioritária; são 24 anos de governo do mesmo partido; e o PS não tem autoridade para se queixar. Fez o mesmo em 2015, quando Costa fez a geringonça.

b)     Segundo: como não bela sem senão, o problema do PSD é o Chega. Rui Rio tinha dito que o PSD não fazia acordos com o Chega enquanto ele não mudasse. Como agora houve este acordo, mesmo sem o Chega mudar, há um problema de percepção politica. A percepção de que o PSD mudou, normalizou o Chega e que pode repetir esta solução no plano nacional. Esta percepção, se não for desmontada, pode afastar o PSD dos eleitores moderados do centro, vitais para ganhar eleições. Ou seja: o Chega acrescenta votos no Parlamento. Mas pode tirar votos e credibilidade no país.

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